- Introdução
Após perfazer um total de 2,5 milhões de mortos em todo o mundo, sendo mais de 250 mil somente no Brasil e quase 2.000 apenas nas últimas 24 horas, a pandemia instaurada pelo vírus da Covid-19 desnorteou não apenas governos quanto às medidas para combatê-lo, mas também um amplo espectro da esquerda – em especial a esquerda liberal – no que tange às medidas de organização da classe e o apontamento de saídas alternativas que não estejam reduzidas a um mero assistencialismo oportunizado e garantido, tanto na medida como no prazo, pelos interesses das instituições burguesas e seus comandatários.
Para o Governo, o jogo está claro. É preciso manter a economia em funcionamento e afastar a hipótese de distanciamento social. Já no âmbito da esquerda, a proposta reivindica o fechamento total (vulgo lockdown) da economia, aliado a uma política assistencial no valor de R$600,00 por pessoa. Ambas propostas encontram reação em amplos setores da sociedade por diversos fatores, seja pelo receio de perderem seus empregos, seja por essas se apresentarem deslocadas da realidade para seus contemplados ao impor à classe um rebaixamento das condições de sua subsistência sem qualquer garantia da permanência dessa quando finalizado o prazo estabelecido pelo governo. Nesse sentido, as alternativas postas não dialogam com a classe, constituindo elemento de caráter fortemente antipopular. Tendo em vista esse cenário de desconfiança da classe trabalhadora sobre as medidas propostas, como a esquerda deve se posicionar frente a esse cenário? Por que a imposição de uma alternativa baseada no argumento de autoridade da ciência possui caráter tão impopular frente à classe trabalhadora a ponto dela questionar sua racionalidade? Enfim, questões que se encontram abertas e que convidamos a um diálogo.
- Do Pacto de Classes à Guerra de Classes – Como chegamos até aqui
O diagnóstico de como chegamos até aqui é importante de se precisar. Desde a instauração da Nova República com Collor de Mello até o presente governo de Bolsonaro, o que tivemos estabelecido no Brasil foi um pacto de classes entre a classe dominante em prol da política neoliberal e rentista, instaurada de forma efetiva a partir do Plano Real. Tendo como fundamento o crescimento econômico através do financiamento externo e um rigoroso controle das contas públicas, através do chamado tripé macroeconômico, esse modelo garantiu apenas elevadas taxas de juros para o rentismo, o aprofundamento da dependência, o aumento do desemprego e o impedimento da efetivação de políticas sociais.
O pacto teve seus efeitos negativos em toda economia, desde o aniquilamento do parque industrial brasileiro pari passu, um amplo desmonte do Estado, aqui incluindo o SUS – Sistema Único de Saúde -, tudo sob o mantra, mantido e endossado inclusive por governos de esquerda, da “necessária” manutenção da austeridade fiscal. Desta feita, a economia brasileira passou a atuar através de fortes setores monopolistas que, para aumentar ainda mais seus ganhos, necessitavam ampliar suas taxas de exploração sobre a classe trabalhadora bem como seu assalto ao Estado – realizado através do esquema da dívida pública. Consolidava-se a assim uma política no país que não só aprofundava sua dependência, como tornava necessário um arrocho sobre a classe trabalhadora de forma a manter suas taxas de lucro.
A crise de 2008, que abalou o centro do capitalismo mundial, teve sua reverberação de forma mais intensa no Brasil a partir de 2012. Diferentemente da atuação dos países centrais, que realizaram um verdadeiro processo de estatização de seus sistemas financeiros utilizando inclusive seus Bancos Centrais para a compra dos chamados “títulos podres”, o Brasil optou por se manter na rédea da política de austeridade através da manutenção de suas elevadas taxas de juros sustentando assim os lucros do sistema rentista. O governo Dilma instaurava com isso uma guerra de classes. Um forte ajuste recessivo foi a política encontrada por seu governo para recompor as condições de acumulação do capital. O resultado não tardou a chegar: greves explodiam em todo o país, aumento vertiginoso na taxa de desemprego – que passou de 4,8% em 2014 para 9,6% em 2015[1] -, seguindo-se à destruição de direitos da classe trabalhadora através de mudanças nas regras do seguro-desemprego e do abono indenizatório. A crise econômica instaurada, o aprofundamento da crise financeira do Estado, o ajuste recessivo sobre a classe trabalhadora e a profunda queda nos lucros de diversos setores econômicos tornaram o solo fértil, do qual brotavam as condições que permitiram ao sistema petucano comandar o pacto de classes num completo deserto.
