Guerra de classes em Santa Catarina

Guerra de classes catarinense: o assalto dos poderosos contra o estado e o povo

   Ao contrário da ideologia sistematicamente repetida pela elite catarinense e por sua mídia, não vivemos em um estado diferenciado em relação à realidade nacional. Santa Catarina, tal qual o restante do Brasil, vive uma guerra de classes travada pelos poderosos contra o povo mais pobre. Por conta de uma classe dominante orientada pelo rentismo, que assalta o patrimônio e o orçamento público e amplia a superexploração da força de trabalho, vemos Santa Catarina passar por graves problemas e acumular profundas contradições. Ao mesmo tempo em que aumenta a angústia e o sofrimento do nosso povo, a classe dominante se envolve em gravíssimos escândalos de corrupção, o que amplia a profunda crise política vivida pelo país e pelo estado.

   Principalmente nos últimos anos, a ideologia de um estado com características europeias desabou. Os efeitos acumulados por longos anos de estreita aliança entre os grandes empresários capitalistas e as elites políticas que ocupam Santa Catarina, na esteira do modelo petucano de administração do capitalismo rentista, fizeram explodir uma crise econômica, social e política nunca antes vista em terras catarinenses. Décadas de desonerações tributárias babilônicas, de funcionamento ininterrupto do sistema da dívida pública para sustentar grandes empresários e de abertura de Secretarias de Desenvolvimento Regional e seus cabides de emprego para manter funcionando as alianças dos poderosos, fizeram sangrar gravemente o orçamento do estado, nos conduzindo à desastrosa condição atual.

  Santa Catarina não paga o piso nacional dos professores da rede pública enquanto cria sistematicamente cargos políticos de confiança para atender aos interesses da classe dirigente. Corta verba da saúde e ao mesmo tempo mantém programas bilionários de desoneração fiscal para grandes empresários. Anuncia que parcelará o pagamento da primeira parcela do 13º salário de servidores e paga juros recordes da dívida pública para o parasitismo do sistema financeiro. Apela para a privatização e destruição do serviço público através das OS e da terceirização dos serviços, com elevado custo e baixíssimo retorno social. Enquanto promove extrema concentração de riqueza na mão de poucos, a maioria do povo vive processo acelerado de proletarização e empobrecimento.

  Não por acaso, no momento de exaustão deste modelo econômico insustentável e parasitário, vemos a contrapartida imediata no crescimento do caos social, na crise política dele procedente e na desarticulação das elites que até então estavam unificadas no poder estadual. Crise na segurança pública, aumento do desemprego, ampliação da superexploração dos trabalhadores, crescimento da população em situação de rua, pequenos agricultores e empresários falindo e perdendo suas propriedades, caos na saúde, educação e saneamento básico são os aspectos mais visíveis desse processo.

  Enquanto isso a classe dominante aumenta sua voracidade no saqueio do estado, reforçando os mecanismos das desonerações e da dívida, assim como pressionando pela privatização das empresas públicas que restaram, a exemplo da Casan, Celesc, Cidasc, Ciasc e Epagri. Com orçamento mais enxuto, em função da piora das condições de vida do povo que paga impostos, as elites políticas começam a se debater para saber quem melhor pode atender aos interesses dos grandes empresários. Rompe-se assim a histórica aliança entre os partidos da ordem em Santa Catarina, sacramentada pelo apoio de Ideli Salvatti e Lula à eleição de Luis Henrique da Silveira em 2002 e pela “gratidão” de Raimundo Colombo aos benefícios concedidos pela presidente Dilma. Aqueles que estavam unidos em torno do petucanismo passam a se agredir e expor as contradições que até então eram sempre ocultadas pela subserviente grande mídia estadual.

   O PSOL não tem compromisso com este sistema que entrou em colapso e que não pode se recompor em curto espaço de tempo. Não temos qualquer rabo preso com os grandes esquemas de corrupção que se articulam em torno da venda das empresas estatais, dos benefícios fiscais e da dívida pública. Por isso mesmo, podemos afirmar sem nenhum pudor a falência deste sistema, acusando todas suas mazelas que só farão ampliar o sofrimento do povo nos próximos anos. Anunciamos assim a necessidade de um novo sistema político, baseado em uma transição revolucionária para um mundo de socialismo e liberdade.

   Uma candidatura fundada na crítica profunda deste cenário e que afirme o radicalismo político como horizonte deve se colocar para dar tradução à angústia e ao descontentamento do povo catarinense. Acreditamos ser este o papel primordial de um candidato do PSOL ao governo do estado e, por isso construímos o documento que aqui divulgamos para auxiliar neste sentido

 

 

Constituição e esfacelamento do consórcio no poder em Santa Catarina 

   Santa Catarina vive o ocaso de um longo ciclo político iniciado nas eleições estaduais de 2002. Naquele pleito, Luis Henrique da Silveira (PMDB) vencia Esperidião Amin (PP), então candidato à reeleição. Após um primeiro turno onde Amin alcançava a liderança com significativa margem, o apoio de bastidor da então candidata eleita ao senado pelo PT e fiel escudeira de Lula, Ideli Salvatti, garantiria a virada de LHS no segundo turno, já que grande parte dos votos destinados a José Fritsch (PT) no primeiro turno migraria para LHS.

   A vitória consolidava uma aliança histórica entre PMDB e PT no nosso estado, adiantando inclusive a aliança Dilma/Temer no cenário nacional a partir de 2010. Mesmo que esta aliança nunca tenha se consolidado em termos eleitorais, LHS gozaria de deferência especial do então presidente Lula, que vendia a ideologia de que a aliança com o PMDB era a melhor forma possível de combater a oligarquia Bornhausen que se articulava em torno do antigo PFL. Na prática o objetivo de Lula estava longe de ser nobre: mirava apenas os votos que a influência de Luis Henrique dentro do PMDB poderia lhe garantir no parlamento nacional, administrando o malfadado presidencialismo de coalisão a nível nacional.

   Desde essa vitória inicial, eleição após eleição vem sendo ampliado o pacto de governabilidade em Santa Catarina. A eleição de Raimundo Colombo em 2010, com vice do PMDB na chapa, sacramentou a participação de praticamente todos os setores da classe dominante catarinense dentro do governo: como fiador da unidade entre os setores, o assalto ao estado via renúncias fiscais, o sistema da dívida pública e a compra de base parlamentar por meio de crédito subsidiado, tudo isso sustentado pelo saque permanente contra o povo e contra o serviço público.

   O Brasil e Santa Catarina adentravam os anos 2000 após a severa crise do final da década de 90, que aprofundava todos os dramas sociais trazidos pela liberalização da economia nacional. O estado de SC que até o início dos anos 80 ainda era caracterizado por forte presença industrial nas cidades e estrutura fundiária baseada na pequena propriedade rural, via o seu modelo implodir após a liberalização econômica promovida pelo Plano Real. O sistema de integração das agroindústrias no interior, implantado nos anos 70 com forte incentivo creditício da ditadura militar, obrigava a centralização da terra e expulsava os pequenos agricultores do campo. Ao chegarem nas cidades, a massa de desvalidos encontrava uma indústria em liquidação, incapaz de competir com os produtos importados, ou seja, o êxodo rural, o desemprego e a miséria urbana passavam a ser a crônica cotidiana.

   Para supostamente enfrentar este cenário, a primeira eleição de Luis Henrique lançava o famigerado “Plano 15”. A tônica era a ideia de que LHS governaria “por toda Santa Catarina”, descentralizando a gestão e, através disso, desenvolvendo as regiões empobrecidas do interior. Assim, logo após as eleições, foram criadas 36 Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDR) que, ao contrário de conter o processo de centralização da propriedade e empobrecimento da população, apenas garantiriam a hegemonia política de LHS durante mais de uma década. Verdadeiros cabides de emprego, utilizados para acomodar interesses regionais e liberar cabos eleitorais para fazer politicagem diariamente, as SDR passaram a ser peça chave da governabilidade catarinense, garantindo inclusive a criação da chamada “tríplice aliança” na primeira eleição de Raimundo Colombo em 2010.

  Por outro lado, o assalto às contas públicas garantia o conchavo entre os setores das classes dominantes e seus operadores políticos. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017 estimou uma renúncia fiscal superior a R$ 5 bilhões. Esta cifra significa 21,4% da receita total corrente. Dividido entre crédito presumido, isenção tributária e redução da base de cálculo, o rol das renúncias aponta que 60% delas são destinadas a três segmentos da economia: agroindustrial, têxtil e importação.

  Dentro deste modelo se destacam os programas de renúncia fiscal para grandes empresas, como o Prodec – Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense, e o Pró-emprego, como elemento de estabilização da aliança entre as elites econômicas e políticas. Na desfaçatez de supostamente incentivar as empresas a gerarem empregos, estes programas constituem desoneração brutal de tributos para o estado, impedindo o investimento nas áreas sociais e relegando ao povo o drama do péssimo atendimento. Além de serem uma caixa preta onde a Secretaria da Fazenda simplesmente não divulga os nomes das empresas beneficiadas e os valores concedidos em incentivo, não há qualquer relação entre estes programas e a manutenção e geração de empregos.

   Esta foi uma política criada por LHS que ainda no seu primeiro mandato patrocinou uma explosão das importações em Santa Catarina. Este consórcio de poder, que turbinou os lucros das chamadas trading companies (empresas comerciais que operam no mercado internacional), das grandes indústrias, das agroindústrias monopolistas e das grandes redes de varejo, foi desde o começo arquitetado por figuras associadas a um perfil tecnicista, como Antônio Gavazzoni, Almir Gorges, Cleverson Siewert, Max Bornholdt, entre outros, que transitaram por diversas secretarias estratégicas ao longo de todos estes anos.

