Tese da Revolução Brasileira para o 7º Congresso Estadual do Psol

Tese estadual da RB para o congresso partidário

  

Introdução:

A barbárie brasileira destrói tudo o que era sólido, desde as ilusões de integração dos trabalhadores à cidadania até o suposto caráter social da república. Com centenas de milhares de mortos e um acentuado grau de pobreza e carestia, os partidos e organizações hegemônicos na esquerda são incapazes de liderar a luta popular; desde a luta contra a fome até a reivindicação de destituição de Bolsonaro o papel dirigente é reservado aos grandes monopólios midiáticos e à franjas da pequeno burguesia. Ao contrário do que pensa a mente parlamentar acomodada, a força de um processo eleitoral não pode reverter os caminhos tomados na luta de classes no Brasil, e tampouco um ascenso popular será levado a cabo sem uma profunda virada política e programática. O PSOL em Santa Catarina enfrenta esse mesmo desafio: ou acertar contas com a direção liberal de esquerda e cumprir as tarefas que a história nos impõe, ou ver o povo catarinense perecer enquanto busca protagonismo eleitoral na Capital.

 

A unidade e a ofensiva burguesa

Uma das questões fundamentais para a esquerda brasileira em geral, e o PSOL em particular, é hoje acerca do grau de unidade programática no interior da burguesia. Tomando as coisas em perspectiva, a tendência primordial da luta de classes no último período é clara: tomando para si o papel de gerência da acumulação capitalista e da aplicação das políticas públicas compensatórias, o PT perde seu vigor com o levante popular espontâneo de 2013, sendo incapaz de liderar a luta pelas reivindicações populares e  hesitante na aplicação da repressão policial, a burguesia brasileira percebe a necessidade de uma nova direção para tocar seu programa de ajuste e austeridade. Não que os petistas enfrentassem a linha burguesa, mas sim que eram insuficientes na velocidade e na profundidade exigida pela crise mundial. Combinando o desgaste eleitoral, manobras parlamentares, midiáticas e jurídicas, o que é a regra no jogo duro da democracia burguesa, a direita brasileira termina destituindo Dilma e construindo a coalizão privatista e lesa-pátria sob o comando de Michel Temer. Apostando na vitória eleitoral de 18, os petistas desarmam o povo e a si mesmos, preparando o terreno para o próximo elo da ofensiva burguesa: o Governo protofascista e ultraliberal de Bolsonaro. Este último ganhava popularidade agitando a insatisfação popular contra a república burguesa, boicotando debates e etiquetas eleitorais, ao passo que se comprometia com a aplicação do programa da grande burguesia. Desde o ascenso de Bolsonaro as direções e os parlamentares de esquerda iniciaram sua cruzada em busca da cisão no seio da burguesia: desde o vazamento das conversas de Moro e sua saída, até qualquer simples troca ministerial, o alarde era sempre de uma crise no seio do governo. Na pandemia então, a já surrada tese foi agitada aos quatro ventos, ao passo que uma matança genialmente organizada foi operada sem resistência organizada.

Nós entretanto alertamos desde o início desse período: vigora na burguesia brasileira uma profunda unidade política. O primeiro dado dessa coesão se dá no terreno da acumulação de capital, expresso pelo consenso geral com o programa econômico das reformas estruturais. Do ajuste fiscal de Dilma, até a PEC do Corte de Gastos de Temer, da agenda de privatizações de Guedes até os 35 pontos de pauta imediatamente apresentados ao novo presidente da Câmara, Arthur Lira, não há divergências sobre a necessidade de aprofundar a superexploração da força de trabalho, a dependência em relação aos centros imperialistas e o papel agroexportador da burguesia brasileira no mercado mundial. A despeito de discordâncias no baixo clero, supor uma divisão entre neoliberais e desenvolvimentistas é uma impostura ingênua e impotente.

O segundo dado fundamental é no terreno político, precisamente na organização do aparato repressivo e da burocracia civil do Estado burguês brasileiro, a atuação consciente das cúpulas da burguesia é consensual. Do aumento prático da violência policial contra periferias, movimentos camponeses, grevistas, estudantes em movimento, parlamentares de esquerda, até a discussão no Congresso de uma nova legalidade jurídica que permita a repressão de “inimigos internos”, a tendência é uma e só uma: aumentando o grau de superexploração e o exército de reserva, os carrascos sabem que precisam de um salto de qualidade na repressão armada, em direção a decapitação e a desarticulação de organizações com pé, mesmo que apenas um, na classe operária. Não há nenhum precedente histórico na América Latina, ou algum fato conjuntural, que demonstre que a burguesia irá vacilar nesse terreno. Supor a fissura entre uma fração democrática burguesa e outra ditatorial, é também uma impostura mortal e oportunista.