Sem precedentes, essa crise abalou diversos setores da burguesia que passaram a exigir do governo um ajuste rápido, profundo e definitivo. O governo de Michel Temer, ao se comprometer com esse ajuste, foi o responsável por dar seguimento a essa tarefa através do “Uma Ponte para o Futuro”[2], projeto que trouxe em seu interior um conjunto de medidas econômicas que representavam as mais elevadas aspirações de nossos economistas liberais. Dentre essas medidas, encontramos a famosa PEC 55, mais conhecida como a PEC do teto dos gastos públicos, responsável pelo subfinanciamento futuro em diversos setores como Saúde, Educação, Ciência e Tecnologia. Dois aspectos eram centrais nas reformas: primeiramente caberia à classe trabalhadora arcar com os custos do ajuste. Nesse sentido, uma “adequação” da legislação trabalhista aos chamados “padrões internacionais” – leia-se: cortes de direitos da classe trabalhadora -, bem como uma reforma sobre suas previdências dificultando o acesso à mesma, foram rapidamente votadas e aprovadas. O segundo aspecto da proposta é o assalto ao Estado. A palavra de ordem era privatizar e realizar concessões à iniciativa privada em todos os setores em que fosse possível fazer isso.
De forma a impedir que tal projeto avançasse, nós da Revolução Brasileira já apontávamos[3] que era necessário a constituição de um novo radicalismo político. O processo eleitoral demandava assim uma candidatura que denunciasse o sistema petucano como o gestor dos negócios do capital e o gerador da crise. Para nós da Revolução Brasileira, a crítica e diferenciação em relação ao PT deveria ter orientado o discurso político perante as massas não tendo jamais que assumir uma posição secundária na crítica. A renúncia a esse protagonismo por parte da esquerda, assim como a apresentação de Jair Bolsonaro como o candidato antissistema, abertamente contrário tanto a petistas, quanto a tucanos, consolidou sua vitória sobre as bases da moral popular através das denúncias de corrupção dos governos anteriores. A guerra de classes que se desenvolvia desde 2012 é assumida e capitaneada pelo presidente Bolsonaro contra a classe trabalhadora. Sua eleição enterrou para sempre a cômoda oposição petucana na qual navegou o liberalismo pós-ditadura. A vitória eleitoral do protofascista Jair Bolsonaro tornava claro que a podridão da república burguesa, podridão essa que a esquerda liberal teimava em ocultar – em especial na figura do PT – era uma realidade efetiva. A podridão do sistema político é o combustível que alimenta o discurso “antissistema” da coalizão burguesa encabeçada pelo protofascista. Contudo, no momento em que deveríamos adotar uma posição mais radical, o liberalismo de esquerda assumiu de maneira ainda mais ingênua a defesa do espírito republicano e da democracia em abstrato. Essa é a razão fundamental da força da coesão burguesa conduzida por Bolsonaro que ainda dispõe de amplo terreno para acumular apoio entre as classes populares.
Ao performar uma atuação de que sem economia o caos seria maior, e que é preciso “deixar o povo trabalhar”, Bolsonaro consegue se fazer compreendido não só com o empresariado que quer manter sua lucratividade, mas com grande parte da classe trabalhadora que, frente à crise, não quer ver rebaixadas suas condições de subsistência ao passo que também não vê no auxílio emergencial uma alternativa política ao emprego. E mais, Bolsonaro, ao efetivar os pacotes de renda emergencial a serem aprovados no Congresso, tão propagados como a única alternativa política a ser feita, não só eterniza a digestão moral da pobreza por meio do Auxílio Emergencial (ou Renda Brasil no futuro), quanto garante decisivo apoio eleitoral entre os setores mais explorados da classe trabalhadora. Cai por terra, de maneira definitiva, a filantropia como perversão de política social num país capitalista periférico. Frente a isso, o que a esquerda tem a oferecer?