   Ocorre que esse mesmo consórcio de poder, ao que tudo indica, sofre uma cisão a partir das eleições municipais de 2012, a primeira do recém-criado PSD, do ex-governador Colombo. Naquelas eleições, o partido do então governador fez quase 600 mil votos para vereador, anunciando forte poderio eleitoral. Surgido como etapa superior do moribundo PFL/Democratas, aniquilado pela distância dos cargos e da máquina federal desde a eleição de Lula, o PSD possuiu força de atração de vários prefeitos e vereadores naquela disputa. Cria do sistema petucano, o PSD virou expressão simpática do “centrão”, patrocinado por Dilma e Lula às custas de muito recurso público (emendas parlamentares e empréstimos subsidiados). Trata-se de um partido que expressa plenamente as origens da crise política nacional, onde o liberalismo no poder funciona fortalecendo as elites parasitárias contra o povo e em nome de uma suposta governabilidade.

   Em 2014, a distância política patrocinada nas bases por algumas lideranças do PSD (Gelson Merísio) e PMDB (Mauro Mariani) não se refletiu na eleição. Novamente o consórcio no poder se manteve unido, reelegendo Colombo e Pinho Moreira para o executivo estadual e consolidando uma base parlamentar de mais de 30 deputados, alinhados em torno do assalto aos cofres do estado. Como exemplo da rapinagem com o orçamento público, o governo lançou o chamado FUNDAM – Fundo de Apoio aos Municípios, modalidade de crédito oferecido pelo BRDE com o claro objetivo de comprar uma base parlamentar e conseguir aprovar projetos contra o povo, como a instituição da previdência complementar para servidores do estado. Todos se beneficiaram, inclusive parlamentares de oposição.

   Por meio de empréstimos e de um profundo endividamento que se acelerou desde a posse de Colombo-Pinho em 2011, o governo contraiu novos contratos para viabilizar o pagamento de dívidas, compra de base parlamentar e, em alguns casos, promessas de investimento em logística (que hoje se encontram parados). Toda essa festa sob os olhos e a caneta da ex-presidente Dilma que, inclusive, recebeu declarações de gratidão do governador Colombo em 2014. O caso mais recente deste endividamento ocorreu no famoso “Pacto por Santa Catarina”. Nele o estado recorreu a empréstimos internacionais para supostamente investir em um conjunto de obras de desenvolvimento. Após um início alucinante e repleto de gastos com propaganda, as obras se encontram quase que totalmente paralisadas, sem qualquer perspectiva de fazer avançar a promessa antes alardeada.

   Aqui está o ponto fundamental para entender o desastre do consórcio de poder no governo catarinense e a sua recente cisão eleitoral. Por um lado, o assalto ao estado produzido pelas elites começou a cobrar seu preço na deterioração financeira das contas públicas, que por fim, entraria em rota insustentável de degeneração a partir do ajuste recessivo promovido por Dilma na virada de 2014 para 2015. Este estrangulamento das finanças públicas passou a opor definitivamente o consórcio no poder, que via rarear os recursos fartos que garantiam que todas as frações econômicas e políticas assaltassem o seu quinhão do estado.

  Os principais partidos e lideranças catarinenses passam a se agredir publicamente, separando-se de vez após Pinho Moreira (MDB) assumir o governo quando da renúncia de Colombo (PSD) para concorrer ao Senado. Para somar ao quadro de deterioração, denúncias da operação Lava-jato tratando da liberação de propinas de empreiteiras para a compra da Casan, começam a implicar quadros de alta envergadura na política estadual, chegando ao Secretário da Fazenda, Antônio Gavazzoni, ao presidente da Assembleia Legislativa, Gelson Merísio, e ao próprio ex-governador Colombo.

   A promessa de desenvolvimento regional via SDR lançada no governo LHS não foi cumprida e nada foi feito para impedir a centralização de riqueza. O que vimos foi a piora sistemática das condições reais de vida do povo. Assim, quando a crise capitalista produzida pela política de Dilma fez duplicar a taxa de desemprego no estado e secar o acesso ao crédito fácil para consumo, tudo que era sólido se desmanchou no ar. Longe de sermos a Suíça tupiniquim, somos parte de uma nação subdesenvolvida e dependente, nos aproximando muito mais da realidade de estados como Rio de Janeiro, Alagoas e Rio Grande do Sul do que dos países europeus.

  O rentismo e a concentração de riqueza, dois fenômenos tipicamente brasileiros, decretam o fim do ciclo que se iniciou em 2002. De uma governabilidade baseada na ideologia da conciliação e paz social restou apenas o profundo descontentamento e a radicalidade da guerra de classes. Chega ao fim a longa aliança entre todos os partidos da ordem, desde o MDB de LHS e Mariani, o PSD de Colombo e Merísio e o PT de Lula, Dilma e Décio Lima.

 

O rentismo em Santa Catarina: bases do consórcio no poder

   O rentismo, ao mesmo tempo que estruturou durante anos a ampla aliança das elites políticas e econômicas, produziu a atual situação insustentável para o país. O estado de  Santa Catarina está tão imerso na crise econômica quanto os outros estados da federação e terá sérias dificuldades no futuro para sustentar suas finanças. Desta forma, compreender o funcionamento do sistema da dívida e a farra das desonerações fiscais é peça chave para a constituição de um projeto de ruptura para nosso estado.

   Atualmente cerca de 83% da dívida pública catarinense é com o governo federal  –  48,65% com a União, 17,87% com o BNDES e 16,26% com o Banco do Brasil. Esta dívida se originou majoritariamente de recorrentes operações de crédito tomadas pelo antigo Banco do Estado de Santa Catarina (BESC) entre o final da década de 70 e os anos 90. Os contratos tinham como objetivo a construção de moradias, obras de saneamento básico, construção de postos de saúde e aquisição de equipamentos, pavimentação e drenagem de estradas e sistemas viários. Além disso, as operações também compreendiam a capitalização do BRDE e do Badesc.

  Dessa dívida histórica acumulada pelo Estado de Santa Catarina, a União absorveu e renegociou os débitos em três oportunidades: uma delas em 1989, outra em 1993 e, a mais emblemática delas, em março de 1998, já na esteira do Plano Real e dos programas de reformas do Estado que o acompanharam. Esse contrato foi firmado com juros de 6% ao ano e correção pelo Índice Geral de Preços–Disponibilidade Interna – IGP-DI.

  Nessa renegociação, os Estados que fizessem um esforço inicial para amortização de suas dívidas originais em 20% teriam direito a pagar a taxa de juros de 6% ao ano para pagamento de seus contratos, enquanto aqueles que não o fizessem teriam taxas de juros de 7,5%. Santa Catarina conseguiu atender à meta de amortização, razão pela qual seu endividamento – a priori – pressionou menos as contas públicas do que outras unidades da federação. Quando da renegociação de 1998, a dívida do Estado de Santa Catarina com a União era de aproximadamente R$ 5,8 bilhões e o prazo de pagamento estava estipulado em 360 meses.

   Pouco tempo depois desta renegociação foi aprovada a Lei nº 101/2000, a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”. A partir dela os gastos com a folha de pagamento nos estados não podem ultrapassar 60% da receita. Além disso, a dívida dos entes públicos não pode ultrapassar 200% de sua receita corrente líquida. Este limite de gastos, no entanto, se restringe exclusivamente aos gastos de natureza primária (saúde, educação, segurança, transporte, assistência social, cultura, esporte etc). Excluem-se desse limite as despesas com pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública.

   Como resultado da renegociação de 1998, e sobretudo da LRF, o Estado passou a adotar algumas contrapartidas junto à União. Entre elas estão a redução dos gastos com pessoal e a limitação das despesas com investimentos. Em cada documento de acompanhamento da Dívida de Santa Catarina divulgado a partir de 2011 estão descritos os cumprimentos destas metas.

   Desde então todos os governantes que passaram pela Casa d’Agronômica trabalharam firmemente no propósito de fazer cumprir a LRF e honrar os compromissos com as dívidas perante a União. Se no início o PT se mostrou contra o Plano Real e suas implicações, todo o pacto costurado nas eleições de 2002 que aliançava PMDB e PT no segundo turno estadual teve como pano de fundo a guinada operada pelo partido de Lula, tendo como momento paradigmático a famosa Carta aos Brasileiros. Ao não haver mais diferenças estruturais entre campos que historicamente tinham se oposto, qualquer aliança se tornava possível, consolidando diante do povo o cumulativo e profundo desencanto com a política institucional.

   Passada uma década de vigência da LRF e de funcionamento ininterrupto do sistema da dívida, o recém-eleito governador Raimundo Colombo percebe a deterioração das contas públicas de Santa Catarina e começa a se ver obrigado a questionar o acordo de 1998. Era o início do esfacelamento do consórcio no poder. O pleito é pela redução da taxa de juros com índice de correção que seja mais benéfico para os Estados.

   Como o tema seguia em negociação na esfera federal e Santa Catarina já via sua condição financeira se deteriorar, o governo estadual buscou alternativa que possibilitasse a mitigação do endividamento com a União. Em dezembro de 2012, o Estado de Santa Catarina fez um empréstimo com o Bank of America Merrill Lynch (com garantia da União), no valor de U$S 726,4 milhões. O empréstimo foi tomado com prazo total de pagamento em 10 anos, com pagamentos semestrais e taxas de juros de 4% ao ano mais variação cambial.

   O discurso oficial era de folga no orçamento e contratação de crédito para a realização de investimentos e expansão da economia catarinense. Na prática, os recursos convertidos em reais totalizaram R$ 1,47 bilhão. Deste montante, R$ 1,38 bilhão foram destinados para a quitação de Resíduo (saldo em 30/11/2012), R$ 19,6 milhões para o pagamento de juros e correção do Resíduo referente ao mês de dezembro (até o dia 27/12/2012), e os R$ 77,5 milhões restantes serviram para amortização extraordinária do principal. Significa dizer que do total tomado emprestado, 93% se destinou a rolar a dívida pública. Por isso mesmo, os investimentos na qualidade de proporção à receita em SC caíram de 13 para 9% de 2014 a 2016.

   Santa Catarina possuía em 1999 uma dívida contratada de pouco mais de R$ 5,4 bilhões. Só entre 2010 e 2013, o superávit primário nas contas do estado foi de R$ 3,8 bilhões. O total de pagamentos em juros e amortizações entre 1999 e 2017 foi de R$ 13,4 bilhões aos seus credores – sobretudo à União. Ainda assim, a dívida líquida catarinense está em pouco mais de R$ 9,4 bilhões. A partir disso pode-se perceber que a despeito do enorme esforço fiscal, tal como a dívida da União, a dívida de SC só se multiplicou.