Também nas questões relacionadas ao trato com a pandemia, não podemos confundir mudanças táticas com rupturas de unidade. Isto é, quando os grandes capitalistas brasileiros e seus homens de Estado decidiram pela imunização de rebanho, quer dizer, pela lógica de deixar morrer, estes aplicaram essa medida com êxito completo, e quando recentemente optaram pela vacinação geral não há senão pequenas rusgas ditadas por interesses pessoais do covil de ladrões. Também foi assim na questão do auxílio emergencial e da eleição do presidente da câmara de deputados. A especulação sobre crise do “bolsonarismo” e outras do mesmo tipo tem nos levado a derrotas em todos os terrenos. Supor a divisão entre negacionistas e defensores da ciência é se afastar da análise correta da política das classes dominantes como o diabo se afasta da cruz. Compreender a coesão burguesa na luta de classes hoje é a primeira tarefa dos socialistas consequentes.

 

A esquerda liberal e os riscos de liquidação do PSOL:

O PT se consolidou como direção efetiva da esquerda brasileira ao recolher a parte do leão do saldo das lutas operárias no período de redemocratização, e ao se consolidar dá liga às concepções políticas que educaram a última geração, isto é, as teses do liberalismo de esquerda. Em uma palavra, o programa histórico das reformas estruturais e da revolução social são apagados em detrimento das políticas públicas assistenciais, de extração católica, e da disputa eleitoral. O PSOL nasce como divergência parlamentar de esquerda, especificamente quanto à aplicação da reforma da previdência, e desde então encara a tarefa de consolidar uma nova direção política dos trabalhadores brasileiros, tarefa essa que ainda não logrou cumprir. Acontece que as concepções liberais de esquerda continuam encontrando eco nos dirigentes e parlamentares do partido, e com maior desinibição desde a volta da viabilidade eleitoral de Lula. Nas figuras de Boulos e de Freixo temos esse retrato fiel na cúpula, e na predominância do tema eleitoral e da luta por causas atomizadas entre os militantes temos o resultado dessa educação política nas bases. Agora, com o ritmo da luta de classes elevado ao quadrado, a adesão à frente eleitoral petista significará a derrota do PSOL em sua mais alta tarefa histórica, e efetivamente será a liquidação do partido, de seu programa e da sua, ainda que incipiente, organização. Aqui em Santa Catarina, dada já a inexistência do PSOL como partido estadual, as tentativas frentistas e eleitorais, ainda que mascaradas como unidade antifascista, podem transformar em pouco tempo nossa organização em um cadáver mal-cheiroso, como Rosa chamou a Segunda Internacional. Para os militantes consequentes do PSOL em Santa Catarina compreender a necessidade de uma luta sem quartel contra o liberalismo de esquerda em geral e contra a direção majoritária em particular, como passo necessário da construção partidária, é o segundo passo.

 

O PSOL no Estado: sigla eleitoral ou partido socialista?

Justamente pela concepção liberal da direção majoritária e pela sua acomodação parlamentar é que enfrentamos graves problemas de organização. A rigor o PSOL só existe como frente eleitoral legal em Florianópolis, e não como um partido político socialista dos trabalhadores catarinenses. Vejamos que a inserção sindical do partido, tanto nas agroindústrias catarinenses e nos setores do funcionalismo público como em todos os outros, é reduzida, senão nula, e confinada ao marco do trabalho artesanal de cada militante, sem um efetivo plano centralizado. Também no terreno da formação política dos militantes e filiados não existe um centro que organize essa ação em todo o Estado. O número de diretórios municipais é raquítico, e os que existem agem por sua conta e risco sem orientação da direção majoritária. Ainda no terreno eleitoral, todas as empreitadas do partido em 18 levaram à derrota, quando não ao total fracasso, da chapa própria em Chapecó, passando por Joinville, até a “exemplar” frente ampla na capital.

Em face da deficiência da organização do partido é preciso fazer uma observação fundamental: não se trata de questão de “vontade” política de tal ou qual militante, de uma ou outra corrente, o problema primordial, que atinge do litoral até o interior, é a predominância da concepção eleitoral e a ausência de uma leitura da luta de classes no Estado. Portanto, as sedutoras tentativas de “construção pela base” são, e continuarão sendo, incapazes de garantir rumos sólidos para a organização de um partido militante em Santa Catarina. Tampouco um programa de medidas revolucionárias redigido em gabinete resolverá a nulidade política do PSOL no conflito social. Como terceira tarefa necessária para a construção partidária real se coloca a substituição da direção majoritária, e principalmente uma nova educação política para o conjunto da militância: só é possível avançar superando o desarmamento programático, só é possível avançar teorizando e organizando as forças vivas de uma ruptura revolucionária.

