A crise da república burguesa e as tarefas da esquerda socialista

A crise brasileira se aprofunda. Ao contrário das postulações superficiais do liberalismo de esquerda dominante no país, o governo do protofascista Bolsonaro não somente mantém estabilidade política como avança a passos largos no programa ultraliberal conduzido pela fração financeira. A coesão burguesa organizada desde 1994 segue como garantia do governo e não dá demonstrações de ruptura no curto prazo. Bolsonaro mantém fidelidade a Paulo Guedes e esse mantém fidelidade ao programa ultraliberal em curso.

Trecho da resolução apresentada na reunião do DN do PSOL em agosto/2020

Na última reunião do DN do PSOL, realizada em agosto de 2020, apresentei uma análise que se confirmou plenamente; desde então, a crise assumiu perfil ainda mais definido e trágico para a maioria de nosso povo. No entanto, a despeito da miséria e da exploração crescentes, o programa da coesão burguesa que sustenta o governo do protofascista Bolsonaro segue seu curso inabalável.

A força da coesão burguesa pode ser vista em dois eventos recentes. O primeiro, a vitória acachapante do candidato governista para a presidência da Câmara e o segundo, o envio de 35 projetos de lei para que o covil de ladrões aprofunde o programa ultraliberal da burguesia.

A respeito do primeiro evento – a disputa pela presidência da Câmara – adverti ainda no dia 24 de dezembro de 2020 não somente sobre a possibilidade remota da oposição derrotar o candidato de Bolsonaro, mas sobretudo, o grave equívoco de votar num representante da suposta “direita democrática”. Ver o artigo Dentro da baleia. A esquerda liberal e a eleição da presidência da câmera dos deputados.

Quanto ao segundo evento – a ofensiva burguesa no covil de ladrões – também alertei sobre seu conteúdo noutro artigo. Ver o artigo, Os banqueiros e a ofensiva burguesa.

Ora, era fácil perceber o que estava em jogo. Em 21 de janeiro de 2021, um nutrido grupo de 14 entidades empresariais autodenominado “coalização indústria” lançou na imprensa o manifesto “Custo Brasil Reformas Já” onde exigia a rápida aplicação do programa ultraliberal de Paulo Guedes. Ora, a burguesia industrial – da Abimaq a Abiquim, da Anfavea a Eletros, da Interfarm a Abicalçados – comandavam a orquestra ultraliberal em favor da superexploração da força de trabalho, do assalto ao Estado e da abertura geral e irrestrita do que ainda resta no outrora “pujante parque industrial brasileiro”.

Era um sinal evidente de que o candidato de Bolsonaro na disputa da Câmara venceria com facilidade a eleição que garante a estabilidade política para o protofascista, afastando a possibilidade de sua destituição imediata. A permanência de Bolsonaro se tornou importante para todas as frações do capital a despeito das gravíssimas evidências dos crimes por ele cometidos. Ora, um presidente e sua família cada dia mais enredados nos tribunais  igualmente convenientes para a coesão burguesa e seus interesses na exata medida em que jamais poderá praticar um ato fora do roteiro das reformas em favor do capital que tem em Paulo Guedes seu delfim.

Enquanto a burguesia esbanjava lucidez, a esquerda liberal alimentava ilusões.

A esquerda liberal depende do movimento do PT e do PDT. O PT, numa decisão igualmente previsível cujo clarinete foi dado por Zé Dirceu poucos dias antes da disputa no covil de ladrões, anunciou a “necessidade de derrotar Bolsonaro” no parlamento. Emergiu então, subitamente, a tese da “direita democrática” como representação da luta da “democracia contra o fascismo”, comandada, no entanto, por Rodrigo Maia que, durante todo seu mandato, disputara com Paulo Guedes a condição de guardião das reformas ultraliberais.

No dia 4 de janeiro, o PT anunciou o apoio à “direita democrática” contra o “autoritarismo de Bolsonaro” por 27 a 23 votos. A nota oficial indicava o voto petista “em defesa da democracia, da independência do Poder Legislativo e de uma agenda legislativa que contemple direitos essenciais da população”.

É preciso reconhecer que as ilusões liberais comandadas pelo PT encontraram eco no PSOL. Portanto, é também necessário refletir as razões que levaram metade da bancada do PSOL – sob comando do MES – à defesa do voto em Baleia Rossi já no primeiro turno das eleições. Da mesma forma, é preciso reconhecer que a posição do MES possui as mesmas raízes que levaram o presidente do PSOL (Primavera Socialista) a afirmar, nas primeiras horas do dia da votação, que já estava em Brasília para “defender propostas de esquerda no primeiro turno com Erundina e lutar pela derrota do candidato de Bolsonaro no segundo turno”. Ou seja, as duas correntes que disputam a hegemonia no PSOL tinham, na prática, a mesma política, a despeito do voto unitário em Erundina no primeiro turno. Ambos pretendiam votar em Baleia Rossi – sabidamente um representante do capital agrário – fazendo coro com a oposição liberal na “defesa da democracia” contra o “autoritarismo de Bolsonaro”. Portanto, praticaram a redução da política ao parlamento quando necessitamos com urgência criar uma referência crítica no país que supere a esquerda liberal.

O PSOL nasceu para superar o fracasso histórico do PT – evidente em sua decadência moral, política e programática – e não para “ocupar o espaço do PT” e, menos ainda, para figurar como mera consciência crítica do liberalismo de esquerda. Essa questão elementar foi, não obstante, completamente esquecida pela executiva do partido e também pelos parlamentares, que, na prática, operaram uma concepção parlamentar de política.