   A partir da crise houve significativa queda na atividade econômica do país. São mais de 8 pontos percentuais de queda no PIB acumulados entre os anos de 2015 e 2016. Como a principal fonte de receita dos Estados está ligada ao ICMS, e este é função direta do desempenho de produção e venda de bens e serviços, Santa Catarina sofreu fortemente o impacto da crise econômica.

   Em 01/06/2016 numa reunião entre 19 Secretários de Estados de Fazenda e representantes do Ministério da Fazenda e Secretaria do Tesouro Nacional, foi firmado o acordo que veio a se configurar no PLP 257/2016, que estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal. A partir dele, as dívidas ficariam renegociadas em IPCA mais 4% ao ano, aplicados na Tabela Price e sem direito a geração de crédito perante à União, com carência de 24 meses e alongamento do prazo em 20 anos.

   Também fez parte da renegociação a adoção da Desvinculação das Receitas dos Estados e Municípios, a DREM. Nos mesmos moldes da Desvinculação das Receitas da União, elevada de 20 para 30% em 2016, a DREM permite a desvinculação de 30% das receitas de Estados e Municípios até 2023.

   A contrapartida imposta pela União a ser adotada pelos Estados a partir da renegociação deve ser: a) não conceder vantagem, aumento, reajustes ou adequação de remunerações a qualquer título, ressalvadas as decorrentes de atos derivados de sentença judicial e a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal; b) Limitar o crescimento das despesas correntes primárias à inflação do ano anterior, medida pelo IPCA; c) definir mais claramente o que deve ou não compor os gastos com pessoal (inativos, pensionistas, terceirizados, IRRF); d) estabelecer regras de controle de gastos para os demais poderes, para evitar que a responsabilidade pelo ajuste fiscal fique centrada no Poder Executivo. Além destes termos, também foram negociadas concessões de descontos de 100% no pagamento das dívidas dos estados com a União para o período compreendido de julho a dezembro de 2016, bem como a concessão de desconto linear regressivo ao longo dos meses de janeiro de 2017 a junho de 2018.

   Os dados apresentam uma situação alarmante para o Estado: depois de partir de uma dívida de pouco mais de R$ 5 bilhões em 1998, pagar 2,5 o valor desta dívida em termos absolutos e dever em 2017 praticamente o dobro do montante inicial, é possível que, daqui a 30 anos, Santa Catarina pague R$ 57 bilhões por uma dívida cujo montante renegociado em 2016 era de R$ 9 bilhões.

   É importante salientar que o Estado de Santa Catarina, apesar de querer negar, é parte integrante do sistema da dívida ancorado no rentismo. Desde os anos 70, durante o tempo dos governadores biônicos, Santa Catarina se endividou fortemente. Foram dívidas  contraídas sobretudo com organismos multilaterais, como o BIRD, tendo como avalista a União. Em 1997, em meio à crise do Plano Real e o iminente colapso das contas públicas dos Estados, Santa Catarina acertou os termos de sua renegociação da dívida com a União. Nos termos da renegociação, o governo do Estado aceitou adotar uma política de forte austeridade fiscal e privatizações, consagrado sobretudo na venda do Banco do Estado de Santa Catarina, que acabou sendo incorporado pelo Banco do Brasil.

   O novo acordo estipulado em 2016 representa uma verdadeira bomba-relógio prestes a explodir na próxima administração. A renegociação que suspendeu até meados de 2018 os pagamentos ao Governo Federal e garantiu mínimo alívio orçamentário, terá que lidar com a multiplicação de uma dívida absolutamente insustentável após o término do prazo de carência. Qualquer que seja o governo eleito, duas saídas estão na mesa: lutar contra o rentismo ou ampliar a austeridade sobre a vida do povo.

  Isso demonstra o tamanho da agiotagem que a União, seja em governos tucanos ou petistas, realiza com os estados. Tudo para sustentar a transferência de praticamente 51% do orçamento público federal para os capitalistas detentores dos títulos da dívida pública. Arrocha-se a vida nos estados para manter em expansão o lucro e o padrão de vida da classe dominante, sendo ela composta por banqueiros, grandes industriais, grandes comerciantes, latifundiários e todos os setores monopolistas nacionais e internacionais que parasitam a economia brasileira.

   Mesmo com tal situação calamitosa, o consórcio no poder em Santa Catarina demonstrou que não adota qualquer parcimônia em atender aos interesses da elite econômica regional. Como já visto anteriormente, somente em 2017, o Estado concedeu em torno de R$ 5 bilhões em isenções fiscais aos capitalistas que operam no nosso território, o equivalente a um quinto de sua receita potencial.

   Como se não bastasse a farra com os recursos do povo, na página da Secretaria de Estado da Fazenda, os documentos de contratação da dívida do governo do Estado de Santa Catarina não estão disponibilizados, impedindo o acesso às informações, que é um direito dos catarinenses. Sendo assim, é fundamental o clamor popular por uma auditoria da dívida pública da União, dos Estados e dos Municípios. A Lei nº 101 de 2.000, bem como todos os mecanismos jurídicos dela derivados precisam ser revogados, para que as obscuras operações financeiras sejam esclarecidas e possa se colocar o orçamento público devidamente a serviço da maioria da população, não a serviço do rentismo.

   Além disso, é urgente revogar as isenções fiscais para grandes empresários, sendo que está comprovado que são incapazes de gerar qualquer desenvolvimento regional e empregos, servindo apenas para estrangular as contas e imprimir a austeridade permanente sobre o povo catarinense.

 

Austeridade sobre o povo como contrapartida do rentismo

   A austeridade contra o povo para fazer frente à farra do rentismo passou a ser a regra desde os anos 90. Podemos assim perceber a degradação persistente e sistemática dos serviços públicos brasileiros e catarinenses, principalmente aqueles direcionados à população mais pobre. Além disso, as privatizações passaram a ser a tônica de todo o período desde o Plano Real, sejam elas através da venda direta de propriedade pública, ou indireta, através da terceirização e dos novos modelos de concessão da gestão do Estado para entidades privadas, com as Organizações Sociais (OS), as Organizações Sociais de Interesses Público (OSCIP) e as Organizações da Sociedade Civil (OSC).

   Com a chegada da crise do modelo, aumentou drasticamente a voracidade do rentismo contra os serviços públicos do estado. Assim, é preciso uma avaliação de como o consórcio no poder em Santa Catarina operou historicamente a destruição do serviço público e qual seu projeto atual de ampliar o desmonte. Elencamos aqui algumas áreas centrais para essa avaliação: educação, saúde, segurança, ciência e tecnologia, empresas públicas e novas formas jurídicas de terceirização, que constituem a reforma do Estado em curso.

 

Educação

   Os habitantes de Santa Catarina que dependem da educação pública que é vinculada ao governo catarinense vão se enxergar nos dados que serão aqui apresentados. São pelo menos duas gerações inteiras, de pais e filhos, que passaram pelos bancos escolares nos últimos 20 anos e que foram e estão sendo prejudicados em sua educação por falta de recursos constitucionais que deveriam – mas não foram – repassados à educação.

   Entre 1998 e 2008 há registros de que o governo estadual deixou de aplicar mais de R$ 2,1 bilhões em educação. Foram cerca de R$ 200 milhões por ano neste período.

   Já no período 2010-2016, durante o governo Colombo, a prática se perpetuou: não foram repassados à educação quase R$ 5 bilhões. Apenas em 2015, deixou de se repassar R$ 272 milhões e em 2016, foram mais de R$ 362 milhões não investidos.

   Ninguém do governo é responsabilizado.

  A vida segue se repetindo há anos e a hipocrisia de governantes, gestores, políticos e grandes empresários ditos “preocupados e envolvidos em melhorar a educação em SC” corre solta. Santa Catarina está sendo a ponta de lança do processo de privatização da educação básica, que vem por meio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da reforma do Ensino Médio. Eduardo Deschamps, que era o secretário da educação na época do governo Colombo, é o presidente do Conselho Nacional da Educação e instituições privadas como o Instituto Natura,  o Instituto Ayrton Senna e a FIESC são as mais citadas quando se trata do assunto, pois são eles que estão “gestando” o novo Ensino Médio. Esse projeto tem dimensão nacional e foi todo pensado e articulado por um núcleo forte de empresas multinacionais e instituições financeiras, mostrando a forma como o rentismo continua dando as cartas, mesmo quando apresenta enormes fragilidades.

   Os problemas da educação pública são bem conhecidos, porém vêm piorando cada vez mais: falta de infraestrutura, de investimentos para qualificação, formação e aperfeiçoamento dos professores (os quais têm que se virar com o que sabem), achatamento dos  salários e carreira, e a falta de concurso público para professores efetivos.

 

Redução da oferta do ensino público

   Santa Catarina é o “Brasil que fecha escolas e abre presídios”. Segundo informação publicada pelo IPEA, o Brasil reduziu quase 20% o número de escolas públicas e aumentou 253% o número de presídios entre 1994 e 2009. Eram cerca de 200 mil escolas em 1994 e passaram a ser cerca de 161 mil em 2009. Os presídios passaram de 511 para 1.806.

   Apenas no governo Colombo o Estado fechou 69 escolas. Caso emblemático foi o fechamento em 2011 do tradicional colégio público Aristiliano Ramos, em Lages, terra do ex-governador, para dar lugar a um presídio. Foi a segunda escola a ser fechada na gestão Colombo. A primeira foi a escola Celso Ramos em Florianópolis, localizada no Morro do Mocotó, uma comunidade tradicional da ilha. O prédio seria doado para a Assembleia Legislativa, porém acabou se transformando em creche porque a comunidade empreendeu uma luta gigantesca para isso. Depois, a gestão Colombo-Pinho Moreira atacou em Florianópolis a não menos tradicional comunidade da Coloninha, na área continental, fechando a história da escola Otília Cruz com o projeto de construir ali uma cadeia.