- Os efeitos da política rentista no aprofundamento da crise
A marca indelével dos primeiros dois anos do governo Bolsonaro foi seu inteiro comprometimento com a agenda ultraliberal da classe dominante, agenda essa que promoveu o maior ataque da história contra os trabalhadores, liquidando em um curto espaço de tempo a previdência social, os direitos trabalhistas e entregando diversas empresas estatais a multinacionais estrangeiras. Essa forte operação de desvio da riqueza nacional diretamente para o bolso de grandes capitalistas, acionistas e proprietários dos cartéis da corrupção que comandam o país se encontra em curso e a pleno vapor, tudo com irrestrito apoio de amplos setores da mídia. Enquanto isso, a dívida pública segue alimentando as classes dominantes ao passo que os governos deixam intocada a estrutura da república rentista que amplia sobremaneira a desigualdade na apropriação privada da riqueza produzida nacionalmente.
Como efeito da política econômica adotada pela república rentista, temos não apenas a falência da indústria no Brasil, como também a perda acelerada de sua competitividade, promovendo uma explosão de nossa dependência, em especial sobre produtos industrializados de outros países, como é o caso que assistimos agora em relação às vacinas. Longe de discutir as mudanças relativas à indústria 4.0, o Brasil vive um processo profundo de aprofundamento da dependência, refletido pela desnacionalização e desindustrialização de sua economia, que remete à década de 90. Em meados da década de 80, a indústria de transformação representava 21,85% do PIB. Hoje, não representa mais que 12%[4]. Com o advento da pandemia da Covid-19, essa conhecida fragilidade brasileira fora evidenciada da pior forma: nossa elevada dependência de insumos importados de outros países para a fabricação de medicamentos e vacinas e o sucateamento de laboratórios e fábricas usados na produção de imunizantes no país não nos permite sequer produzir vacinas para nosso povo. Isso não se dá devido à falta de incentivos à indústria – que vive há anos às custas de um constante assalto ao Estado através de isenções fiscais -, mas é inerente à própria lógica de acumulação do capital na periferia que, não podendo competir com a elevada produtividade das economias centrais, opta por obter seus lucros a partir da superexploração da força de trabalho em setores nunca estratégicos. Eis o sentido da fala do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Carlos Doellinger, quando defendeu publicamente a desindustrialização brasileira afirmando que o país precisa, pasmem, “apostar em suas vantagens comparativas”[5].
Enfim, não é um mero acaso que assim procedam nossas elites, nem é a falta de um ajuste de rumos que pode solucionar esse problema. É da lógica de funcionamento do capital. Fica então evidente o porquê de a burguesia do agronegócio exigir, mesmo diante da atual crise do sistema capitalista, aprofundada pela Covid-19, que os setores de seus interesses continuem produzindo, entre outras coisas, as vacinas para seus rebanhos. Não à toa, enquanto a maior parte das vacinas aplicadas no Brasil são importadas de outros países, 90% dos imunizantes bovinos são produzidos aqui![6] Aliada à burguesia mercantil e industrial e com forte apoio de governadores, essas elites atuam no intuito de impedir a interrupção das atividades, submetendo milhares de trabalhadores, todos os dias, ao risco de contaminação em transportes lotados. Seus rebanhos não podem morrer por falta de vacinas, já os trabalhadores, na visão tradicional das elites brasileiras, enxergam nosso povo como carvão que só serve para ser queimado na fornalha da produção de riqueza para os ricos. Afinal, em um país dependente, com superexploração dos trabalhadores e possuindo um exército de reserva de dezenas de milhões, que diferença fará, para os ricos, a morte de alguns milhares?
- As ações dos governos e da esquerda parlamentar no enfrentamento da crise sanitária
A explosão de contágios da Covid-19, e a rapidez com que ela explicita a falência do sistema público de saúde, trouxe às claras a incapacidade dos gestores públicos de conduzir qualquer política que tivesse como prioridade a garantia de assistência à população. Isso se dá porque, no capitalismo, a produção e consumo de mercadorias é o elemento fundamental. Garantir a manutenção desse processo, e não o de saciar as necessidades de sua população, é a finalidade do sistema político no capitalismo. O lucro é sempre a prioridade! Em virtude disso, o processo que engendra essa estrutura é ingovernável. Baseada num jogo de concorrência entre diferentes capitais que disputam entre si um pedaço da mais-valia da classe trabalhadora, cabe ao Estado manter um conjunto de regramentos que permita o perfeito (ou mais próximo disso) funcionamento desse processo de acumulação. Nesse sentido, o conjunto de medidas adotadas pelos governos refletem as necessidades do capital. Seus recursos devem garantir, prioritariamente, a salvaguarda dos bancos e empresas, sempre amparados nas crises com robustos pacotes de ajuda. Para os ricos, o dinheiro que o Estado extrai da classe trabalhadora, para os pobres, segue o receituário da digestão moral da pobreza através da velha política liberal inspirada no imposto negativo[7] de Milton Friedman, que concede um pequeno aporte de renda – a tal “renda cidadã” – para a classe trabalhadora, empurrando-a, cada vez mais, para um nível de subsistência e superexploração.
