A guerra de classes e o papel dos estudantes e da classe trabalhadora

A sociedade brasileira vive uma guerra de classes e a educação superior sofre grande pressão. Na esteira das repetidas reduções orçamentárias ao Ministério da Educação, desde 2014, nos últimos dois anos de governo Bolsonaro sofremos a maior redução da história, passando de R$120 bilhões anuais para apenas R$75 bilhões, o que representa um rombo de 35% do montante total no período. Na educação superior, somente o chamado orçamento discricionário, que à exceção da folha de pagamento de docentes e técnicos, responde pelo custeio de todas as demais necessidades relativas à manutenção e funcionamento das universidades, foi reduzido em 34%. Universidades renomadas, tais como a UFPE e a UFRJ, soaram o alerta quanto a possibilidade de encerramento total de suas atividades ante a esses cortes.  Tudo isso fruto de um quadro mais amplo da guerra de classes que, instaurada pela classe dominante, tem fulminado todos os direitos da classe trabalhadora. Essa burguesia se articula sem qualquer escrúpulo em torno do governo ultraliberal do protofascista Jair Bolsonaro e aprofunda incessantemente a superexploração da força de trabalho, isto é, promove o rebaixamento de salários e o contínuo processo de degradação das condições de vida da classe trabalhadora. Constata-se ainda o declínio acentuado das condições de acesso ao emprego, renda e segurança no trabalho – o Brasil registra atualmente um dos índices de desemprego mais altos de sua história recente, de 14,4% no primeiro trimestre de 2021, com taxa de informalidade próxima de 40%. Tal condição afeta hoje até mesmo aqueles que conseguem concluir a educação superior, visto que apenas 14,8% desses brasileiros conseguem trabalhar em sua área de formação. A perspectiva de futuro para o estudante universitário nunca foi tão desoladora.

 

Tal dinâmica, de ataques constantes às condições de trabalho, está relacionada com o assalto aos recursos do Estado Brasileiro, através do qual a burguesia vem obtendo sucesso no seu intuito de controlar a maior parte da distribuição desses recursos. Para isso, necessita excluir tanto quanto possível os serviços públicos, especialmente através da funesta PEC 32, para uma “Reforma” Administrativa cujos objetivos únicos são legitimar e aprofundar o aumento da exploração das classes subalternas, possibilitando assim a manutenção dos lucros estratosféricos que garantem a 1% da população brasileira a detenção de 28,3% da renda nacional, e aos 10% mais ricos a de vexatórios 42,5%, índices esses que planejam perpetuar às custas, inclusive, dos 40% mais pobres, que comungam de míseros 10,4% da renda nacional (dados da ONU).

 

É importante ressaltar que os ataques feitos à educação pública se intensificaram com o protofascista, mas não começaram com ele: a rodada de cortes no orçamento da educação iniciaram-se já no segundo governo da presidente Dilma Rousseff, em culminância a uma política orçamentária, fundada desde o primeiro governo petista, por meio da qual se destinavam montanhas de dinheiro público – por meio do FIES e do PROUNI – para monopólios privados de educação (COGNA/KROTON, UNIP, etc.), que ofertam ensino sem nenhum compromisso com o desenvolvimento nacional e de baixíssima qualidade, de modo a que a um só tempo se garantissem enormes lucros a estas empresas enquanto, simultaneamente, inflavam-se os dados estatísticos da administração petista relativos à festejada expansão do acesso à universidade. Isso fica muito claro quando comparamos os números de alunos matriculados em universidades públicas e privadas entre 1996 e 2016. Em 1996, havia 740 mil estudantes matriculados em universidades públicas, e, em 2016, aproximadamente 2 milhões. Já a expansão das vagas nas universidades privadas foi extensamente maior, passando de 1,1 milhão de estudantes matriculados em 1996 para 6 milhões de estudantes 20 anos depois, situando-nos na posição absurda de que os 5 maiores monopólios de educação do país somem mais alunos do que todas as universidades públicas do país juntas, ao passo em que, hoje, a emergência da pandemia nos faz saltar aos olhos a debilidade de nossa produção em ciência e tecnologia, para cujo custeio não houve interesse ou orçamento.

 

Na tentativa de dotar de alguma legitimidade essa evidente tendência à privatização do ensino superior público, os governos da conciliação de classes venderam a ideologia da ascensão individual, associada à narrativa da “nova classe média”, pelas quais o diploma figuraria como a garantia de uma vida digna, sem que se fizesse necessário tocar nos nervos do capitalismo dependente brasileiro, dentro e fora da universidade. Na mesma toada, renova-se a ideologia do “empreendedorismo”, buscando justificar a exploração crescente da juventude, o fim do contrato de emprego e a falta de perspectivas em um mercado de trabalho, com absoluta ausência de perspectiva de futuro.