   Recentemente, em novembro de 2017, alegando “falta de alunos” e “questões demográficas”, em uma só tacada foram fechadas quase 20 escolas estaduais. Muitas dessas escolas estavam em Joinville, a terceira cidade mais populosa da região sul, maior colégio eleitoral e uma das maiores em termos econômicos. Nessa leva, outra escola também foi fechada: ela completaria 50 anos em 2018 e ficava no tradicional bairro Mont Serrat, em Florianópolis. Tinha 200 alunos.

   Desde 2007 o governo do estado vem fechando escolas na capital. A Escola de Eduacação Básica Antonieta de Barros atendia mais de 252 estudantes no centro da cidade e encerrou suas atividades em 2008. Alegaram problemas estruturais no prédio, que não foi reformado até hoje e funciona informalmente como um almoxarifado da Secretaria de Educação. Depois foi a Silveira de Souza, fundada em 1913, a segunda escola pública mais antiga do estado de Santa Catarina, que funcionava num prédio belíssimo no centro. Ela foi municipalizada em 2009 sob a alegação de que tinha poucos estudantes (224) e entregue à prefeitura que fez parceria com a iniciativa privada e transformou o lugar em espaço cultural.

   Como se pode falar em “falta de alunos” escondendo o problema da evasão escolar, que é gravíssimo no estado? Como se pode falar em fechamento de escolas públicas num estado cuja população cresce cerca de 1,6% ao ano, com 8 de cada 10 catarinenses vivendo em áreas urbanas? Com o fechamento de escolas estaduais de ensino médio, o número que já era grande de “jovens em idade escolar, mas fora das escolas” vai aumentar. Com isso, os filhos de quem depende do ensino público terão maiores chances de cair na marginalidade, nos subempregos ou nos empregos com baixos salários e superexplorados.

   Além disso, daqui a alguns anos, onde vão estudar as crianças que estão no ensino municipal? O governo catarinense também tem relegado aos municípios a gestão do ensino fundamental, e estes têm interesse por causa do FUNDEB. Ou seja, na prática, o estado está se desresponsabilizando pelo magistério, privatizando o ensino médio e municipalizando o ensino fundamental.

   Dados do governo federal mostram que em Santa Catarina existem cerca de 64 mil crianças e jovens fora da escola (dado de 2017). Especificamente nos anos que antecedem a entrada na universidade, o estado tem desafios históricos a serem superados: taxas de conclusão na idade ideal (que hoje é 19 anos), aprovação, reprovação e evasão escolar. Essas médias locais são piores do que as médias nacionais nas últimas três avaliações realizadas.

 

Os salários dos professores em SC e a “qualidade e qualificação” do ensino público

   No Brasil os entes federativos têm autonomia para definir os planos de carreira dos professores. Em 2015 foi realizado um levantamento em âmbito nacional, junto aos governos estaduais e sindicatos, que considerou apenas o salário inicial dos professores, excluindo gratificações e subsídios, justamente para facilitar a comparação.

  Professores com diploma de licenciatura em início de carreira, com carga horária de 40 horas semanais de trabalho, têm um salário-base médio de R$ 2.711,48. Isso já mostra a desvalorização da profissão em nível nacional, pois significa que recebem 57% do salário médio dos trabalhadores brasileiros com formação equivalente (que é de R$ 4.721,61). Por isso mesmo, o Brasil é o país onde os professores têm um dos piores salários do mundo, perdendo apenas para a Indonésia (dados da OCDE, 2014).

   Mesmo tendo o 6º maior PIB do país, Santa Catarina fecha escolas e a situação salarial dos professores é a pior de todos os estados brasileiros. Segundo o mesmo levantamento feito em 2015, o professor da rede estadual catarinense não só recebe abaixo da média nacional, de R$ 2.711,48, como é o que menos recebe no Brasil: são R$ 1.917,78 iniciais.

   O que se pode dizer é que em Santa Catarina o magistério está desvalorizado porque os aumentos do piso não foram aplicados sobre toda a carreira dos professores efetivos. Com relação aos professores temporários, seus salários são menores e sua condição profissional e salarial altamente precarizada. Quem tiver a sorte de lecionar como temporário por 40 horas numa única escola, receberá menos do que um professor concursado que possui uma carreira de formação e aperfeiçoamento. No entanto é comum ouvirmos histórias de professores temporários que lecionam em várias escolas para “fechar janelas” e de professores que são contratados para ministrar tão poucas aulas, que o próprio trabalho acaba se tornando mais um “bico”. São os “contratos horistas” e não mais contratos de 20 ou 40 horas.

   Devido à política de não implantação de concurso público, o número de professores temporários é imenso, estimado em cerca de 20 mil. Porém, dados do Dieese indicam que os temporários já representam quase metade da categoria dos professores no estado. Além disso, estima-se que em Santa Catarina cerca de 40% dos professores atuam em pelo menos uma área para a qual não têm qualificação formal e adequada. Também não existe uma política de formação continuada aos professores efetivos, o que seria fundamental para melhorar a qualificação e a relação ensino-aprendizagem, por exemplo.

 

A não aplicação de recursos para a educação

   Resultados de pesquisa sobre os relatórios do Tribunal de Contas do Estado de SC publicados em 2011 mostram as ilegalidades dos descumprimentos e, de certo modo, a conivência dada pelo tratamento tecnicista do Tribunal no intuito de favorecer os governos.

   Os relatórios registraram claramente a ilegalidade e inconstitucionalidade do governo estadual em subtrair impostos da educação e saúde através de mecanismos de desvinculação tributária, como o SEITEC e o Fundo Social. Registraram também o descumprimento de várias exigências constitucionais e legais, que surrupiam os recursos da educação pública e os destinam para o bolso dos grandes empresários instalados em Santa Catarina.

  Entretanto os relatórios do TCE ocultam aspectos fundamentais, como a provável confusão entre gastos na função orçamentária Educação (definida pela Lei nº 4.320) e em manutenção e desenvolvimento do ensino – MDE (definida pelos artigos 70 e 71 da Lei de Diretrizes e Bases), a aceitação da contabilização das despesas educacionais por órgãos diferentes, contrariando o que estabelece a LDB, a oscilação nos critérios de despesas, ora empenhadas, ora liquidadas, ora pagas, e a falta de uma posição firme sobre a inclusão dos inativos no cálculo das despesas legais em MDE, adotando dois cálculos (com e sem inativos), mas na prática contabilizando os inativos no cálculo do percentual mínimo.

  A maior prova do comprometimento  do TCE com as elites que estão nas estruturas de governo catarinense, no entanto, é o fato de ele não emitir parecer prévio contrário à aprovação das contas estaduais, apesar de ter constatado que o governo estadual não aplicou o percentual mínimo (25%) dos impostos em educação, nem os 15% dos impostos no ensino fundamental, nem a receita do Fundef. Limitou-se a fazer ressalvas e recomendações, quase sempre descumpridas pelo governo estadual.

 

Saúde

   Tal qual a educação, a saúde pública também vem passando por mudanças profundas no sentido da precarização. Por meio do não cumprimento dos percentuais mínimos que deveriam ser destinados pelo governo do estado à área, faltam médicos, leitos, insumos e equipamentos. Isso não é de agora, mas de muito tempo. Sucessivos governos falam no “inchaço da máquina”, que se gasta muito dinheiro com pessoal. Mas como tem sido investido esse recurso, que é fundamental para levar adiante os serviços públicos?

   Dados levantados pelo Dieese mostram como entre 2006 e 2017 foram feitos os gastos com pessoal e encargos em termos reais, isto é, acima do crescimento da inflação. Se considerarmos as variações positivas, o investimento com pessoal na saúde aparece em sexto lugar (+17%), praticamente tendo a mesma importância do crescimento dos gastos com pessoal do gabinete do vice-governador (+16%). Em primeiro lugar, aparecem os gastos com pessoal no Gabinete do Governador (+80%), seguido da Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável (+54%), Secretaria de Administração (+41%), Secretaria de Planejamento (+35%), Secretaria de Segurança Pública (+21%). A educação, que faz par com a saúde na boca de prioridades dos governantes, apresentou gasto negativo no período.

   A postergação dos investimentos em pessoal para a área da saúde, além da redução em termos reais de -37% nos investimentos na área entre 2006 e 2011, só podia levar ao sucateamento e à fabulosa “solução” encontrada diante do atual caos instalado na saúde: implementar em 2012 um modelo de gestão dos serviços públicos de saúde em parceria com Organizações Sociais (OS).

   As OS são instituições de direito privado e de acordo com a legislação somente há transferência da gestão, ficando o custeio dos serviços prestados à população — que permanecem gratuitos aos usuários — vinculados aos repasses realizados pelo Poder Público. A seleção se dá por concurso de projetos e a contratação de pessoal não se dá mais via concursos públicos, o que garantiria a estabilidade, qualificação e comprometimento dos profissionais. Como a seleção de OS se dá via projetos, não há limite para o valor dos contratos e também não há investimento privado em infraestrutura e equipamentos. Como exemplo, os gastos em serviços de saúde que eram de R$ 36 milhões em 2011 – quando era por gestão pública – passaram a R$ 112 milhões em 2014, um aumento de 211% em apenas 3 anos.

   O formato é a maneira mais prática de privatizar a saúde catarinense de forma indireta, seguindo o modelo gestado nacionalmente pelos governos petistas, tendo como caso paradigmático a entrega da gestão do Hospital Universitário da UFSC para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

   A Secretaria de Saúde defende que as unidades administradas por organizações sociais elevam a qualidade dos serviços, ao afirmar que o modelo garante agilidade na tomada de decisão, inverso do que ocorre na gestão pública que enfrenta processos burocráticos e demorados para contratar produtos e serviços.

  Porém, o que se vê na prática é que isso apenas agravou a situação do atendimento à população. Além disso, afirmar que a gestão pública enfrenta processos burocráticos é um sofisma. O que está em questão é acabar com a fiscalização do gasto público, já que a gestão das OS é feita por comissões onde representantes do governo e das OS são maioria e podem aprovar o que bem entenderem. Ou seja, as OS são formas descaradas de entregar setores com alto orçamento do estado para setores privados, precarizar o atendimento à população, rebaixar salários ao evitar a realização de concursos públicos e, por fim, acomodar interesses de cargos políticos sem submeter a qualquer fiscalização.