No dia 24 de dezembro de 2020, solicitei formalmente que o DN do partido se reunisse para discutir e decidir a questão, demasiadamente importante para ficar sobre a alçada da bancada, mas a possibilidade nem sequer foi considerada. A despeito do apoio que a proposição recebeu de outros membros do diretório, a decisão foi tomada no círculo estreito da executiva do partido e da bancada. Um desastre completo!

Uma vez eleito com acachapante maioria no covil de ladrões, Lira recebeu no dia 4 de fevereiro de 2021 um pacote de projetos do governo – 26 deles da agenda econômica e outros 9 para a chamada agenda dos costumes – que refletem exatamente o grito das “reformas Já” da coesão burguesa! Ora, os projetos de lei constituem um enorme assalto ao estado, o aumento da superexploração da força de trabalho, maior internacionalização e violento processo de centralização e concentração do capital e manutenção da república rentista via endividamento estatal.

Portanto, o pacto entre Bolsonaro e a coesão burguesa é, além de antigo, completo! Tal como afirmamos na última reunião do DN do PSOL realizada em agosto passado, Bolsonaro desfruta de estabilidade política e mantém a ofensiva burguesa na guerra de classes contra nosso povo. Nem mesmo a política criminosa que mantém durante a pandemia – quem em condições normais o levariam à destituição – foi suficiente para abalar sua posição relativamente cômoda. A situação poderá mudar nos próximos meses? Num contexto de aprofundamento da crise tudo é possível, mas não é provável. A coesão burguesa o mantém e jamais permitiria um processo de destituição que certamente ofereceria as ruas para a esquerda liberal. Além disso, é claro que a direita encabeçada por Bolsonaro – ao contrário do petismo em 2016 – disputaria sua permanência abertamente na sociedade. É fácil perceber que a coesão burguesa percebe que tal passo criaria um clima político penoso e demasiadamente lento que poderia paralisar as reformas do capital, situação completamente incompatível com as exigências da crise.

Essa questão é decisiva: a classe dominante sabe que não encontrará na esquerda liberal resistência ao programa ultraliberal. Os 14 anos de administração do PT foram provas suficientes para que a burguesia tenha absoluta clareza do bom comportamento petista diante das exigências estratégicas da coesão burguesa.

A ofensiva burguesa no contexto de uma guerra de classes nunca foi tão sólida. Por que é possível tal situação? Por que, em meio à imensa crise, a crescente miséria e exploração, as classes populares não contestam o governo e tampouco manifestam rebeldia nas ruas?

A resposta fácil é a pandemia.

Não há dúvidas que a necessidade de isolamento social diante da política oficial criminosa do governo produziu seus efeitos. Mas não se pode atribuir tão somente à crise sanitária as dificuldades reais de mobilização e protesto popular contra o governo. Há razões mais profundas que dizem respeito à situação da esquerda no Brasil e o passivo que carrega. Tampouco devemos ignorar a natureza específica da crise que sofremos.

 

A crise é oportunidade… também para a burguesia

A crise atual combina três movimentos. O primeiro se inicia com a completa rendição de Dilma às exigências da crise interna quando, após vencer Aécio Neves, iniciou a guerra de classes contra o povo, um orwellianismo denominado “ajuste” pelo liberalismo de esquerda. O segundo, com a emergência da crise cíclica em junho de 2019 nos Estados Unidos cuja superação não está à vista de ninguém nesse momento. Finalmente, o terceiro movimento é dado pelo reconhecimento da pandemia em janeiro de 2020 e sua influência na dinâmica econômica e política da crise.

O capitalismo sofre a crise cíclica do capital mais grave desde 1929. É uma crise que veio pra ficar e para aprofundar a posição dos países na divisão internacional do trabalho com a mesma força que redefine as condições nas quais as classes populares lutam no interior do estado-nação na periferia do sistema capitalista. Por essa razão, não vivemos e tampouco voltaremos no curto prazo à normalidade. A normalidade acabou; a norma é o turbilhão da crise. A normalidade é a crise!

 

A crise nacional

No Brasil, desde 1994 a coesão burguesa (aliança entre o capital comercial, agrário, industrial) sob comando da fração financeira dirige cada ação do estado. A administração petucana do Plano Real durante duas décadas produziu mudanças lentas e profundas que finalmente foram reconhecidas nas eleições de 2018. Portanto, nada mais inadequado para avançar na consciência crítica do que seguir reproduzindo a ideologia segundo a qual a oposição eleitoral entre petistas e tucanos opunha dois programas, radicalmente diferentes. A ignorância sobre essa questão decisiva não é obra apenas do oportunismo eleitoral; é também produto da completa ausência de uma análise capaz de dar conta da linha de continuidade entre petistas e tucanos, ambos submetidos à econômica política do Plano Real e ao comando da coesão burguesa.

A ofensiva burguesa desatada por Dilma contra os trabalhadores ainda em janeiro de 2015 já indicava que a crise chegara para ficar. Depois, a destituição da ex-presidente sem convocatória à luta, também revelava que as bases sociais do petismo desabaram lentamente sem que seus líderes pudessem aceitar que a política praticada durante 14 longos anos tinha, de fato, liberado o gênio da garrafa e que o petismo não tinha mais como devolvê-lo.

A tese do “golpe” ou do “golpe parlamentar” – ainda hoje admitida em nosso partido como linha dominante – é o meio tão ingênuo quanto cínico para explicar a crise. Além de alimentar ilusões a respeito do que de fato é a luta no terreno da democracia burguesa, segue jogando águas no moinho do PT… Na verdade, duas moléculas de lucidez bastariam para inverter a pergunta: se a direita deu o golpe e a “ponte para o futuro” de Temer é a razão de nossos males, quais então as causas reais que levaram a direita a destituir a presidente? Ora, incapazes de cortar sobre sua própria pele e menos ainda de reconhecer que o gênio da maldade cresceu e foi liberado da garrafa após 14 longos anos de governos petistas, não restou ao principal partido da esquerda liberal – o PT – alegar a vocação anti-democrática da “elite do atraso”, o atavismo da “casa grande” incapaz de conviver com os “brotos de cidadania” derivados da filantropia petista e outras quinquilharias liberais superficiais que ninguém pode levar a sério.