 

 

Qual o papel dos estudantes e da classe trabalhadora nesse cenário

A tarefa dos estudantes é colocarem-se ativamente na luta de classes, dentro e fora da universidade, como sujeitos ativos no processo de ruptura com a dependência e a superexploração da classe trabalhadora. Apenas nós, como futuros trabalhadores, podemos atuar na construção de uma nova universidade, que seja fundada e orientada pelos interesses dos trabalhadores, com acesso universal. Ora, sendo a universidade, de fato, peça de um sistema de dominação sobre as classes populares, não há qualquer interesse da burguesia rentista senão o de restringir ainda mais o parco acesso atualmente existente, estrangulando seu orçamento e reduzindo, assim, ainda mais, o papel das universidades públicas, cedendo sempre mais espaço para os monopólios privados de ensino e pesquisa, que como se verifica historicamente atendem a interesses capitalistas, mercadológicos, não guardando compromisso algum com a promoção de cultura, ciência e tecnologia que atendam aos interesses nacionais, quais sejam, os interesses da classe trabalhadora.

 

Ao longo de 2019, o movimento estudantil reagiu às primeiras medidas de Bolsonaro de uma maneira curiosa: depois de uma trajetória de desmobilização crescente gerida por uma UNE burocrática, que atua como uma trava para a luta dos estudantes, o movimento se reacendeu em nível nacional após o anúncio de cortes no orçamento da educação feito pelo então Ministro Weintraub, resultando na convocação de um grande ato no dia 15 de maio de 2019, batizado de “Tsunami da Educação”. Estas mobilizações contaram com uma adesão importante e massiva dos estudantes, se constituindo, em tal sentido, como momento histórico para o percurso da mobilização estudantil. Entretanto, o movimento não conseguiu se constituir com fertilidade política, sempre se resguardando à mobilizações não propositivas e que sigam as construções burocratizadas da UNE e demais associações estudantis. O programa FUTURE-SE, atualmente já aceito e dado como fato, a recusa pelas mobilizações nacionais e massivas e o abandono das construções conjuntas de pautas estudantis e proletárias são todas características da insuficiências que estudantes e trabalhadores brasileiros atualmente vivenciam.

 

O movimento estudantil de hoje, da maneira como ainda se coloca e se deixa levar de acordo com os manejos da burocracia da UNE, não consegue colocar em perspectiva um avanço verdadeiro, um projeto novo de universidade. A partir dos cortes orçamentários perpetrados por Bolsonaro, parecia que, subitamente, a universidade havia sido jogada em um cenário catastrófico, fruto dos caprichos pessoais de um presidente reacionário. Mesmo essa leitura sendo ainda endossada pelos mais diversos setores políticos do movimento estudantil, o projeto, operado agora por Bolsonaro, não é mais do que a continuidade das políticas privatistas geridas por todos os governos petistas e tucanos desde a redemocratização, quando da permissão de ingresso de capital privado nas universidades públicas, nos anos 90, seguida da explosão de matrículas no ensino privado, amparadas por recursos que eram retirados do orçamento das universidades públicas –  verdadeiro caráter dos programas PROUNI e FIES, dos governo Lula e Dilma. Por mais que continuemos a gritar “Educação não é mercadoria”, a educação foi gerida como mercadoria ao longo dos governos de conciliação de classe, tanto com FHC, Lula ou Dilma, quanto nos governos ultraliberais de Michel Temer, e agora com Bolsonaro. É mais grave do que um processo de precarização, é um processo de privatização e limitação do acesso ao ensino público, os dois processos ocorrendo conjuntamente.

 

Bolsonaro apenas intensifica uma lógica que já estava dada antes dele, apesar de a militância estudantil agir como se suas ações fossem uma assustadora novidade, se apegando, sem a menor crítica, a um passado idealizado de “uma universidade aberta para todos e garantidora da democracia e do pensamento crítico” que nunca existiu. Não fazem perceber que, no modelo universitário que foi tocado até agora, a massa da população brasileira, dos trabalhadores, da população negra, é minoria dentro deste espaço (ainda que obtenham acesso, se deparam com uma assistência estudantil que lhes apresenta moradias estudantis e os restaurantes universitários em absoluta precariedade, além da ausência ou ineficácia de programas de permanência), e continuará sendo minoria enquanto ainda houver ferramentas que barrem o acesso desses grupos ou limitem as vagas ofertadas, como é o caso do Vestibular. Mesmo com as políticas de cotas, as vagas ofertadas para esses grupos, historicamente excluídos do acesso ao ensino, continuam sendo mínimas.