   Não estamos diante da falta de planejamento e de problemas de gestão, mas de uma política deliberada de sucateamento da saúde pública em prol de gestões particulares, onde o valor dos contratos só aumenta, mas os serviços vão de mal a pior.

 

Segurança

   O Brasil é um dos países que mais mata no mundo. Entre 2001 e 2016 foram quase 850 mil homicídios no país. Vivemos uma guerra contra a juventude pobre e negra, já que são as principais vítimas da violência. Tanto é assim que aqui se mata mais do que a guerra da Síria (330 mil mortos) e a do Iraque (268 mil mortos) somadas.

   O terror só cresce. Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM-MS), em 2016 foram mortos 62.517 brasileiros (último dado disponível), ampliando a média histórica que ficava entre 50 e 58 mil mortes entre 2008 e 2013. Ao que tudo indica a situação não arrefeceu nos dois anos seguintes. Pelo contrário, a violência se amplia de forma extremamente acelerada.

   Santa Catarina não foge desse cenário nacional. Vimos um crescimento de 27,4% na taxa de homicídios por 100 mil habitantes entre 2006 e 2016, muito acima da média nacional de 14% de expansão. Se em 2006, a taxa era de 11,2, saltou para 14,2 em 2016, o que correspondeu a quase 1.000 homicídios por ano.

   Os dados das mortes ocasionadas por conta da violência policial também impressionam. Os números são subestimados, como afirma o Atlas da Violência de 2018: “os dados registrados na categoria intervenções legais e operações de guerra do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) permanecem com subnotificação significativa quando comparados aos dados policiais. Essa diferença não chega a surpreender, já que no momento de produção do registro de óbito, o legista do Instituto Médico Legal (IML), ou o perito designado, possivelmente não conta com informações suficientes para indicar a autoria do homicídio, sendo estes casos muitas vezes classificados como morte por agressão. […]. Nesse sentido, a análise dos dados de mortes decorrentes de intervenções policiais apenas a partir dos registros do SIM pode levar a grandes equívocos ou distorções, já que a diferença entre as duas fontes supera 67,5%.”

   Em Santa Catarina, no ano de 2016, enquanto o SIM registrava 20 mortes por violência policial, os dados da própria Secretaria Estadual de Segurança Pública registravam 60 mortes. O pior disso tudo é registrar que o discurso oficial da Secretaria, vocalizado pelos Secretários que ali passaram, é de que o número de assassinatos por violência policial é tratado como “conquista”, indicador de “sucesso” da abordagem policial, demonstrando a total irresponsabilidade com que o assunto vem sendo historicamente tratado em Santa Catarina.

   Segundo o SIM, o número de mortes por policiais cresceu 100% entre 2006 e 2016, sendo que a sensação de insegurança apenas se ampliou. Ou seja, polícia que mata não promove tranquilidade e bem-estar, mas sim denota o fracasso completo da política de segurança no estado e no país.

   Na continuidade do modelo rentista de desenvolvimento capitalista brasileiro e catarinense, enquanto são destruídas as condições de emprego da juventude, também é desarticulada qualquer capacidade do Estado atender às demandas destes jovens. Crescendo em meio à total ausência de perspectivas e bombardeados por uma indústria cultural que atribui ao consumismo os valores de “sucesso social”, o crime organizado aparece como saída para uma parte desta juventude. Ali, matam e morrem muito cedo na guerra com a polícia e com grupos criminosos rivais, levando consigo inúmeros civis sem qualquer relação com as atividades ilegais.

   O Estado, ao invés de conter danos, simplesmente amplia a violência através de uma política de genocídio contra o povo baseada na doutrina da guerra às drogas. Criada nos EUA ainda nos anos 80 para poder intervir militarmente em países latino-americanos, a adoção deste modelo é a forma como o Estado brasileiro vem lidando com o tema das drogas, criminalizando e matando os jovens, pobres e negros que atuam nas duas pontas, sejam eles policiais ou civis. Os dados da violência generalizada da sociedade brasileira e catarinense não nos deixam mentir: explodiu nas últimas décadas a violência contra civis e policiais e cresceu assustadoramente a população carcerária, muitos sem qualquer tipo de julgamento.

   Do lado dos civis, entre os jovens de 15 a 29 anos, o crescimento da taxa de assassinatos entre 2006 e 2011 foi de alarmantes 39% em Santa Catarina, atingindo a marca de 475 mortes em 2016. Esses jovens são majoritariamente negros. Isso fica claro quando comparamos a taxa de homicídio a cada 100 mil habitantes, que é de 22,4 entre os negros contra 12,6 entre os brancos.

   Também as mulheres sofrem com a violência. Apesar da taxa de homicídios ser menor que entre os homens (3,1 homicídios anuais em 2016 para cada 100 mil mulheres, com crescimento de 3,5% em relação a 2006), foram assassinadas 107 mulheres em 2016 no estado.

   Por outro lado destaca-se o crescimento dos crimes de estupro contra as mulheres. Os indicadores certamente são subnotificados, tendo em vista o fato de que o estupro precisa ser denunciado nos órgãos oficiais para se constituir enquanto estatística de Estado. Isso explica a disparidade das informações entre o Sinan (Sistema de Informações de Agravos de Notificações) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), já que para no primeiro o número de estupros em Santa Catarina foi de 300 e no segundo, 3.084 casos. Mesmo assim, segundo o próprio Sinan, 63% dos municípios catarinenses registraram casos de estupro, o que mostra a generalidade deste problema.

   O mais grave de tudo isso é que, segundo a média nacional, 50% destes estupros ocorrem contra crianças de até 13 anos e 17% contra adolescentes entre 14 e 17 anos. Destes, quase 60% são praticados por familiares ou amigos da família, ou seja, majoritariamente dentro das próprias casas.

   Do lado dos policiais, o genocídio do povo pobre também está em curso. A polícia brasileira é a que mais mata, mas também a que mais morre no mundo. Morrem enquanto desempenham suas funções, por conta da defasagem nas suas condições de trabalho oferecidas pelo Estado (baixa qualificação, pouco investimento na área de inteligência, equipamentos precários, etc.), mas morrem, principalmente, ao realizarem algum tipo de atividade informal de segurança privada, três vezes mais do que em serviço, ou seja, fazendo o famoso “bico”. Significa que a polícia brasileira morre mais quando está no segundo trabalho, que usa para complementar a renda em função de seus péssimos salários. É necessário política salarial, proibição de qualquer atividade complementar e treinamento intensivo. Em poucas palavras, valorização da carreira dos policiais.

   Além disso, é necessário assegurar aos policiais o direito de se sindicalizarem e vincular a polícia militar (força ostensiva de segurança interna) diretamente ao governador, já que hoje estão submetidos também ao Exército. Com isso, é preciso um projeto de redução da cultura militarista que cresce dentro das corporações, altamente vinculada ao transbordamento dos lobbys da indústria bélica para as polícias, que estão baseados no aumento da letalidade e não da inteligência. Inclusive utilizando da inteligência para combater a corrupção dentro das próprias polícias, que acabam por se transfigurar na expansão das milícias, do narcotráfico e do comércio ilegal de armamento, muitas vezes desviados das forças oficiais.

   Além do assassinato da juventude pobre e negra, cresceu enormemente a política de encarceramento desta população. Como se estivéssemos diante de um novo navio negreiro, os presídios viraram espaços de violação de qualquer dignidade humana, configurando espaços prioritários de recrutamento de novos membros das facções criminosas.  Santa Catarina não escapa desta realidade e segundo o Ministério da Justiça, em 2016 o estado contava com 21.462 detentos para 13.870 vagas no sistema prisional.

   Em termos comparativos o dado é alarmante. Em 2006 tínhamos apenas 9.631 presos, ou seja, uma expansão de 122% no encarceramento. Por esse motivo, das 50 unidades prisionais, 44 apresentam algum tipo de interdição decretada pela Justiça.

   Não por acaso este cenário se encontra tal como está. O orçamento da segurança pública em Santa Catarina (que envolve o policiamento, a defesa civil, a inteligência e todas as demais funções) está congelado na comparação entre 2004 e 2017. Em termos reais, descontada a inflação do período, não houve incremento no investimento na segurança pública. O valor em 2017 foi de R$ 2,2 bilhões, menos da metade do que é gasto em subsídios fiscais para grandes empresários. O pior, deste valor, apenas R$ 5,5 milhões é investido em informação e inteligência, ou seja, apenas 0,25% dos gastos são com a prevenção e investigação, em uma dinâmica explosiva que se fez notar mais claramente nos últimos anos.

 

Empresas públicas

   As empresas públicas catarinenses nasceram num contexto de formação e expansão do capital nacional. Sua missão esteve historicamente voltada para consolidação da infraestrutura necessária para o desenvolvimento do setor industrial do Estado e o fortalecimento e modernização do setor agrícola.

   Entretanto, à parte essa característica desenvolvimentista, o papel da empresa pública em uma sociedade voltada aos interesses coletivos deve ser o de garantir o acesso de toda a população aos serviços essenciais como distribuição de água, energia e saneamento, com tarifas condizentes com as condições desta população.

   A exploração dos recursos básicos e necessários à dignidade mínima de um povo não pode ser tratada como mercadoria, na qual a opção pelo lucro seja o balizador das decisões de investimentos e da formação dos preços das tarifas. Também não pode servir como cabide político para partidos pertencentes a uma elite predatória que se apropriou das empresas públicas do estado, expropriou os recursos financeiros das mesmas e agora as coloca a venda, como se essa fosse uma solução eficiente e modernizante.

   Infelizmente, esse é o quadro atual das empresas públicas do Estado de Santa Catarina. A crise da economia rentista brasileira e a estagnação produtiva resultante alimentaram este quadro de redução de investimentos e limitação orçamentária. Hoje, a venda do patrimônio das estatais é visto pelos políticos tradicionais como a solução inevitável para restituir o ameaçado funcionamento do sistema da dívida.