As quinquilharias liberais indicadas acima receberam pitadas de “crítica” para pelo menos simular verdade: lenta e timidamente, alguns líderes do PT exibem “autocríticas” a conta gotas reconhecendo “erros” durante seus governos. Nesse engodo, afirmavam que o governo “errou” em não enfrentar a Globo e não tinha uma política de comunicação; o partido e o governo não somente teriam se afastado dos movimentos sociais como os teriam enfraquecido cooptando seus principais dirigentes; bradam ainda hoje que a “esquerda precisa voltar às bases” ou confessam que o partido teria se transformado em eleitoral – com os mandatos e o fundo partidário sustentando seu funcionamento – e não mais seria um partido militante. No entanto, mantém silêncio absoluto sobre a política econômica. Nenhuma palavra sobre o latifúndio e menos ainda sobre o exponencial endividamento estatal via dívida pública; tampouco dizem algo sobre a elucidativa falta de convocatória ao povo para uma luta sequer… Guardam silêncio completo sobre a vergonhosa entrega do pré-sal na inaceitável e entreguista lei da partilha.

Assim, os bordões proliferaram sob a condução dos “novos profetas” que reclamam a “hierarquização moral” das causas como meio para evitar a análise totalizante, exibindo a moral como o que de fato é, a expressão da mais completa e absoluta “impotência em ação”. Ora, a burguesia reduz a política à moral bradando contra a corrupção enquanto assalta o Estado. A esquerda liberal lança também seu brado moral no empobrecimento da “questão social”, reclamando cidadania e disputa de valores abstratos nos marcos do capitalismo dependente. Na real, a esquerda liberal exibe a moral como a “impotência em ação”, espetando as classes dominantes como se, de fato, fosse possível incluir os pobres no orçamento, resgatar a cidadania, ou o inacreditável brado de uma “revolução solidária” sem a ruptura com a ordem burguesa.

De resto, a esquerda liberal inunda as redes digitais e seus mandatos parlamentares com bordões emanados do petismo, afirmando que a “elite não gosta da inclusão social”, detesta “pobres viajando de avião”, ou não aprova “trabalhadores pobres e negros nas universidades”. Ora, essa hierarquização moral da luta política é campo fértil para a direita ainda que aparente ser um “campo em disputa” pela esquerda. É grave erro, pois setores importantes da classe dominante já decidiram pela defesa do “meio ambiente” (Joaquim Levy), a luta contra “o racismo e a misoginia” nos marcos da ordem burguesa (Armínio Fraga) e sobretudo a “defesa da democracia” (André Lara Resende) diante da ameaça do fascismo. Não há que alimentar ilusões pois até agora, a despeito de alguns operadores das finanças marginais no negócio manifestarem posição contrária às do governo, a coesão burguesa e, especialmente sua fração financeira, não dá demonstração de fissura.

Há que entender o elementar. Nas crises, é inevitável que as classes dominantes mantenham e inclusive elevem o tom em defesa do discurso ultraliberal ao mesmo tempo em que praticam forte intervenção estatal. Não há contradição ou ainda cinismo nessa linha de atuação! O capitalismo é avesso à concorrência da mesma forma que não pode viver sem a permanente intervenção estatal. Ora, essa é lição elementar de historiadores e economistas razoavelmente alfabetizados. Portanto, a crítica ao “neoliberalismo” que o PSOL – e toda a esquerda liberal pratica – é uma forma de cumplicidade com a ideologia keynesiana agora dominante. Até mesmo o FMI defende a massiva intervenção estatal!! Inclusive Trump praticava um keynesianismo que somente era criticado por democratas porque segundo a tradição, o remédio foi administrado em dose insuficiente!

No entanto, tal como advertiu um lúcido pós-keynesiano – figura rara entre nós – quando os conservadores são keynesianos, “políticas impositivas e de gasto podem ser usadas para dar vida aos rentistas e não para induzir a eutanásia”. É exatamente o que aconteceu até agora nos EUA, com Trump e no Brasil, com Bolsonaro. Nas crises, tal como bradou um conhecido monetarista no século passado “num determinado sentido, somos todos keynesianos agora; em outro, ninguém mais é um keynesiano”.

Agora vivemos um período de ascensão das políticas intervencionistas em favor do capital. Ora, sem movimento operário organizado e com capacidade de reivindicação e, ademais, sem a orientação de uma internacional comunista, é difícil alterar a correlação de forças, o conteúdo e sentido do intervencionismo estatal. Na prática, o que nosso partido fez até agora – especialmente no parlamento – foi legitimar moralmente as políticas compensatórias que a classe dominante concedeu para manter o controle da situação e justificar ideologicamente o assalto ao estado por meio da política monetária. Não há novidade, pois quando o governo decidiu pelos R$ 600 reais do Auxílio Emergencial, a oposição liberal – incluído o PSOL – condenou com veemência. Agora, diante da redução do auxílio para R$ 375, a oposição liberal se aferra na defesa dos R$ 600 que até poucos meses atrás considerava completamente insuficientes! Em poucas palavras: o PSOL mede a temperatura do país pela correlação de forças do parlamento…. mera política parlamentar!

