A mídia burguesa, o Banco Central e essa máquina de moer gente chamada Brasil

 No último dia 13, um dos programas de entrevistas mais renomados da televisão brasileira, o Roda Viva, transmitido pelo canal Cultura, convidou o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para uma sabatina. As perguntas, em sua maioria, giravam em torno da tão comentada “autonomia do Banco Central”, medida proposta pelo governo Bolsonaro e aprovada sem hesitações pelo Congresso Nacional e validada pelo STF. Na bancada, jornalistas das principais empresas de mídia do país, além de supostos especialistas nos assuntos econômicos. Quem olhasse de relance poderia pensar se tratar de um time inegavelmente gabaritado para a condução de uma entrevista tão importante como aquela.

 No entanto, como tudo no Brasil é definido e decidido a partir dos interesses da classe dominante, é de se imaginar que um assunto aparentemente espinhoso e complexo como esse não fugisse à regra. De fato, o que aconteceu naquela segunda-feira foi uma grande propaganda ideológica disfarçada de jornalismo, cujo objetivo era manufaturar a opinião pública a favor da tal autonomia do BC, e ocultar a inconveniente verdade sobre essa instituição, que não passa de um sofisticado e eficiente mecanismo de apropriação da riqueza produzida pela massa trabalhadora pelos bolsos insaciáveis da burguesia.

 E o momento não poderia ser mais propício! A entrevista ocorre algumas poucas semanas após o presidente Lula fazer críticas abertas à autonomia do BC, à altíssima taxa de juros praticada pela gestão de Campos Neto e ao excesso de freio fiscal praticado pelo Brasil nos últimos anos. Nesse sentido, poderíamos até pensar que a função do jornalismo atento é pautar as questões mais relevantes da atualidade, as mais discutidas, e fornecer à sociedade um recorte imparcial da discussão, permitindo livre acesso à informação e a livre formação de opinião por parte do público. Entretanto, a tão aclamada liberdade de imprensa é algo tão fictício quanto a própria ideia de autonomia de um órgão como o Banco Central de um país (sobretudo um país periférico). Liberdade e autonomia de quem? Para fazer o quê? Sob quais condições? A serviço de quem? Essas perguntas nos ajudam a compreender mais a fundo o que está, de fato, em disputa no Brasil.

 O Banco Central do Brasil, instituição criada no primeiro ano da ditadura-empresarial-militar(1964-1985), é considerado a maior autoridade monetária do país, responsável pelo controle da emissão da moeda, definição da taxa básica de juros, controle da inflação, além de, supostamente, ajudar a promover o desenvolvimento econômico do país. É evidente que uma ferramenta tão poderosa quanto essa é capaz de produzir grandes danos ou importantes benefícios, a depender de quem as controle. Em um país atravessado por uma cruel e permanente luta de classes, é inevitável que o Banco Central seja totalmente dependente e apropriado pela burguesia, para impor à classe trabalhadora seus termos, suas políticas, suas prioridades.

 Até aqui, há pouca novidade: os próprios trabalhadores sabem muito bem que todas essas instituições políticas e econômicas, por mais complicadas que pareçam, existem, no fim das contas, para que os ricos continuem lucrando às custas dos mais pobres. A sabedoria popular é mais sábia do que qualquer engravatado desses aí. Todavia, sem a correta informação, tal sabedoria torna-se mera resignação e passividade. A pergunta a ser feita, então, deveria ser esta: é possível ter um Banco Central, com todo esse poder político e econômico, nas mãos da classe trabalhadora?

 Vejamos. Essa pergunta deve ser precedida por uma outra: algum dia o Banco Central já esteve a serviço dos trabalhadores? Lamentavelmente, a resposta é um sonoro não. Apesar da aparência popular dos longos 13 anos de governo do PT, sob o comando de Lula e de Dilma, a política econômica nunca deixou de estar nas mãos da burguesia financeira. Aliás, “nunca antes na história deste país”, o rentismo esteve tão à vontade quanto nos mandatos presidenciais petistas. Irônico? Talvez nem tanto, se recordarmos que foi no segundo governo Dilma que a taxa básica de juros alcançou os incríveis 14,25%, e que em 2018, o então candidato à presidência Fernando Haddad (atual Ministro da Economia), propôs em seu programa de governo a mesmíssima autonomia do BC posta em prática pelo governo ultraliberal de Bolsonaro.

 Ora, se não temos, nem nunca tivemos um governo verdadeiramente a serviço da classe trabalhadora, para além de discursos, gestos, frases de efeito e da tradicional “digestão moral” da pobreza, promovida de tempos em tempos por governos da chamada esquerda liberal, o caminho para a redenção das maiorias ainda há de ser construído. Somente no dia em que os trabalhadores realmente tiverem acesso aos verdadeiros órgãos de poder, desde a mídia até o Banco Central, o país deixará de ser essa lucrativa máquina de moer gente.

 

Thiago Costa Franco

Militante pela Revolução Brasileira em SP

 

 

 

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Comentários

  1. Muito boa reflexão. Eu acrescentaria que a TV Cultura é uma fundação ligada ao governo do Estado de São Paulo, ora gerido por um liberal que foi ministro do Jair Bolsonaro.

  2. amigo Thiago, é verdade, 64 construiu as condições pro homem novo.o golpe da direita destruiu a ferro e fogo lideranças políticas, matou, exilou, incutiu medo, deu forma ao novo homem. novo homem que carrega em si os contornos esculpidos pela sociedade de consumo. impôs limites e barreiras intransponíveis. parece até que outro mundo não é possível, só este. miseravelmente estamos estagnados, inertes, a passividade é a regra. aqui no sul, amigo, o governador cospe na cara do povo gaúcho aí retirar dele a decisão de privatizar ou não empresas públicas, empresas públicas, e o que acontece?! se reelege. hj saiu no jornal da família que monopoliza há 60 anos o que se lê, vê e ouve aqui no RS, que numa reunião do leite, ministros, prefeitos e agricultores, alguns membros do MST pediram pra tirar foto com o governador. o que fazer, amigo?! era pro rio grande inteiro estar na rua defendendo a água…

  3. O maior problema do Brasil não está nas opções eleitorais do povo. Está nas direcoes de suas organizações que trabalham ideologicamente e diuturnamente para manter seus privilégios advindos das migalhas do sistema capitalista que impõe ao país a dependência e o subdesenvolvimento.

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