   Este movimento pode ser observado nas recentes políticas implementadas pelo atual governo, cujo objetivo principal tem sido o de definir novas regras de gestão nas principais empresas de administração indireta do estado. A adequação aos preceitos do Decreto nº 1.484, de 07 de Fevereiro de 2018 em consonância com Lei 13.303 (Nova Lei das Estatais) é o primeiro passo de um amplo processo de privatização que em breve deve começar.

   Estas medidas nada mais são que mecanismos institucionais para que os projetos privatistas sejam viabilizados, uma vez que as ações propostas se orientam pela redução de quadro de pessoal, atendimento aos interesses dos parâmetros de informações do mercado de capitais, como políticas de distribuição de dividendos, e a elaboração de relatórios de gestão, códigos de conduta e disciplina financeira, etc. É importante destacar a lógica deste processo, pois conceitos de governança corporativa, modernização e desburocratização, que a princípio podem até parecer positivos aos olhos da população, são mera ideologia preparatória para a apropriação de riqueza social pelos grandes empresários rentistas.

   A realidade atual, que associa a gestão das empresas do Estado aos ditames do mercado financeiro, aliena a população do processo de definição dos rumos estratégicos das estatais. As decisões sobre as atividades destas empresas passam a ter como orientador os lucros que serão obtidos a partir da racionalização da gestão e dos investimentos, num contexto de ampliação da exploração sobre a força de trabalho, redução de projetos essenciais, porém não lucrativos, e a consequente perda de qualidade na oferta de serviços à população.

  Uma vez estabelecida a falácia da ideia de governança corporativa nas empresas públicas, verifica-se os exemplos práticos dos reais interesses que estão pautados nestas políticas.

   No setor elétrico, em dezembro de 2017 a multinacional EDP, da qual o capital chinês é o maior acionista, adquiriu ações preferenciais da CELESC, na perspectiva de uma privatização iminente e da possibilidade de adquirir o controle acionário da empresa. Da mesma forma, seguindo uma tendência do mercado financeiro internacional, fundos de pensão são proprietários de ações e pressionam pela adoção de medidas privatizantes. Consequentemente, esse mesmo cenário ameaça a SC Gás, da qual a CELESC é a acionista majoritária e que permanece sob o assédio do setor privado.

   No setor de abastecimento de água e saneamento, a MP 844/2018 que impõe a necessidade de chamada pública para demonstração de interesse do setor privado na prestação de serviços, limita o raio de ação das políticas públicas de saneamento, e sob a lógica orientada para obtenção de lucros, faz com que os projetos de saneamento se concentrem em locais com condições que apresentem viabilidade econômica, ou seja, por volta de 90% dos municípios brasileiros não seriam contemplados.

   Nesse contexto, agravam-se as condições já precárias de saneamento básico no estado de Santa Catarina. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 24,77% do estado possui coleta de esgoto, situando Santa Catarina entre os piores do país. Além disso a CASAN, que deveria ser o agente de mudança neste cenário, passa por um processo de reestruturação a partir de um abrangente plano de demissão voluntária e sua privatização não está descartada pela classe dominante do estado.

   E o setor de desenvolvimento agrícola não apresenta um quadro mais positivo. A crise financeira do estado condiciona políticas de redução de custos e redução de projetos. Assim, o papel fundamental de potencializar a produção agrícola, indo desde o combate de pragas até a pesquisa em ganhos de produtividade, fica seriamente comprometido. Os últimos planos de demissão na CIDASC e EPAGRI reduziram sensivelmente o número de engenheiros e a perspectiva de novos concursos esta descartada.

   Considerando o cenário descrito das empresas públicas de Santa Catarina, verifica-se a necessidade de uma proposta política que seja capaz de mudar essa estrutura orientada para expropriação e projeto de aniquilação das empresas historicamente responsáveis pelo fornecimento de serviços essenciais à população do estado.

   Esta proposta deve estar alicerçada em dois pilares fundamentais. Primeiro, do ponto de vista estratégico, recuperar e reforçar o papel social destas empresas, ampliando a contratação de quadros técnicos e acabando com as terceirizações que ocorrem como pragas dentro de suas estruturas. E segundo, do ponto de vista gerencial, retirar o controle de políticos representantes dos interesses minoritários de uma elite predatória e financeirizada, possibilitando assim que a estrutura administrativa das empresas esteja sob o controle dos trabalhadores especialistas e plenamente capacitados, com conhecimentos técnicos específicos e alinhados com os reais interesses da sociedade.

 

Ciência e tecnologia

   A Constituição de 1989 estabelece no artigo 193: “O Estado destinará à pesquisa científica e tecnológica pelo menos dois por cento de suas receitas correntes (…)”. A FAPESC foi o órgão responsável por viabilizar o investimento neste setor estratégico para o país e o estado. No entanto, historicamente os governos desrespeitaram olimpicamente o que determina a constituição catarinense.

   A partir dos governos de Luis Henrique da Silveira – e o enorme pacto de classe que ele logrou realizar – a sabotagem ganhou nova forma por meio de sucessivas reformas na legislação. A principal maneira de burlar a constituição foi a inclusão dos gastos de custeio da Epagri no computo dos 2%, subtraindo, na prática, recursos valiosos que deveriam ser destinados exclusivamente para a atividade fim da pesquisa. Assim, os governos de LHS foram gradualmente aumentando o investimento em C&T e, modestamente destinando recursos para nossas universidades e centros de pesquisa.

   Também de forma sorrateira, este mesmo governo foi subtraindo os recursos que deveriam ser destinados para a atividade fim e sofremos o início da quase completa utilização empresarial da FAPESC para fins que somente marginalmente são empregados na pesquisa.

   Nos últimos anos, durante o governo de Colombo, o investimento ficou ainda menor, posto que sequer o mínimo constitucional foi respeitado. Os editais universais, política pública adotada em vários estados e também nos editais nacionais do CNPq, por exemplo, foram literalmente abandonados, e na FAPESC se consolidou uma linha de atuação exclusivamente centrada no apoio às empresas que, quando necessário, buscam as universidades para desenvolver pesquisa de seu interesse.

   A Lei de Inovação aprovada no governo de LHS fomentava não somente uma visão empresarial de pesquisa e a mercantilização completa da atividade, mas serviu sobretudo para criar uma espécie de empreendedorismo da atividade universitária de ponta, centrada na pesquisa. Atualmente a FAPESC está reduzida à condição de um balcão de negócios com verniz científico, na medida em que os projetos são apoiados de acordo com o critério de rentabilidade empresarial, e mero repasse de dinheiro público para os empresários que necessitam resolver problemas “produtivos” com apoio de custos rebaixados oferecidos pelas universidades.

   Neste contexto, o desenvolvimento da ciência e tecnologia centrado no sistema de ensino – na ACAFE, Udesc e Universidade Federal de Santa Catarina – perdeu milhões de reais que seriam indispensáveis para avançar na pesquisa em nossas universidades. Mais importante e nocivo ainda: o apoio mediante demanda dos empresários, decidido sem critério público e transparente, destina recursos valiosos que muitos projetos distribuídos em todo o Estado não possuem.

   Ademais, os poucos recursos destinados ao apoio à pesquisa científica e tecnológica ocorrem como complementação de editais nacionais cujos vencedores são conhecidos antes mesmo de o edital receber a luz pública. A FAPESC atua hoje exclusivamente apoiando os núcleos de pesquisa já consolidados e com fortes vínculos empresariais. Essa política de caráter empresarial ajudou a criar, à custa do dinheiro público, uma casta de mandarins da ciência com escasso lastro nas universidades públicas e comunitárias que marcam nosso sistema universitário. Por esta razão, os editais universais que os universitários catarinenses necessitam simplesmente não existem mais, sendo que o último deles saiu em 2014.

   Desse modo  a FAPESC libera recursos importantes na contrapartida de editais nacionais benefinciando somente alguns grupos de pesquisa que, para acessar os recursos federais, necessitam complementar com verbas oriundas dos 2% de nosso Estado.

   Ademais, é importante informar que segundo a avaliação do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o governo jamais cumpriu o mínimo constitucional. Contudo este dado, grave em si mesmo, esconde uma realidade ainda pior. Em 2017, por exemplo, o governo investiu R$ 400,28 milhões, cifra que corresponde a 1,70% das receitas correntes, sendo que, do valor global, a FAPESC ficou com meros 7,47%, enquanto a EPAGRI abocanhou 76,23%. Em 2014, ano anterior ao da aplicação do ajuste liberal da presidente Dilma, o estado de SC investiu apenas 1,80% do valor constitucional, mas a FAPESC ficou com meros 8% enquanto a EPAGRI conquistou 88%. Portanto, o governo do estado tem driblado a constituição catarinense sistematicamente.

   Abaixo podemos observar a transgressão continuada da lei com plena cumplicidade do TCE e da Assembleia Legislativa em nosso estado.

2007      2008      2009       2010      2011      2012      2013      2014       2015      2016      2017
1,95       2,00       1,93        2,10       2,00       1,98       1,76       1,80        1,80       1,60       1,70
Fonte: elaboração própria a partir do Relatório Técnico sobre as contas do governo do estado do TCE/SC

 

   Portanto, o respeito permanente ao mínimo constitucional é o primeiro passo para o estabelecimento de uma política pública de ciência e tecnologia. Devemos defender a completa revogação da Lei de Inovação que pretende na prática enriquecer alguns professores em nome do desenvolvimento cientifico. Por último, é absolutamente indispensável que os recursos de custeio e/ou investimento da Epagri não sejam contabilizados como se fossem investimentos científico e tecnológico porque, sabidamente, não são destinados para a atividade fim, ou seja, para a pesquisa científica e tecnológica.

   Além disso, a FAPESC é hoje uma entidade sem qualquer transparência, única e exclusivamente a serviço do empreendedorismo. Deve assim, ser imediatamente colocada a serviço de uma política pública transparente, com a ampliação de um conselho consultivo que exerça fiscalização. É importante que os resultados de todos os projetos aprovados – com autores e objetivos – sejam colocados na página eletrônica da entidade que deveria zelar pelo setor. Por fim, as comissões de avaliação de projetos devem ser revisadas e os nomes devem ser publicamente expostos como também os critérios para a participação nos comitês.