  

Entre o programa e a situação concreta

A luta de classes hoje no Brasil se define por uma combinação que não cansamos de frisar: a unidade política dos grandes capitalistas no seu programa, o desarme, a incapacidade e as ilusões do liberalismo de esquerda hoje hegemônicos, e ao passo disso a concentração do capital e o aumento da proletarização das camadas populares, da pauperização, do grau de superexploração da força de trabalho e do exército de reserva manifesto na taxa de desemprego. O espaço para saídas conciliatórias está fechado tanto para dominantes como para subalternos, um programa de ruptura revolucionária é a exigência para quem quer, e deve, organizar a luta popular, tanto por reivindicações imediatas como em direção ao objetivo socialista. Entretanto, um programa não é um amontoado de frases e palavras de ordem revolucionárias perfeitamente organizado, e sim uma compreensão comum das causas e das soluções dos problemas sociais no Brasil. O programa revolucionário depende sempre então do grau de unidade política das organizações dos trabalhadores. Logo, apresentar supostas soluções sem uma profunda e efetiva cisão com as concepções e os grupos que nos levaram até aqui é uma atitude simplória, ingênua e falsa. Todo grupo que oferecer um basismo difuso e incoerente brinca com o gigantismo das tarefas que a história nos coloca, igualmente brincam os que pensam que uma substituição formal da direção majoritária baseada em cosmética revolucionária pode resolver as deficiências do partido em Santa Catarina. Para colher os frutos do futuro é preciso enterrar os fantasmas do passado, e essa é uma tarefa que os militantes catarinenses estão a altura de fazer. Rechaçar a redução da luta política a disputa eleitoral, combater a atomização da luta popular em causas isoladas, romper com as ilusões parlamentares e a busca por mandatos, compreender os traços fundamentais da luta de classes no Brasil e as tarefas de organização do Partido em todas as linhas, esse é o único caminho seguro para o PSOL em Santa Catarina.

 

A classe dominante em Santa Catarina

O capital privado, para recompor sua massa e taxa de lucro, se refugia no Estado capitalista e em suas receitas. Em Santa Catarina o quadro da relação entre Estado e burguesia é cristalino: os grandes monopólios agroindustriais, comerciais e financeiros, assaltam o tesouro público via gigantescas renúncias fiscais. Até mesmo a equipe de governo de Moisés foi impelida a reconhecer e denunciar a farra das renúncias na TV aberta. Não por compromisso com os trabalhadores e com os serviços públicos é claro, a denúncia decorreu da própria relação de força. Isto é, o notável desconhecido que era o comandante Moisés surfou na onda eleitoral do “17”, galgando seu caminho o Governo Estadual, entretanto ao entrar nesse terreno não o fez com quadros políticos próprios e experimentados no jogo burguês, e sim por favor e interesse da representação apodrecida reunida nos partidos da ordem. Sem partido e quadros próprios que viabilizassem boa relação com a grande burguesia, sufocado pela promessa de “mudar tudo o que tá aí", enfrentando eleitoralmente os caciques da política catarinense e sob ameaça de um movimento grevista do funcionalismo público, foi empurrado para a única forma de conseguir recursos financeiros estatais em Santa Catarina: tocar nas renúncias fiscais. É essa a lógica do movimento que fez seu Secretário da Fazenda, Paulo Eli,  comprar a briga pela revisão das renúncias fiscais, e é a reação dos grandes capitalistas via seus lacaios parlamentares que deu sustentação ao processo de impeachment, e não o tema do crime de responsabilidade. O que nos interessa compreender aqui é que longe de uma crise burguesa, vemos de novo a unidade em defesa do programa de assalto ao Estado, manifesta no recuo de Moisés nesse tema e na saída conciliatória organizada.

De novo aqui o PSOL cumpriu um papel de nulidade. É claro, sem um programa com corte de classe que enfrente os grandes monopólios e o tema das renúncias fiscais, foi e é impossível fazer uma oposição consequente em toda a linha, e principalmente é impossível dirigir e organizar os trabalhadores descontentes, oprimidos e explorados. Ainda que não tivéssemos representação parlamentar estadual, a direção majoritária do Partido sequer orientou o conjunto da militância enquanto a burguesia catarinense se sentia à vontade o suficiente para discutir sobre os temas da direção do governo e do assalto ao bem público. Mobilizar e organizar os trabalhadores e a juventude, centralizar em um só plano os temas da formação política, da linha sindical e da expansão da organização para todo o Estado, responder ao programa de corte, privatização e austeridade da direita catarinense; todas essas tarefas só podem ser cumpridas mediante a ruptura com as ilusões que nos trouxeram até aqui. Temos confiança de que os militantes sérios e consequente de nosso Partido saberão se livrar das correntes do passado, não irão se deixar dirigir por arrivistas e demagogos, e irão compreender que o futuro só pode ser construído pelo exercício rigoroso da crítica.

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