A ofensiva burguesa iniciada por Dilma Rousseff avançou com Temer e com Bolsonaro. No entanto, ainda não chegou em seu ápice. A taxa nacional de desemprego é hoje de 21,6% como média, mas alcança níveis superiores a 30% no nordeste do país. O pior está por vir.

A eleição de Bolsonaro em 2018 ainda não apartou a maior parte da esquerda liberal do ideário petista, que basicamente atua como se fosse possível voltar em 2022 e retomar o caminho da filantropia compensatória. Em poucas palavras: ignoram a profundidade da crise e as transformações do capitalismo no Brasil e no mundo. A esquerda navega sem teoria, sem bússola, orientada unicamente pela ambição do parlamento. Na prática, brada contra a “ameaça fascista” e atua como se a vida estivesse correndo na mais absoluta normalidade. 

A crise atual combina, portanto, elevado desemprego para os trabalhadores, queda acentuada da renda, endividamento das famílias de um lado e, de outro, super lucros que permitiram inédita coesão burguesa em meio à violenta crise do sistema. Crise e super lucros!!

O desemprego saiu de 5,3% em janeiro de 2015 – quando se iniciou o segundo mandato de Dilma – para 11,8% em agosto de 2016, quando o parlamento aprovou sua destituição. No entanto, os trabalhadores já rangiam os dentes desde 2012 quando as greves alcançaram sob o governo petista os mesmos níveis existentes durante o governo de FHC. De fato, segundo o DIEESE (Estudos e Pesquisas, n. 66, maio de 2013), em 2012 o SAG-DIEESE registrou 873 greves e o “resultado confirma a tendência de aumento do número de greves verificada a partir de 2008. As informações da série histórica também revelam que o total de greves cadastrado em 2012 é o maior verificado desde 1997”. A tendência não deixou de crescer e, precisamente em 2016 – ano da destituição de Dilma – segundo a mesma fonte, “o SAG-DIEESE registrou 2.093 greves… Os trabalhadores da esfera pública paralisaram suas atividades em mais ocasiões (1.100 registros) que os trabalhadores da esfera privada (986 registros)” (Estudos e Pesquisas, n.84, agosto de 2017).

Ora, o contraste é visível: se em 2016 as greves foram superiores a 2.000, após a ofensiva burguesa chegaram em 2018 a apenas 1.453 e não deixaram de diminuir ainda mais… É fácil constatar o contraste, pois o desemprego e a ofensiva burguesa contra os trabalhadores produziu drástica redução do número de greves além de mudar sua qualidade.

Ora, além do ativismo sindical, era fácil constatar que nas comissões de fábricas a repulsa ao governo era enorme mesmo quando muitos sindicalistas eram petistas de carteirinha e o sindicato filiado a CUT. O número de greves não permite ilusões sobre a luta dos trabalhadores que amargavam desemprego e baixa do poder aquisitivo dos salários.

Nas classes médias a situação não era melhor. A bandeira anticorrupção, historicamente defendida pelo PT e Lula em especial durante anos, passou para as mãos da direita a partir de 2013 e a ofensiva da Lava Jato iniciada em março de 2014 consolidou em amplos setores da classe média e também do proletariado a tematização da corrupção como um valor em disputa sob condições concretas. Não se trata de uma “disputa de valores” em abstrato! A questão concreta aqui e agora, para milhões de brasileiros é: a esquerda é corrupta? É assim que as massas observam a situação após a ofensiva moralista da direita e os graves casos de corrupção dos governos do PT cuja expressão máxima pode ser vista em Antonio Palocci, ex ministro de economia de Lula e chefe da casa civil de Dilma. A análise crítica indica a fonte da corrupção na relação ultra parasitária da burguesia com o Estado – o comitê de negócios da burguesia, segundo Marx –, mas quando um partido se submete à razão de Estado, dificilmente deixará de figurar como intermediário no inescrupuloso assalto à riqueza pública realizada por distintas frações do capital. A vida de muitos partidos de extração proletária, socialista ou popular no mundo inteiro – na Europa, na África e na América Latina – demonstra de forma cabal a degeneração derivada da intermediação entre o capital e governos limitados à administração da ordem burguesa nos marcos do capital.

A ilusão segundo a qual poderíamos avançar na luta por direitos nos marcos da ordem burguesa, como se a política fosse um crescente acumular de pequenas conquistas realizadas por sucessivos governos, chega, pois, ao seu fim de linha!

Ora, em agosto de 2016 além do ativismo sindical, era fácil constatar que nas comissões de fábricas a repulsa ao governo era enorme mesmo quando muitos sindicalistas eram petistas de carteirinha e o sindicato filiado a CUT. O número de greves não permite ilusões sobre a luta dos trabalhadores que amargavam desemprego e baixa do poder aquisitivo dos salários.

Registre-se que a primeira fase da crise expressou a necessidade da coesão burguesa responder aos ditames da crise e elevar a taxa de lucro violentamente. A análise do balanço das empresas em 2020 recentemente divulgada comprova a vitória completa da estratégia em todas as grandes empresas acumulando super lucros às custas da miséria e da exploração de milhões de trabalhadores e do desemprego sem precedentes. De maneira geral, os super lucros avançam desde 2017 e se tornaram particularmente intensos a partir de 2018.

Bolsonaro constitui, portanto, uma orgânica representação à coesão burguesa em tempos de crise, razão pela qual não será fenômeno passageiro. Atacá-lo pelo caráter supostamente tosco de suas declarações é nada entender sobre a crise e suas demandas… Ele enterrou para sempre o sistema petucano, a cômoda oposição entre a direita e a esquerda liberal.

A dificuldade da esquerda liberal em reconhecer a grave situação nacional possui dupla razão.