 

Reforma do Estado e corrupção

   Para operar a privatização do que restou do patrimônio público e mostrando a continuidade ininterrupta do processo de liquidação do patrimônio nacional desde a década de 90, um conjunto de reformas do Estado vem sendo executado no Brasil. Também em Santa Catarina, sob o pretexto de que é necessário “modernizar” a gestão governamental, torna-se cada vez mais recorrente a utilização de um conjunto de mecanismos jurídicos que atingem especialmente aqueles serviços essenciais à população, como educação, saúde, transporte, dentre outros.

   Assentadas num processo contínuo de desnacionalização e esfacelamento dos instrumentos de soberania, essas reformas político-jurídicas objetivam instituir um marco legal privatizante, que autoriza organizações particulares a atuar junto ao Estado brasileiro, bastando que se organizem na forma de uma Organização Social (OS), Organização Social de Interesse Público (OSCIP) ou Organização da Sociedade Civil (OSC). Entretanto, ao invés de modernizar as atividades do Estado, como se alega, na realidade a prestação de serviços públicos por essas organizações particulares tende a debilitá-los, seja no âmbito federal, estadual ou municipal.

   Estes mecanismos também são formas de institucionalizar a corrupção que ocorre a olhos vistos na relação entre o Estado e os grandes empresários. Assim, por exemplo, a Lei 9.637, de 15.5.1998 (que dispõe sobre as Organizações Sociais), determina que a relação entre Poder Público e Organização Social seja efetuada mediante “contrato de gestão”, enquanto que, por outro lado, convenientemente, a Lei 8.666, de 21.6.1996 (que dispõe sobre licitações e contratos da Administração Pública), estabelece a dispensabilidade do processo licitatório “para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão” (Lei 8.666, art. 24, inciso XXIV).

   Ou seja, mais do que viabilizar a iniciativa privada, criou-se na verdade um subterfúgio jurídico para burlar o processo licitatório e promover a relação espúria entre governantes e empresariado, sobretudo porque a Organização Social contratada, para manter seu vínculo com o Poder Público, tende a despender as verbas recebidas conforme orientação dos governantes, abrindo-se espaço para que os interesses privados prevaleçam sobre os interesses públicos.

   Convém mencionar também a introdução em nosso ordenamento jurídico de uma nova modalidade de concessão de serviço ou obra pública, a chamada “Parceria Público-Privada” (PPP), através da Lei 11.079, de 30/12/2004. Inventadas pelo governo de Margaret Thatcher na Inglaterra e recomendadas aos países subdesenvolvidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, essas “parcerias” supostamente deveriam suprir a incapacidade do Estado de realizar novos investimentos públicos, autorizando que o mesmo conceda serviços e obras públicas aos agentes privados.

   Se a ideologia dominante tenta construir a ideia de que essas “parcerias” são instrumentos de uma gestão governamental eficaz e destituída de preconceitos em relação à iniciativa privada, nos meandros da Lei 11.079 as coisas se mostram um tanto diferentes. Ela não somente autoriza que na modalidade “patrocinada” o Estado financie até 70% dos investimentos, como, no seu art. 10, parágrafo 3º, permite que a Administração Pública, por meio de autorização legislativa, possa custear a totalidade dos gastos. E mais: para dar garantias ao empresariado, normalmente o Poder Público cria um Fundo Garantidor para a obra ou serviço contratado, endividando-se e sobrecarregando as contas públicas com juros e amortizações da dívida. Por conseguinte, ao invés de fomentar os investimentos públicos por agentes privados a Lei 11.079 representa, antes, mais um instrumento para alimentar o corrupto sistema rentista de poder em Santa Catarina e no Brasil.

 

A farsa do desenvolvimento regional via SDR: SC dentro da estatística do desemprego

   O discurso oficial trabalha sistematicamente com a ideia de que Santa Catarina é a “Suíça brasileira”. Lembremos no entanto, que no final dos anos 90 reinava a descrença total do povo catarinense diante deste discurso. Mais de uma década de liberalização e de instalação dos grandes monopólios industriais (principalmente a agroindústria) haviam produzido dois problemas centrais no estado: o êxodo rural e o inchaço e favelização das cidades.

   Desde os anos 80 Santa Catarina deixava de ser o sonho idealizado de um estado com características europeias. A implantação do modelo de integração agroindustrial no interior, que data dos anos 70 e contou com forte apoio da ditadura militar, acabava com a estrutura de pequenas propriedades rurais, modernizando o campo e expulsando os trabalhadores que dele tiravam seu sustento. Por outro lado as cidades, que até então contavam com estruturas industriais diversificadas de relativa capacidade de absorção de força de trabalho, entraram em estagnação com a enxurrada de produtos importados (autopeças, máquinas e equipamentos, têxteis, etc.) trazidos pela liberalização econômica consolidada com o Plano Real. Resultado deste processo: um amplo despovoamento do interior e um crescimento urbano desordenado, com a eclosão de novas favelas.

  O desencanto era generalizado no estado ao fim da década de 90. As privatizações das empresas públicas estaduais, caso clássico do BESC, e as condições de vida deterioradas fizeram com que que Lula, o candidato que expressava a esperança de mudança na eleição de 2002 – ainda que rapidamente frustrada na sequência – obtivesse em Santa Catarina a maior votação relativa entre os estados da União. Luis Henrique por sua vez, lançava a ideia das SDR para resolver o problema do desenvolvimento regional pregando a ideia de descentralização da gestão.

   Ao fim do processo de mais de uma década de SDR, nenhuma das promessas originais foi cumprida. De um lado, reforçou-se o rentismo sobre as finanças do estado ampliando a degradação do serviço público e, de outro, utilizou-se das estruturas das SDR para acomodar cabos eleitorais regionais e assegurar o domínio eleitoral das elites dirigentes.

  A situação chega ao fim de forma patética: com as SDR sendo extintas gradualmente por inanição. Por conta da crise financeira gerada pelo rentismo, o corte das estruturas de Estado passou a ser a lei, sobrando pouco espaço de defesa das SDR. Foram reduzidas e transformadas em Agências de Desenvolvimento Regional (ADR) e mesmo elas, também estão com os dias contados.

   Resta a pergunta: qual o motivo das SDR, inúteis diante do objetivo de sua criação, terem permanecido tanto tempo ativas e ditando os rumos das articulações político-eleitorais em Santa Catarina?

   O fato é que a conjuntura internacional favorável ao preço das exportações brasileiras e catarinenses (principalmente as vendas das agroindústrias) trouxeram um incremento na renda da terra e na dinâmica econômica do consumo de massas. Com a expansão significativa do crédito fácil foi possível manter ocultos o agravamento da superexploração da força de trabalho e o reforço da deterioração do desenvolvimento regional.

  Com a queda do preço dos produtos de exportação todos os dramas acumulados, porém ocultos, emergiram rapidamente. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (PNADC/IBGE), de periodicidade trimestral e com recorte regional, nos permite ter um panorama dos efeitos desta crise para o padrão de vida dos trabalhadores.

   O desemprego foi o primeiro a aparecer. Comparando o primeiro trimestre de 2012 com o 1º trimestre de 2018, o número de desempregados expandiu em 77,9%, atingindo 249 mil trabalhadores ou 6,5% da população economicamente ativa. Os empregos que foram mantidos concentraram-se nas ocupações de mais baixa remuneração. Apenas no período de 2015 e 2016 o emprego doméstico por exemplo, cresceu 22,1%, com queda nos vínculos com carteira assinada (-4,8%) e alta de 46,4% nos sem carteira assinada, com remuneração média real de R$ 1.046,00 por mês no primeiro trimestre desse ano. Assim, existem em Santa Catarina cerca de 160 mil empregados domésticos, contingente de trabalhadores maior do que o de muitas categorias de empregados em setores industriais.

   Outras duas ocupações que tiveram crescimento acima dos dois dígitos nesse período foram as de “empregadores” (18,1%) e de “trabalhadores por conta própria” (11,3%). Ambas registraram estagnação no rendimento médio real do trabalho, uma queda de -2,4% no primeiro caso e variação nula, de 0,2% no segundo. Essa dinâmica nessas posições de ocupação se explica, em grande medida, pelas transformações nas relações capital-trabalho no bojo da reestruturação produtiva que continua em curso desde os anos 90. Essas ocupações cresceram acompanhando a expansão das práticas de terceirização da produção e mesmo da flexibilização da legislação trabalhista de modo geral, que torna legal formas jurídicas que permitem maior exploração da força de trabalho – como o microempreendedor individual (MEI).

   Outro movimento recente que merece atenção diz respeito à configuração que vai assumindo o emprego no setor público (exclusive militares e estatutários). Ocorre um processo acelerado de redução dos postos de trabalho com carteira assinada de -19,7% com a piora salarial dos anteriormente contratados formalmente, já que a remuneração média real também registra queda de -14,4% no período. Em contrapartida, o número de empregados sem carteira assinada no setor público cresce 16,3%, os quais têm remuneração média real estagnada no período recente (R$ 2.195,00). A orientação na política econômica voltada para a austeridade é a causa fundamental dessa dinâmica perversa para os trabalhadores e a sociedade.

   O quarto e último movimento destacado evidencia a fragilidade da economia catarinense e sinaliza as consequências prováveis da crise social e política. Os trabalhadores com maior remuneração média (aqueles geralmente formalizados) apresentam durante todo o período entre 2012 a 2018, ou estagnação da renda e crescimento no emprego (comércio e administração pública, incluindo defesa, seguridade, educação, saúde etc.), ou estagnação no emprego e crescimento da renda (indústria, construção e agropecuária). Destaca-se que o crescimento citado nesses casos é pouco significativo. Serviços domésticos e outros, são agrupamentos que apresentam taxas de crescimento mais expressivas em ocupação e renda, mas caracterizam-se pela improdutividade e baixa capacidade de gerar desenvolvimento econômico.

