A atualidade da Revolução Brasileira
A sociedade brasileira vive uma verdadeira guerra de classes. Guerra declarada pela classe dominante, que bombardeia diariamente o povo brasileiro sem encontrar grande resistência. Refém do projeto conciliatório e desarmados ideologicamente, os setores populares encontram-se em completa desorientação e são incapazes de reagir e apontar qualquer saída ao povo brasileiro. O contra-ataque só se mostra possível mediante um acerto de contas com o passado.
Esta guerra de classes contra o povo começou entre 2014 e 2015, quando Dilma abriu a primeira fase do “ajuste fiscal” e colocou restrições de acesso ao abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso, pensão por morte e auxílio-doença, tudo isso acompanhado do maior corte de gastos da história do país, que paralisou a economia e deu o gatilho para a escalada do desemprego. Em 2016, a artilharia de Michel Temer veio ainda mais reforçada, com o congelamento de gastos sociais por 20 anos, o fim do regime de previdência pública e a virtual supressão das leis trabalhistas. Está em curso a operação que desvia mais ainda a riqueza nacional diretamente para o bolso dos capitalistas, proprietários dos cartéis da corrupção que comandam o país. Combinados, o programa de Dilma/Temer dos últimos 3 anos produziu colossal massa de miseráveis no Brasil.
O pretexto para realizar estes ataques aos trabalhadores é a crise. Nela cabem os mais cândidos discursos republicanos e a preocupação com o futuro do país por parte dos políticos profissionais. No entanto, sabemos que não há dois Congressos: os deputados e senadores que votam sistematicamente o enforcamento da classe trabalhadora são os que mostraram suas vísceras à população na fatídica votação do processo de impedimento de Dilma Rousseff. Trata-se de um parlamento corrupto e na sua maioria absoluta identificada com os ricos (latifundiários, banqueiros, industriais e comerciantes). Enfim, um parlamento dominado pela classe dominante. Até mesmo o sujeito mais distante da vida política sabe que o Congresso Nacional é, nas condições atuais, um verdadeiro covil de ladrões, sem a menor autoridade moral para votar qualquer matéria de interesse público.
Michel Temer, o atual presidente, foi colocado na linha de frente num compromisso do PT/PMDB pela classe dominante para gerenciar a artilharia pesada dos financiadores de campanhas, dos sonegadores de impostos, dos políticos e empresários investigados pela Polícia Federal e dos rentistas do sistema financeiro contra o povo.
A gravação das conversas entre Sérgio Machado e Romero Jucá nos lembra que a guerra contra a classe trabalhadora não pode prescindir de um pacto com o Supremo Tribunal Federal. A suspeita morte de Teori Zavaski enquanto viajava num jatinho com um empresário-réu no STF e a escolha de Alexandre de Moraes para a mais alta corte do país não deixam dúvidas de que o poder judiciário está blindado à com a podridão da política brasileira. Muito menos deve-se alimentar esperanças de que um grupelho de promotores do Ministério Público Federal possa realmente ser capaz de “passar o país a limpo”.
O fato é que o sistema político brasileiro se mostrou incapaz de renovar-se e de oferecer respostas satisfatórias à crise atual. Esgotou-se a capacidade de reorganizar um pacto de classes, aliado ao fato de que os três poderes estão atravessados pela corrupção, e pelo aprofundamento do caráter de classe do Estado. As acusações de corrupção estão bem documentadas na maioria dos casos. Trata-se de uma crise terminal deste sistema político. Como tal, não passa de ingenuidade pensar que um novo processo eleitoral seja capaz de recuperar automaticamente a legitimidade do sistema diante das massas. A natureza específica da crise atual exige um contra-ataque que deve ir além dos limites praticados pelas classes subalternas até o momento.
A gravidade do momento tampouco nos permite aceitar novas ilusões e oportunismos. Preocupado em garantir cargos nas Mesas Diretoras, Lula flertou com o apoio a Rodrigo Maia e Eunício de Oliveira para as presidências da Câmara e do Senado. Sugeriu que se abandonasse o discurso contra o golpe e, numa insuperável demonstração de sua vulgaridade política, deu conselhos ao corrupto Michel Temer durante as visitas da comitiva presidencial após a morte de Marisa Letícia. O que era “Fora Temer” foi desautorizado por Lula e convertido em: “Me chama, Temer”. Como parte integrante e personagem central, metido até as vísceras com um sistema político apodrecido, Lula jamais poderá representar a sua redenção.
O Brasil enfrenta uma encruzilhada em sua história. É uma batalha pela soberania nacional: permaneceremos controlados por um pequeno grupo de interesses completamente alheios aos da maioria do povo? Com a crise, abriu-se um espaço para o radicalismo de esquerda como há muito não existia no Brasil: é chegada a hora de substituir um sistema político falho e corrupto, por um governo de compromisso e vocação revolucionários.
As grandes nações do mundo nunca se furtaram a passar por processos revolucionários. Os países hoje avançados foram os que tiveram coragem para incluir capítulos revolucionários em suas histórias, cujas classes subalternas disputaram o protagonismo dos processos políticos nacionais.