As profundas transformações ocorridas no desenvolvimento capitalista no Brasil nas últimas 4 décadas, especialmente após 1994, são olimpicamente ignoradas. Há, a despeito de indicações muito claras, ilusões elementares sobre a realidade brasileira. A primeira delas é a ideologia segundo a qual, ao contrário de outras economias latino-americanas, o Brasil supostamente ainda possuiria uma “economia complexa” e um “importante mercado interno”. São duas peças ideológicas derivadas do orgulho burguês que setores da esquerda liberal mantêm contra toda evidência. Ora, como supor uma “economia complexa” se – para dar apenas um exemplo – o aluguel e compra de máquinas e equipamentos consomem todos os anos bilhões de dólares? Em 2016, último ano da administração petista, o país gastou nada menos do que 26 bilhões de dólares em aluguel e compra de máquinas e equipamentos. Qual complexidade ainda podem outorgar à “economia brasileira”? A segunda peça ideológica é a afirmação do alegado potente “mercado interno”, num país em que a renda média mensal de 60% dos trabalhadores – equivalente a 54 milhões de brasileiros empregados com carteira assinada ou na informalidade – foi menor que um salário mínimo em 2018. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), que trata de todas as fontes de rendimento, divulgada pelo IBGE. Ora, o desenvolvimento capitalista orientado pela superexploração da força de trabalho é tão grave que até mesmo o auxílio emergencial baseado nos R$ 600, altera pra “melhor” a situação. Segundo os dados de 2018, 60% da população possui rendimentos de até R$ 928; o salário mínimo naquele ano era de 954!!!!

Ora, um país em que o setor de máquinas e equipamentos é completamente internacionalizado e, ademais, regido pela superexploração da força de trabalho, pode, afinal, ser uma “economia complexa”? No entanto, estas sandices são repetidas por economistas que possuem audiência na cabeça de militantes da esquerda liberal, inclusive em nosso partido!

 

A crise cíclica global

A crise brasileira se agrava quando, a partir de junho de 2019, a Reserva Federal e o governo republicano estadunidense discutem abertamente a necessidade de forte emissão monetária para enfrentar “problemas na economia”. Portanto, pelo menos 6 meses antes da pandemia ser reconhecida como um problema mundial.

Os liberais estadunidenses – que possuem enorme e crescente influência intelectual e política na esquerda liberal no Brasil – inicialmente localizaram o fenômeno na linha inaugurada por Madelene Albright, a ex secretaria de Estado dos EUA do governo Clinton (1997-2001). O “fascismo” tornou-se uma ameaça à democracia! No caso dos EUA, os liberais alinhados ao Partido Democrata indicavam a vitória de Trump como algo que deveria preocupar a todos os verdadeiros democratas, inclusive aqueles alojados no Partido Republicano. No entanto, nada diziam sobre a violenta crise econômica que se desenhava nitidamente sob seus pés.

No segundo semestre de 2019 – mais precisamente em setembro – a crise era manifesta e inocultável: o FED admitia abertamente a necessidade de injetar 2,2 trilhões de dólares para sustentar ações e bancos na rapina financeira em curso. Portanto, não pode existir dúvidas sobre a crise cíclica em curso desde então e inclusive antes. As injeções de trilhões são uma norma desde 2001 mas ainda assim os keynesianos dobravam a aposta: a receita keynesiana – tal como os liberais de direita insistem – sempre afirma que a direção era correta mas a dose do remédio não foi suficiente… teria faltado intensidade. Os liberais de direita também cultivam o mesmo hábito: bastaria privatizar empresas estatais, desnacionalizar a economia, desregular o mercado de trabalho, etc., para o país superar a crise mas os governos nunca o fazem na dosagem suficiente! Tanto monetaristas quanto keynesianos padecem do mesmo problema: a leitura segundo a qual as duas receitas só precisariam ser aplicadas na dosagem correta.

O FED já no segundo semestre de 2019 não deixava de injetar trilhões de dólares nos bancos como forma de atenuar a crise que finalmente se instalaria de maneira plena no primeiro trimestre de 2020 sob o argumento da pandemia. No entanto, não há que confundir o impacto da pandemia na crise com sua origem! A pandemia agravou a crise mas não a criou! Ademais, a pandemia permitiu aos capitalistas um inédito assalto ao Estado sob a alegação de proteger o emprego e a produção. Em consequência, a crise e as injeções monetárias turbinaram ainda mais o ritmo da concentração e centralização do capital – no centro e na periferia – com intensidade jamais observada.

No turbilhão da crise, em março, o FED emprestou 60 bilhões de dólares ao Brasil num pacote de 540 bilhões aos elos débeis da cadeia imperialista (Austrália, Brasil, Coreia do Sul, México, Cingapura e Suécia e US$ 30 bilhões em bancos centrais na Dinamarca, Noruega e Nova Zelândia). A crise seguia seu curso de maneira plena e os empréstimos representam o reconhecimento de sua escala global.

A consciência ingênua postula que crise é oportunidade. Sem dúvida, especialmente para os capitalistas! A esquerda não participa de um movimento comunista organizado no mundo, na tradição das internacionais, razão pela qual as lutas obedecem à lógica puramente nacional, na maioria das vezes ultrafragmentadas. Não será fácil organizar uma internacional comunista novamente, sabemos. A razão da influência crescente de movimentos e partidos dos países centrais – especialmente da esquerda liberal – tem essa origem: a ausência de uma orientação revolucionária em escala mundial num sistema em crise profunda. Tampouco a época de ilusões como o Fórum Social Mundial pode agora ser lembrada como alternativa frente à crise. Essa é a razão pela qual os “exemplos” da gerigonça portuguesa ou as inovações partidárias do Podemos espanhol são recebidas no PSOL como fonte de sabedoria que deveriam ser adotadas nos trópicos sem vacilação.