  Chama a atenção o fato de que houve forte expansão da ocupação, acompanhada de queda da remuneração média, nos agrupamentos de “alojamento e alimentação” e “transporte, armazenagem e correio”. No caso desse último, a ocupação cresceu 28,2% e o rendimento médio real caiu 9,7% nesse período. Essa dinâmica explicita os impactos profundos que a conjuntura recente de ampliação da precarização no setor de transporte estão gerando para os trabalhadores destas categorias, com destaque para a “uberização” da mão de obra. Aqui se encontram os elementos profundos que explicam a radicalidade da greve recente dos caminhoneiros em Santa Catarina, que acabou por mobilizar moto-boys, motoristas de vans, motoristas de UBER e um conjunto enorme de trabalhadores autônomos do setor.

   Voltando ao fundamento que estrutura esta realidade, pesquisa do IBGE registra que de 2007 a 2016, houve uma queda de 36% no número de unidades locais e empregos nas empresas de alto crescimento em Santa Catarina. Essa classificação considera empresas com mais de 10 empregados e cujo ritmo de expansão do emprego nos últimos 3 anos supera a taxa de 20% ao ano. O salário médio mensal nessas empresas, que correspondia a 2,9 salários mínimos nacional em 2008, caiu para 2,6 salários mínimos nacional em 2015 (R$ 2.048,00). Tudo indica que o arrocho persistiu durante o ano de 2016, fase em que a atividade industrial foi mais fortemente impactada pela recessão econômica do país.

   Se, em termos absolutos, o número de empresas na indústria de transformação cresceu no período, chegando a pouco mais de 30 mil unidades produtivas, em termos relativos, ela perde 2 pontos percentuais na estrutura produtiva. Em 2008, as empresas da indústria de transformação correspondiam a 20% do PIB, caindo para 18% em 2015. Uma análise detalhada dessa dinâmica evidenciará a continuidade do processo de ampliação da superexploração da força de trabalho, agora incrementado com a legalização da prática de terceirização da produção que, como consequência, amplia o número de microempresas, deteriora as condições de trabalho e concentra a renda da produção industrial, obstaculizando a luta política dos trabalhadores organizados em sindicatos.

   Nesse aspecto outra pesquisa do IBGE é reveladora. Nos últimos 10 anos, de 2007 a 2016, o valor de transformação industrial, ou seja, a massa de valor gerado na produção na média da indústria de transformação do estado, mais que dobrou. De R$ 27,5 bilhões em 2007, passou a R$ 58,7 bilhões em 2016. No entanto, no mesmo período, o número de pessoal ocupado nessa indústria cresceu apenas 13%, chegando a 630 mil trabalhadores, e o número de unidades produtivas cresceu 22%.

   Dessa dinâmica de ritmos contrastantes de crescimento da massa de valor gerado, por um lado, e do emprego e unidades locais de produção, de outro, é possível concluir que a ampliação dessa riqueza se deu combinando: 1) o aumento da superexploração da força de trabalho, pelo processo de reestruturação produtiva e todas as formas de emprego da força de trabalho que a nova legislação do país permite e 2) a ampliação da importação de produtos acabados, sobre os quais se acresce valor fictício.

   A realização deste ciclo do capital, típico de uma economia dependente, opõe aumento de produtividade industrial e salários dos trabalhadores, só podendo ser compensado com ampliação do endividamento das famílias assalariadas, que seguem com salários rebaixados, mas encontram no crédito uma vazão para seu descontentamento estrutural.

   Esse ciclo, tendo em vista a concentração do excedente produzido na mão da pequena elite rentista, que evade divisas através das inúmeras formas financeiras de transferir riqueza para o exterior, acaba fazendo com que a maior parte da massa de valor gerada no processo produtivo não circule na economia local. Desta forma: 1) não emergem indústrias dinâmicas, desenvolvedoras de produtos intensivos em tecnologia ou bens de capital; 2) o Estado apresenta endividamento constante por conta dos benefícios fiscais e financeiros que precisa conceder para esta elite incapaz de competir no âmbito global da produção de riqueza; e 3) as famílias assalariadas seguem apresentando perdas constantes em sua renda e, principalmente, no pouco de propriedade que ainda tem.

   Como um indicativo dessa dinâmica onde a importação substitui a indústria nacional, seguem alguns dados da indústria de confecção de artigos do vestuário, setor no qual o estado catarinense é reconhecidamente o principal polo do país. Nesse período de 2007 a 2015, o volume de peças de vestuário importadas que tinham o estado catarinense como destino passou de 9,4 mil toneladas (US$ 72,3 milhões) para 81,5 mil toneladas (quase US$ 1 bilhão).

   O empobrecimento do povo trabalhador, a perda de dinamismo industrial e a destruição do serviço público se defrontam com o rentismo associado à propriedade da terra rural e urbana, com efeito explosivo. Enquanto a população empobrece, a especulação toma conta da terra rural e urbana.

   No caso do campo, os preços da terra dispararam enquanto desabou o preço dos produtos nela produzidos. Se o preço das exportações agrícolas disparou a partir de 2005 até 2011, nada ficou com os agricultores integrados. Todo o excedente se concentrou nas agroindústrias monopolistas, que têm controle sobre o preço e as condições técnicas de produção.  Essas mesmas agroindústrias que aproveitam os subsídios fiscais do governo estadual e usaram o crédito subsidiado do governo Dilma via BNDES – que inclusive bancou a formação dos monopólios atuais – jogam contra os agricultores.

   Com a chegada da crise e a queda definitiva dos preços, está novamente em curso a aceleração da perda de propriedade dos trabalhadores rurais. Exemplo atual disso é a produção do leite no oeste catarinense, onde o preço não compensa a manutenção das famílias no campo. Estas vendem suas terras valorizadas e migram para as cidades, onde também encontram valores estratosféricos da terra urbana, o que inviabiliza qualquer tranquilidade em suas vidas longe do campo.

  O processo é o mesmo nas cidades. Cresce a influência definitiva na especulação do preço dos imóveis, principalmente a partir de 2005. Os trabalhadores que antes moravam próximos dos seus locais de trabalho nos centros urbanos, são expulsos para as periferias das cidades. O programa Minha Casa Minha vida, vendido como solução para o problema da moradia, enriqueceu as grandes construtoras financeirizadas e ajudou nesse afastamento dos pobres das regiões centrais. Amplificam-se assim os problemas associados ao caos urbano, como o transporte, a violência, o saneamento, a saúde e a educação. A juventude que adentra o mercado de trabalho nestas novas condições, encontra piores empregos e incapacidade completa de adquirir imóvel para morar. Explode a crise dos aluguéis que deságua nas ocupações urbanas que não param de crescer e nas manifestações populares de junho de 2013.

   Conflitos sociais se sobrepõem ao caos urbano e um sentimento profundo de revolta se acumula. Esse é o resultado de anos consecutivos do consórcio político e econômico no poder em Santa Catarina. Não é de estranhar a profunda desconfiança dos trabalhadores diante das eleições, que se reflete nos índices gigantescos de alheamento nas pesquisas de opinião (abstenção, brancos e nulos). Sabem eles que, no fundo, Colombo, Amin, Luis Henrique, Dilma, Lula, Mariani, Merísio e Décio Lima, são todos iguais. Resta a pergunta: se nós do PSOL não fizemos parte deste grande esquema de corrupção contra o nosso povo, qual é o nosso papel neste pleito?

 

O PSOL nas eleições ao governo de Santa Catarina

   O Partido dos Trabalhadores vem perdendo espaço na política catarinense desde que pactuou com o sistema político dominante e com a corrupção que está entranhada na forma como os grandes empresários assaltam o Estado. Se nas eleições de 2002 Lula foi recordista de votos no estado, sistematicamente o partido vem perdendo espaço, tendo como ponto de ruptura a reforma da previdência em 2003, aquela que acabou criando o PSOL. Cada vez mais isolado, o PT viu minguar sua representação de prefeitos e vereadores em SC na última eleição.

   Entretanto, a queda do PT não foi diretamente proporcional à ascensão de qualquer partido do dito “campo progressista”. Nem mesmo o PSOL, que registrou crescimento eleitoral tímido eleição após eleição, esteve perto de equiparar em crescimento a queda do petismo. Quem acabou acumulando esse saldo foi, basicamente, o crescimento espantoso da rejeição ao próprio processo eleitoral (brancos, nulos e abstenções), que tem crescido ano após ano nas disputas municipais (onde podemos medir a relação partido/eleitor de forma mais direta e regionalizada) desde o início da década de 2000.

   A ascensão dos desinteressados nas eleições é progressiva desde 2004 quando apontou 13,57% do total de votos, passando para 16% em 2008, 18% em 2012, chegando a 20% no último pleito de 2016. Nas eleições para o governo do estado, o índice de rejeição ao processo eleitoral chegou a 30% em 2014, retornando aos mesmos percentuais da década de 90 e chegando a quase 1,5 milhão de eleitores potenciais – isso em um universo de 4,8 milhões de eleitores catarinenses. O ano de 2018 não será diferente e as pesquisas mostram que teremos percentual recorde deste tipo de postura.

   Diante da crise social que enfrentamos, produzida pelo sistema político petucano e pela forma como ele garantiu o rentismo dos poderosos, somente uma posição que unifique verdade e política pode prosperar. Assim, é necessário atribuir, sem concessões, as responsabilidades devidas para todos os cúmplices do desastre que repercute no desespero da população, sejam eles do PSD, do PMDB, do PP ou do PT. Não à toa, cresce o apego de candidatos chamados “outsiders”, aqueles que supostamente não guardam compromisso com o sistema politico brasileiro, sendo o caso mais contundente o crescimento de Jair Bolsonaro, principalmente entre a juventude catarinense.

   Somente se adotarmos uma verdade profunda, criticando firmemente o sistema político petucano e suas nuances estaduais, poderemos utilizar o processo eleitoral para crescer organizativamente enquanto partido com força e capacidade de intervir decisivamente no futuro da nação e de Santa Catarina. Esse é o desafio histórico proposto ao PSOL. Ou assumimos esta tarefa ou estaremos condenados a caminhar lentamente para a marcha fúnebre que se transformou o sistema partidário brasileiro. O rumo, ao contrário da narrativa hegemônica, não passa pela exaltação da “democracia ou barbárie”. Estamos na quadra histórica de sermos ousados, é hora de afirmar o Socialismo e a Liberdade, é hora da Revolução Brasileira e Catarinense.

 

Militância pela Revolução Brasileira em Santa Catarina

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