O Brasil não faz parte deste clube. Por aqui, as grandes transformações sociais sempre ocorreram sob a bandeira da prudência e da conciliação. Foi assim para a Independência, mantendo a família real portuguesa no comando da nação; foi assim para a abolição da escravatura, só libertando os negros por completo quando já se havia importado o número suficiente de europeus e já se havia garantido que os futuros ex-escravos não teriam acesso à propriedade; foi assim para sair da ditadura civil-militar, com uma inaceitável lei de anistia que equiparou torturadores e torturados na hora do perdão. Transições levadas a cabo pelo comedimento e o bom comportamento para que sempre predominasse a velha máxima: mudar algo, para que tudo permaneça como está.
A recompensa pela cautela brasileira na hora de promover grandes transformações sociais nunca foi além de um misto de simpatia e compaixão mundial. Por aqui, a classe dominante sempre alimentou o mito de que nosso exemplo de conduta cordial e diplomática nos levaria, naturalmente, ao rol das grandes nações desenvolvidas do mundo. Assim aguardamos desde sempre a concretização do surrado e idealista bordão: “Brasil, o país do futuro”.
Aos desavisados e irritantemente pacientes com o ritmo lento do desenvolvimento do subdesenvolvimento brasileiro, um recado: não há rigorosamente nada que assemelhe o passado dos países de capitalismo avançado ao presente da periferia capitalista. Por consequência, não há como esperar que o presente destes países possa ser, sob estas as mesmas circunstâncias, o nosso futuro.
Nesta encruzilhada histórica, a única saída é criarmos nosso próprio caminho. É urgente rompermos com os modelos do passado e abrirmos nós, brasileiros, um novo capítulo na história mundial. Caminho que passe pelo que há de positivo na experiência universal, certamente. Mas que, como expressão de maturidade política, saiba dizer não aos velhos esquemas de desenvolvimento importados de fora, que em nome de um universalismo abstrato negam o caráter nacional das diversas revoluções da história mundial.
Não podemos mais assumir postura meramente defensiva e nos tornarmos cativos da trincheira. É hora de sair e tomar a bandeira do inimigo. O rompimento com o marasmo coletivo e o fim do hiato que separa o Brasil potencial do Brasil real passa, necessariamente, pela Revolução Brasileira.
Dissipando ilusões
Os últimos 13 anos representaram enorme retrocesso político e organizativo para a maioria da população brasileira. O povo, orientado por suas necessidades imediatas, embarcou na narrativa oficial de que os ganhos reais no salário mínimo, a expansão do ensino superior (predominantemente privado), as modestas taxas de crescimento do PIB e uma pretensa respeitabilidade internacional teriam caráter permanente. Subitamente o Brasil se transformara num “país de classe média”. Uma combinação ideológica que inflou a autoestima do Brasil e dos brasileiros permitindo a “paz social” que tanto encanta os capitalistas no país.
Os dados são tão impressionantes quanto ilusórios. O estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República definiu como “nova classe média”, os indivíduos com renda per capita entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00. Portanto, não é demais dizer que nem mesmo Lula, Dilma ou seus lacaios burocratas que formularam o novo conceito gostariam de pertencer à nova classe média brasileira. Além do mais, não existe a menor possibilidade de uma nação se sustentar como país de classe média com consumo de massas quando os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam que 80% da População Economicamente Ativa do país ganha até 3 Salários Mínimos, o que totaliza pouco mais de R$ 2.800,00, enquanto o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, deveria ser de aproximadamente R$ 4.000,00. Enfim, onde comanda a superexploração é impossível qualquer vestígio de cidadania!
Para além dos méritos de um governo com o mínimo de sensibilidade social, o efeito passageiro da elevação da renda da terra vivida até 2013 foi resultado de um momento excepcional do comércio internacional. Como é típico de países que não viveram processos revolucionários, a expansão econômica não alterou a relação entre economia, Estado e classes sociais. Na verdade, ocorreu o contrário: do ponto de vista político, os cargos estratégicos que Lula e Dilma concederam a personagens como Edison Lobão, Eunício Oliveira, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Kátia Abreu, Moreira Franco, José Sarney e Renan Calheiros só contribuíram para o reforço às velhas oligarquias regionais e ao caciquismo partidário; do ponto de vista econômico, a expansão baseada na renda da terra, comandada pela grande propriedade agroexportadora e o extrativismo mineral fez com que a área ocupada pelo latifúndio no Brasil quase dobrasse, avançando de 128 para 244 milhões de hectares durante os governos petistas; do ponto de vista social, a participação dos 5% mais ricos no total da renda nacional sob a condução do Partido dos Trabalhadores avançou de 40 para 47% , ou seja, a atenção às camadas populares só avançou na medida em que não foi preciso tocar num milímetro do prestígio social, na propriedade e no poder dos ricos do país.
Isto aconteceu porque, durante os últimos 20 anos, o liberalismo brasileiro de esquerda e de direita aceitou, sem contestações, a tese de que o sistema político é regido pelo malfadado “presidencialismo de coalizão”. Em linhas gerais, os partidos da ordem conformaram-se com a ideia de que a política brasileira é inviável sem um amplo acordo com base no congresso nacional, pois a sociedade brasileira seria por demais “complexa” e “diversa”. A “tese” possui clara função ideológica: é a melhor alternativa disponível para sabotar o presidencialismo como regime político e justificar o pacto entre as classes dominantes.
A Revolução Brasileira deve recuperar a força do presidencialismo real, sem coalizão. Não há que alimentar ilusões no parlamento e nas alianças que somente se justificam se realizadas com o povo. Um presidencialismo em que o poder da liderança convoque as massas e de fato altere a correlação de forças em favor das maiorias.