Não há no momento qualquer possibilidade de superação da crise cíclica no curto prazo a despeito da aprovação nesse mês por apertada margem (220 x 211) de nova emissão de dólares nos EUA na tentativa de retomar o processo de acumulação de capital. Os cheques destinados ao consumo são de U$ 320 dólares por criança, aliados a alívio fiscal e investimento em infraestrutura. No entanto, o ceticismo sobre o futuro permanece imóvel. O desemprego supera a casa dos dois dígitos e a alternativa keynesiana – com Trump ou Biden – não indica superação nem mesmo no médio prazo. A crise consumirá muita riqueza e será ainda mais devastadora na periferia, especialmente a periferia latino-americana.

As noticias da China e da Europa tampouco podem animar a consciência ingênua sobre a profundidade e alcance da crise. Todos os informes (FMI, BM, CEPAL) assinalam taxas de crescimento positivas para 2021. No entanto, é necessário cautela: nos EUA a taxa incide sobre o desastre de -3,5% em 2020, razão pela qual a economia mundial está muito longe de recuperar os níveis de atividade anteriores à crise. A locomotiva se arrasta fugindo do estancamento ou ensaiando no máximo nova linha de crescimento lento, num ritmo incapaz de puxar os vagões da periferia capitalista.

De resto, a retomada de taxas positivas de acumulação de capital não indica a recuperação do emprego e menos ainda dos salários, que seguem despencando em escala global. As sucessivas “injeções de dólares” obedecem à lógica da concentração e centralização do capital, apresentada como defesa da “economia popular, da renda e do emprego”. Enquanto isso, o silêncio sobre a queda dos salários e o elevado grau de exploração da força de trabalho seguem sua marcha inexorável tanto no centro quanto na periferia capitalista.

 

A crise e a pandemia

A pandemia permitiu a intensificação da crise a favor dos monopólios e o aprofundamento guerra de classes contra o povo. Portanto, a pandemia inaugurou inéditas possibilidades para o capital e reduziu ainda mais as condições sob as quais a classe trabalhadora poderá lutar. Não podem existir dúvidas de que no curto prazo a pandemia reforçou as bases da hegemonia burguesa nos países latino-americanos.

O clamor da esquerda liberal contra o “negacionismo”, o cretinismo parlamentar em permanecer no interior da lógica de Paulo Guedes sob o bordão de “salvar vidas” atuando no parlamento para um auxilio emergencial de 600 reais, a condenação moral da “política de ódio”, o elogio do SUS no contexto do subfinanciamento crônico a que está historicamente submetido, a “luta por valores” numa sociedade em decomposição, os apelos morais em “favor da ciência” não fizeram nada além de reforçar não somente o governo ao capturar a atenção e energias da esquerda liberal, mas a confinou no círculo de ferro das ilusões necessárias para a dominação burguesa.

Ora, o caráter aparentemente irracional de governos de direita cabe numa fórmula elementar: é a racionalidade da irracionalidade. Nos termos da tradição crítica, tudo que aparece como “irracionalismo” é o desdobramento político da ideologia burguesa especialmente intensa nos períodos de crise. Não se explica Bolsonaro senão no interior da crise do sistema político brasileiro e da crise cíclica do capital, especialmente aguda na periferia do capitalismo. Bolsonaro não é, portanto, um ponto fora da curva! Nos países latino-americanos a crise se instalou há anos quando presidentes foram destituídos por diversos motivos e de múltiplas formas. A esquerda liberal não foi capaz – nem poderia ser – de identificar as raízes profundas do fim da época dos governos progressistas de distinto tipo.

A crise econômica e a crise dos sistemas políticos nacionais na região indicam que soou a hora do “progressismo”. Ainda quando vencem eleições – caso por exemplo da Argentina e da Bolívia – não podem ser senão uma pálida lembrança de tempos modestos quando eram considerados o horizonte utópico possível para nossos povos.

Essa situação indica algo grave que a pandemia ainda oculta para benefício das classes dominantes. A partir de agora, para garantir governos, será cada dia mais necessário um projeto de poder. A relação entre a conjuntura e as questões estruturais relativas ao sistema se estreitam cada dia mais, especialmente na periferia do sistema capitalista. Portanto, o barco no qual a esquerda liberal navegou até agora não pode operar nas águas turbulentas da crise cíclica mundial e a emergência do capitalismo rentístico. O apogeu da consciência burguesa na periferia – o projeto da industrialização – já não possui bases materiais para sua reprodução em direção a níveis superiores e, em consequência, podemos ver a “regressão industrial” ocorrer em todos os países e, com particular força, no Brasil. Ora, foi no Brasil que o orgulho burguês chegou mais longe na América Latina e, também por isso, é onde podemos observar seu fracasso mais rotundo. É uma expressão da impotência do liberalismo de esquerda bradar contra a “desindustrialização” quando a própria burguesia industrial atua no apoio histórico e sistemático na direção do programa ultra liberal. Nesse contexto, tanto a verve de Ciro Gomes quanto as promessas de Lula são irrealizáveis pois não encontram a classe social necessária para sua viabilização.

A classe trabalhadora não possui uma referência partidária digna de confiança no Brasil. A desconfiança no sistema político é enorme e alcança também o PSOL. A esquerda liberal encabeçada pelo PT é objeto de enorme e justificada desconfiança e mesmo hostilidade por parte considerável da classe trabalhadora. Até agora em nossas filas ainda existem aqueles que confinam toda crítica radical ao petismo à mera expressão do grito da direta (o enfadonho e alienante “anti-petismo”). É grave erro!! O PSOL não pode e não deve atuar como reles consciência crítica do petismo decadente, na real um partido da ordem burguesa.