Eis a lógica subjacente! Enquanto o parecer científico recomenda a proteção individual e o isolamento social como medidas de diminuição da curva de contágio, a classe proprietária exige o funcionamento normal de suas atividades. Bolsonaro aqui deixa clara sua posição: atuou fortemente em defesa do setor empresarial condenando as ações de isolamento social, mesmo com projeções de morte elevadas em todo o país. O descaso de seu governo genocida para com o número de mortes e o compromisso do governo com as políticas de austeridade liberais ficaram patentes nas falas de seus representantes. Enquanto a superintendente da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Solange Vieira, afirmava a integrantes do Ministério da Saúde que a concentração da doença principalmente em idosos se tratava de um elemento positivo para melhorar o desempenho econômico do Brasil ao reduzir o rombo nas contas da Previdência[8], Bolsonaro se colocava de forma contrária à concessão do Auxílio Emergencial e em defesa do Teto dos Gastos[9]. A política genocida e negacionista de seu governo deu resultados: vivemos uma segunda onda de contágios, não temos perspectiva de vacinação, enquanto assistimos diariamente o colapso do sistema de saúde dos estados através da falta de leitos e oxigênio para os pacientes.
Amparados no falso debate entre negacionistas e não-negacionistas, os governadores, por sua vez, aproveitam para balizar suas ações sob a tutela da “melhor ciência”, esquecendo de pontuar que todo esse conhecimento acumulado pela sociedade no modo de produção capitalista se torna propriedade privada, deixando de ser coletivo e passando a ser unicamente uma fonte de lucros. Isso foi imediatamente percebido pela população quando essa sentiu na pele o recorte de classe que o isolamento social tem. A ciência exige um fechamento total das atividades econômicas para se obter algum sucesso na redução da propagação do vírus. No entanto, a falsa retórica dos governos é constatada quando percebemos que suas ações não visam o combate a essa transmissão, mas apenas um ajuste no funcionamento de algumas atividades de forma a garantir o processo de acumulação do capital. A prioridade, como já afirmamos, é o lucro! Não é mera coincidência que setores como o da construção civil ou até academias de ginástica sejam consideradas, por alguns, atividades essenciais. Frente ao lobby do setor de ensino particular, os governadores, até poucos dias, estimulavam contágios com o anúncio de retorno de aulas presenciais sem qualquer perspectiva de vacinação. Eis os limites apresentados pela utilização do discurso científico pela esquerda: sua importância está subordinada aos interesses da classe dominante. A classe trabalhadora sente os efeitos disso diariamente nos sistemas de transporte público lotados ou quando precisa de leitos nos hospitais públicos. O fechamento parcial das atividades econômicas realizadas pelos governadores em prol dos lucros dos mais ricos é uma medida que os torna cúmplices do processo genocida do governo Bolsonaro.
É preciso refletirmos sobre a atuação de nossa esquerda no enfretamento da crise. A utilização de bordões liberais, como a reivindicação de uma democracia em abstrato, em defesa das instituições, ou mesmo de uma ciência separada das condições materiais de realizá-las, é mero idealismo. Isso, em si mesmo, não produz nenhuma consciência crítica, ao contrário, reforça os mecanismos de alienação e a consciência ingênua. Submetidos a uma lógica estritamente eleitoral-parlamentar, a esquerda liberal atua apenas de maneira reativa às pautas bolsonaristas, caindo na armadilha da racionalidade do irracionalismo de seu governo. Acreditando poder enfrentar essa crise através de bordões liberais do tipo “precisamos defender as instituições” ou “estamos ao lado da ciência”, essa esquerda não só não se diferencia do discurso da direita como reforça a posição de opositores de Bolsonaro como João Doria ou Rodrigo Maia. Ambos reivindicam, tal como faz a esquerda, o uso da melhor ciência por parte do governo e o respeito às instituições, mas é através dessa última que destroem os direitos da classe trabalhadora na aprovação de medidas em favor de sua superexploração. Colocar-se ao lado de uma ciência ou das instituições burguesas de forma descolada das relações de classes é insuficiente. Abandonar esse comportamento é fundamental para se pensar uma alternativa. É necessária uma crítica de natureza política!