 

Ademais, além da necessidade do acesso ao ensino, temos que pensar em qual universidade a população deve se inserir: a quais interesses a atual universidade responde? Como ter liberdade de pesquisa, e de crítica, se as mesmas são condicionadas pelo financiamento por fundações privadas? Como falar de “manutenção do pensamento crítico” quando o maior objetivo da aristocracia acadêmica, com grande parte dos professores, é o da perpetuação das suas carreiras, da reprodução de ideais políticos afastados das necessidades da população, e da publicação em revistas ditas “internacionais”, que lhes conferem o prestígio que mais lhes importa do que o desenvolvimento científico de sua comunidade e de seu país? Temos assistido, por outro lado, ao rebaixamento súbito e crescente das condições do trabalho do corpo funcional das instituições de Ensino Superior, inclusive do trabalho dos docentes, que sob a ameaça da “Reforma” Administrativa proposta pelo governo, vêm prestando serviço extenuante, em volume majorado, enfrentando a absurda situação de arcarem individualmente com os custos e instrumentos de trabalho à Administração Pública, serviço esse aliás para o qual sequer foram contratados ou puderam ter adequado treinamento, ministrando aulas que via-de-regra são gravadas pela instituição de ensino, com prejuízos inclusive ao resguardo de seu direito intelectual e de imagem, além da naturalização da invasão de sua residência e vida privadas. A nós estudantes cabe perceber, ao lado dessa categoria, os limites estreitos que a nossa universidade tem se imposto na luta e na proposta da universidade que queremos.

 

 Neste sentido, ao movimento estudantil não cabe a defesa da universidade que está posta, mas a consolidação de um novo projeto. Um projeto que seja dinamizado pela dura realidade brasileira, e que não pode se limitar a discursos simplistas de mera ampliação do ensino, sem questionar sua própria base, pois é esta que alimenta os problemas todos que enfrentamos. Por isso a Revolução Brasileira afirma a necessidade de superação desta universidade e de uma nova dinâmica para a militância estudantil. Se o movimento estudantil continuar na eterna lógica da “resistência”, nunca conseguirá tocar de fato nas origens dos nossos problemas e propor um novo modelo de universidade, e neste processo o papel dos estudantes é essencial! Historicamente, o setor mais atuante e combativo da Universidade foi/é o estudantil, pois são os estudantes aqueles que reúnem as condições de impor uma nova radicalidade.

 

Nossa luta hoje é por saber como amalgamar as problemáticas não só do atual fracasso do ensino remoto, mas do fracasso de um modelo de universidade brasileira que é profundamente excludente, elitista e alienante. A proposição da Revolução Brasileira é a luta pela Universidade Necessária. Não será uma luta fácil, pois nosso combate é pela revolução. A universidade está intrinsecamente ligada à sociedade na qual ela se desenvolve, e não pode superar os limites desta, donde sua crise é nada além da própria expressão da crise da sociedade brasileira, de tal forma que a construção de uma nova universidade depende de nossa disposição por construirmos uma nova sociedade.

 

Por isso, é fundamental a construção da unidade entre os trabalhadores e estudantes na luta em torno desse projeto de ruptura com esse modelo de universidade e com a lógica do capitalismo dependente que condena nosso povo as mais cruéis consequências do subdesenvolvimento.

 

Tal como a crise da universidade não se resolve somente com a devolução das verbas cortadas, a luta estudantil não pode deixar de participar ativamente das mobilizações, sendo imprescindível que compreendamos que a luta não se encerra no dia 29/05 e outros atos e passeatas: é fundamental que as mobilizações se estendam até o recuo total das intenções privatistas de Bolsonaro, com o estabelecimento de condições propícias – sanitárias e financeiras – para o retorno das atividades presenciais para toda a rede de ensino. Para isso, o movimento estudantil de todo o país tem que superar o etapismo protocolar de suas burocracias e não cessar de organizar as suas bases, fazendo do desdobramento das lutas atuais o estopim para as lutas futuras.

 

Ao passo que, para a classe trabalhadora brasileira, é necessária a saída da consciência ingênua que guia a maior parte das organizações supostamente “à esquerda”, pautando-se pelas exigências máximas que se contrapõem ao assalto ao Estado. Desse modo, é necessário a mobilização massiva contrária às privatizações, que são capitaneadas pelos ultraliberais, dos Correios e Eletrobrás, por exemplo, assim como em apoio aos movimentos grevistas que surgirão ao longo da candente guerra de classes e, não obstante, convocando e se somando à classe trabalhadora em direção ao processo revolucionário brasileiro, tomando por princípio que o 29/05 representa a volta das massas às ruas após grande período de imobilismo por conta do COVID-19 e, justamente por isso, deve apresentar como pontos necessários de reinvindicação o fim das ilusões, a radicalidade necessária e o FORA BOLSONARO. Tais bandeiras são as que devem guiar os revolucionários no próximo ato, assim como as demais lutas políticas que se seguem na conjuntura contrarrevolucionária que estamos inseridos.

Convocamos os estudantes e classe trabalhadora para se somarem ao protesto popular no dia 29/05 e para se organizar com a Revolução Brasileira na luta pela universidade necessária, pelo fim das ilusões e pela organização da classe trabalhadora com as pautas máximas de nosso processo revolucionário!

 

 

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