A anulação do juízo contra Lula ocorrida nessa semana não fez menos do que fortalecer todas e cada uma das ilusões da esquerda liberal. Na prática, diminui até mesmo o espaço eleitoral do PSOL pois, é conhecida a propensão “hegemônica” que o PT pratica desde sempre. Há razões objetivas para tal “hegemonismo”, uma vez que o liberalismo sempre existiu com uma ala de direita e outra de esquerda. É fenômeno próprio do sistema parlamentar democrático burguês que requer certa vitalidade da esquerda liberal.

A combinação dessa dinâmica – as três forças motrizes da crise atual – garantem margem de manobra considerável para a coesão burguesa que sustenta Bolsonaro assim como sustentou noutras bases todos os governos pós 1994. Essa é a razão pela qual a sua destituição parlamentar foi arquivada e habilmente manejada pelo covil de ladrões para soldar um acordo de conveniência destinado a livra-los do lavajatismo – Lira é o exemplo mais evidente mas não o único – da mesma forma que deputados e senadores garantem as reformas pró capital e exibem o marcado caráter de classe do parlamento.

 

Abrir o PSOL

O caráter explosivo da crise atual faz com que o país opere cada dia mais numa lógica das situações extremas. No terreno concreto da América Latina – especialmente claro em nosso país – até mesmo setores da esquerda liberal começam a reconhecer que nosso postulado básico é uma exigência desse tempo. Portanto, nas condições atuais, não é mais possível reivindicar um “projeto para o Brasil” ou bradar por “projeto nacional” sem ruptura com a ordem burguesa; igualmente limitada e irreal é a afirmação da “necessidade de crescer e distribuir renda” como também a convocatória abstrata de “voltar às bases” ou “sujar os pés de barro” como caminho para a retomada da iniciativa política pela esquerda. Na real, a grande questão que o partido evitou até agora é o debate estratégico sobre algo elementar: afinal, qual o caminho da revolução brasileira?

A lógica das situações extremas se impôs diante de todos nós de maneira clara. Agora, a luta dentro da ordem e contra a ordem requer uma mudança radical na esquerda e em especial no PSOL. Nascido da luta parlamentar, o PSOL terá que passar agora pelo teste da vida madura. A hegemonia no interior do PSOL é uma extensão particular do liberalismo de esquerda. No máximo, o PSOL reivindica hoje um keynesianismo radicalizado na tribuna do parlamento sem consequência prática na vida das maiorias.

Até agora essa hegemonia se limitou a registrar o minúsculo crescimento parlamentar e a conquista da prefeitura de Belém como símbolos do acerto de sua linha hegemônica. É uma ilusão perigosa indicar esse caminho como exitoso! Ocupar o espaço político-eleitoral do PT sob o brado genérico que não existe “espaço para a conciliação” na mesma medida em que clama pela “frente ampla” sob hegemonia petista revela a total falta de compreensão da crise atual e das possibilidades de um partido que expresse um novo radicalismo político. Na prática, o PSOL tenta realizar de maneira “consequente” a farsa petista de “volta às bases” e reconectar o partido com os “movimentos sociais”. Assim, não entende que tal linha é irrealizável no contexto das transformações do capitalismo e da crise atual que redefine de maneira radical a situação.

Bastaria pensar na presença do narcotráfico como uma das expressões da decadência industrial do país aliada à intensa evangelização da vida social como expressão da alienação, para perceber as limitações objetivas da “volta às bases”, como se ainda vivêssemos na década de oitenta do século passado. A despeito de importantes iniciativas e resultados objetivos conquistados por alguns movimentos sociais, o PSOL não pode ser mero reflexo desse ativismo, ainda que isso , eventualmente, resulte em  conquistas para setores específicos dos trabalhadores.

Não há possibilidade de superação da hegemonia liberal e abertura de novas perspectivas políticas nos marcos da consciência ingênua que alimentou o petismo e levou ao seu fracasso histórico! O lamentável brado de Boulos no debate presidencial de 2018 – “Boa noite, presidente Lula” – expressa precisamente o colapso dessa linha, reforço da consciência ingênua, tentativa de prolongamento de um mundo que não mais existe. É uma armadilha política fatal apresentada como se fosse astúcia eleitoral. Na prática, inscreve o PSOL como consciência crítica das insuficiências políticas do PT ocultando seu imenso e inexorável fracasso histórico!!!!

Da mesma forma, a campanha de Boulos na prefeitura de São Paulo representou a filiação completa de uma candidatura do PSOL ao ideário do liberalismo de esquerda. As reuniões com empresários, a adesão às PPS, a defesa liberal da questão social, da frente “democrática por justiça social” declarada como linha no segundo turno, são demonstrações inequívocas das limitações políticas do PSOL diante do quadro nacional.

Nesse contexto, a realização do congresso do PSOL sem as condições sanitárias elementares ou mesmo por via remota é em nossa opinião um atentado contra o crescimento político qualitativo do partido e da militância em potencial. A decisão de realizá-lo de maneira remota sugere apenas que as distintas tendências do PSOL cobram atualização da representação após os processos eleitorais e as filiações realizadas no embalo das disputas municipais. Portanto, realizá-lo dessa forma e nas atuais circunstâncias implica a renúncia de maturidade programática e evidenciam escassa compreensão da grave conjuntura nacional.

Abrir o partido significa, para nós, avançar na direção de colocar o PSOL como referência crítica que a sociedade brasileira reclama no interior da esquerda e, sem a qual, atemo-nos inexoravelmente a jogar águas no moinho da direita. A esquerda liberal sob hegemonia de Lula não avançará um milímetro em relação às suas limitações históricas e somente os tolos podem acreditar que a destituição de Dilma e a prisão do ex presidente ensinaram ao liberalismo de esquerda algo essencial em direção oposta à conciliação de classe que marca sua evolução histórica e seu colapso como partido contra a ordem.