- A pandemia como prenúncio de uma crise maior. É hora da Revolução Brasileira
Sabemos que não podemos restringir a atuação ao combate do falso discurso do negacionismo. Não é nenhuma surpresa sobre a posição negacionista promovida pelo governo Bolsonaro. Tampouco o antinegacionismo dos governadores pode ser entendido como uma virtude. Ambos são frutos do mesmo sistema político degenerado. E mais, nas condições atuais de profunda dependência deixadas pelos sucessivos governos, que priorizaram o pacto entre as elites contra a classe trabalhadora, não cabe a nós da Revolução Brasileira alimentar quaisquer ilusões de alternativas no interior dessa ordem. Não há, então, pacto a ser firmado com um sistema político decadente e que remete sua população às condições de mera subsistência com prazo determinado, tornando a lumpemproletarização uma política de estado não só apoiada como capitaneada por nossa esquerda. Alimentar ilusões na classe trabalhadora fazendo-a acreditar que a superação de seus problemas pode se dar por dentro das instituições burguesas corrompidas, ser financiada pela república rentista através de auxílios financeiros, e que seu papel é acatar de forma pacífica o aumento da superexploração de sua força de trabalho e o rebaixamento de suas condições de vida, é atuar contra a classe e não a seu favor. Ela já percebeu há algum tempo: Não há saída dentro da ordem atual. A ordem vindoura será construída por aqueles que, percebendo isso, atuarão junto ao povo em seus propósitos. Assim, reafirmamos: Nosso pacto é com a classe trabalhadora!
A crise econômica que já se alastrava desde 2019, intensificada pela pandemia, provocou uma forte queda no PIB mundial[10], afetando fortemente investimentos e o emprego[11] em todo o mundo. Mas o capital não dorme no ponto. Sabendo que o processo será intenso, sua jornada contra a classe trabalhadora precisa se dar de forma célere. Aproveitando o atual e propenso cenário de isolamento social – o qual dificulta a organização e a promoção de atos e manifestações -, o Governo Federal já colocou em pauta e vem aprovando um conjunto de medidas de retirada de direitos e de aumento da superexploração contra a classe trabalhadora enquanto libera bilhões para bancos. É o caso do Banco Central quando anunciou a disponibilidade de R$1,2 trilhão em recursos para garantir a liquidez do sistema bancário[12] favorecendo, assim, a concentração e centralização de capitais pelo fornecimento de créditos expressivos a um conjunto de capitais já concentrados, ao passo que, para a classe trabalhadora, restou a Lei 13.982[13] que aprovou um auxílio emergencial no valor de míseros R$600,00 por mês a serem pagos até o final do ano passado. O rebaixamento das condições de vida não para por aí. Suspensão de contratos de trabalho, redução de jornadas de trabalho, negociações sem intermediação de sindicatos são outras medidas previstas pela PEC 10/2020[14] e adotadas pelo governo durante a primeira onda. Chegado 2021, vivemos uma nova onda de Covid, o sistema de saúde do país colapsa[15], os estados decretam lockdown e a falta de auxílio empurra milhões de brasileiros para a miséria[16]. Eis o retrato cru da tragédia que nosso sistema político nos legou.
Não há dúvidas de que precisamos preparar a classe trabalhadora para as verdadeiras batalhas que estão por vir. E essas, não nos iludamos, são muitas! Será preciso uma organização e mobilização em um cenário ainda desconhecido. De seu lado, o governo já orquestra o ataque através do Plano Mais Brasil. Trata-se de um arsenal de medidas visando um assalto ao Estado bem como um ataque ao servidor público em prol do rentismo. A PEC 186/2019[17], aprovada no dia 09/03 em primeiro turno na Câmara de Deputados em troca do auxílio emergencial de R$ 175 a R$ 375, propunha em seu texto original uma redução de 25% da remuneração do servidor público, e a suspensão das progressões, aumentos salariais, auxílios, vantagens e benefícios e reestruturação de carreiras dos servidores. Além disso, promovia o desmonte do serviço público através da proibição de contratação de servidores, a realização de concursos e a criação de cargos públicos. O excedente que venha a ser produzido às custas da exploração do servidor público será direcionado para o pagamento da dívida pública, alimentando assim o rentismo característico de nossa república. Mas esse tem fome de recursos. Não satisfeito, o governo mobiliza ainda a aprovação da PEC 187/2019[18], a famosa PEC dos Fundos Públicos, que busca aprovar a extinção de 248 fundos públicos como os destinados à ciência, tecnologia, cultura e educação, os quais totalizam um montante de R$ 220 bilhões. Além dessas duas medidas, compõe ainda o plano a PEC 188/2019[19] a PEC do Pacto Federativo, que busca desvincular as receitas direcionadas à saúde e à educação dando liberdade para que os gestores façam uso desses recursos em outras áreas que acharem necessário. Um completo assalto ao Estado e à classe trabalhadora em favor das classes dominantes que controlam o corrupto sistema da dívida pública.
O tempo urge! Não podemos iludir a classe trabalhadora que seus problemas serão solucionados através das lutas travadas pela esquerda no parlamento. Rebaixamentos programáticos ou dissimulações fantasiosas não serão mais aceitos. A luta pelo pagamento de auxílio emergencial é importante para a subsistência da classe trabalhadora, mas não pode constituir um fim em si mesma. A redução da luta pela emancipação ao jogo político das instituições burguesas degeneradas, responsáveis por jogar os trabalhadores nessas condições, é algo que não cabe a esquerda mais replicar. A dimensão da crise que se aproxima é enorme, seu enfrentamento é uma longa luta de organização da classe e essa batalha deve constituir um momento de elevação da consciência crítica das massas no sentido não de reivindicar apenas uma política provisória de auxílio – a qual se encontra refém do liberalismo de esquerda -, mas de direcionar forças para uma ruptura da institucionalidade que entrava o alcance das condições mínimas de subsistência. Essa deve ser a luta da esquerda.
É nesse sentido que as organizações que se pretendem socialistas devem atuar. O mundo pós-pandemia já evidencia um completo ataque à classe trabalhadora. É sobre essa que já recai o peso da reconstrução dos lucros da classe dominante. A exploração e ampliação da miséria de nosso povo sempre foi a fonte de onde nossas elites extraem suas riquezas. Não podemos permitir mais esses ataques! Organizar o povo contra as medidas tomadas contra a classe trabalhadora é tarefa premente. Mas é preciso conquistar um acúmulo de massas e ganhar as ruas para tornar o impeachment algo real e não uma panaceia parlamentar. Derrubar o governo de Jair Bolsonaro é o passo seguinte, mas sem nos iludir que sua mera substituição será a resolução desta crise. Esta perpassa pela construção de uma alternativa radical de esquerda. Construir a Revolução Brasileira é a nossa tarefa. Avante!
Aquiles Melo
Militante pela Revolução Brasileira – CE
[1] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/11/25/internas_economia,558681/ibge-revisa-taxa-de-desemprego-e-desocupacao-e-a-mais-alta-desde-2004.shtml
[2] https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf
[3] https://revolucaobrasileira.org/18/04/2017/manifesto-pela-revolucao-brasileira/
[4] https://www.ebusinessconsultoria.com.br/infonews/panorama-da-industria-de-transformacao-brasileira
[5] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/20/fala-de-presidente-do-ipea-sobre-indstria-gera-forte-reao-do-setor.ghtml
[6] https://www.metropoles.com/saude/brasil-tem-30-fabricas-de-vacina-para-gado-e-so-duas-para-humanos
[7] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. 1962
[8] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,morte-de-idosos-por-covid-19-melhora-contas-da-previdencia-teria-dito-chefe-da-susep,70003317874
[9] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/01/4902837-pressionados-por-politicos-bolsonaro-e-guedes-sao-contra-prorrogar-o-auxilio-emergencial.html
[10] https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2021/01/26/2021-world-economic-outlook-update
[11] ILO Monitor: COVID-19 and the world of work. Seventh edition.
[12] https://auditoriacidada.org.br/bancos-recebem-r-12-trilhao-do-banco-central-mas-so-4-disso-vira-aumento-de-emprestimos-para-pessoas-e-empresas/
[13] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-13.982-de-2-de-abril-de-2020-250915958
[14] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141443
[15] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/27/Os-cen%C3%A1rios-de-um-colapso-generalizado-na-sa%C3%BAde-do-Brasil
[16] https://www.dw.com/pt-br/sem-aux%C3%ADlio-emergencial-brasil-deve-ter-mais-de-20-milh%C3%B5es-em-pobreza-extrema/a-56220720
[17] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139702
[18] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139703
[19] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139704