O congresso do PSOL na atual conjuntura merece intensa preparação, debates em todo o país, atuação da Fundação na publicação de textos e organização de seminários que podem começar remotamente mas devem também ser realizados de maneira presencial, se as condições sanitárias existirem até o final do ano.

Ademais, a adesão precoce de muitos militantes e mesmo dirigentes aos chamados de uma “frente ampla” ou “frente democrática” recoloca implacavelmente o partido à sombra de Lula e do PT. Em caso de afirmação dessa linha nos marcos de um congresso sem discussão e empobrecido pela “participação remota”, o PSOL não passará de ator coadjuvante na luta política nacional.

Também reafirmamos a necessidade de abrir as reuniões do DN do PSOL à nossa militância. De fato, não há razão para manter as reuniões restritas aos membros do diretório e nossos parlamentares, pois a vida política está exigindo maior qualidade de nossa intervenção e também da militância, razão pela qual uma vez mais indicamos que toda reunião do partido seja aberta para todo filiado.

É um tempo de decisões estratégicas. O rebaixamento de nosso horizonte político-programático no terreno das demandas imediatas sem orientação socialista e sem apego às enormes transformações pelas quais o Brasil passou nos últimos anos, bloqueará a necessidade de entender os dilemas inerentes à luta dentro e contra a ordem que estamos convocados a realizar. A intensa luta de classes agora cada dia mais evidente até mesmo para setores que teimavam em não reconhecer a grave situação a que estamos submetidos, abre imensas possibilidades para os socialistas. Não reconhecer o espírito de nosso tempo, pode significar também enorme fracasso histórico.

 

 

Nildo Domingos Ouriques

Militante pela Revolução Brasileira – SC

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Comentários

  1. la hipotética recuperación que el plan europeo trata de apuntalar muestra una gran vulnerabilidad. Los estragos del covid 19 siguen siendo evidentes aún en pleno 2021 pero, sobre todo, no se vislumbran expectativas claras de superación de una crisis que antecedía a la pandemia, y que este fenómeno ha acelerado exponencialmente. De esta manera, no hay ningún viso de una nueva onda larga sostenida en incrementos notables y generalizados en la productividad.
    https://vientosur.info/6-mitos-en-torno-a-los-fondos-europeos-de-recuperacion-una-mirada-desde-hego-euskal-herria/

  2. Muito bom o texto e toda a reflexão.
    Mas eu vejo que poucas pessoas comentam por aqui ou em outros grupos de militância. E aqueles que comentam, parecem degladiarem entre si, disputando quem fala mais bonito ou possui maior conhecimento. E não propõem soluções. Ou quando apresentam alguma ideia, a faz com uma linguagem complexa.
    Acredito que muitos que buscam uma Revolução no nosso país, ao se depararem com textos e reflexões muito longas, desanimam. Vivemos em um país em que a grande maioria das pessoas mal sabem interpretar um texto, não conhecem a história do próprio país nem do mundo, muito menos alguns (ou muitos) conceitos, por exemplo, keynesianismo, aparelhamento do estado, etc. Ao meu ver, na minha humilde opinião, a direita ganha mais adeptos pelo fato de usar linguagem mais simples e direta. Usam palavras de ordem, memes, linguagem informal. A esquerda parece inacessível, nesse sentido. A impressão que dá é que ser de esquerda é algo erudito. Sinto que as pessoas buscam por uma liderança que fale a linguagem delas. Precisam de ideias, organização, ação. Precisamos agir e depressa.
    Seguimos na luta, camaradas!

    1. Concordo! Eu amo o trabalho do revolucionário “Chavoso da USP”. Ele foca completamente nas grandes massas, ele é da periferia e sabe comunicar bem, canalizar a revolta produzida em meio a tantas injustiças, enfim… excelente!

  3. Sobre o fragmento do texto

    “A ofensiva burguesa no contexto de uma guerra de classes nunca foi tão sólida. Por que é possível tal situação? Por que, em meio à imensa crise, a crescente miséria e exploração, as classes populares não contestam o governo e tampouco manifestam rebeldia nas ruas?

    A resposta fácil é a pandemia.

    Não há dúvidas que a necessidade de isolamento social diante da política oficial criminosa do governo produziu seus efeitos. Mas não se pode atribuir tão somente à crise sanitária as dificuldades reais de mobilização e protesto popular contra o governo. Há razões mais profundas que dizem respeito à situação da esquerda no Brasil e o passivo que carrega. Tampouco devemos ignorar a natureza específica da crise que sofremos.”

    Não consigo deixar de pensar na dialética Hegeliana do senhor e do escravo. Em seus inúmeros momentos, ocorre que a consciência dominante sobrepõe sua vontade à consciência dominada a ponto desta perder a noção de que é, elá própria, uma consciência, um ser-para-si, E NÃO LUTAR POR-SI. Nesse ponto, a consciência dominada, acaba, tragicamente em função do poder e força social da consciência dominante, assumindo para-si a consciência do dominador (ATÉ PQ ELES TEM A GLOBO E DÉCADAS DE UMA CULTURA DE DOMINAÇÃO SOBRE A CONSCIÊNCIA DA CLASSE TRABALHADORA). A consciência dominada sabe o que lhe acontecerá se contrariar a consciência dominante. Ela tem medo. É um ser-aí que acaba por aceitar a ideologia proposta pela consciência dominante.

    Ps: sou seu aluno no curso livre do IELA e Hegel é fundamental para entendermos nossa sociedade. Abraços

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