Neste feriado de Finados, milhões de paulistas e paulistanos passaram por um longo período de 3 dias sem energia elétrica. Na tarde de 6 de novembro de 2023 – 72 horas depois do apagão –, mais de meio milhão de pessoas e dezenas de escolas continuavam sem luz, sem trabalho e sem aulas[1].
Pressionados por uma imprensa que não se atreve a ir além da superfície dos fatos, os responsáveis pela capital e pelo estado de São Paulo repetiram aquelas frases desgastadas pelos anos: a culpa é da chuva, do vento e, desta vez, também da ENEL (empresa privada que ganhou – de presente – a concessão da distribuição de energia na maior e mais rica cidade brasileira).
O absurdo de passar dias seguidos sem energia elétrica em pleno século XXI demonstra a completa omissão do capital privado na manutenção da infraestrutura urbana, o que serviria como prevenção de prolongadas interrupções do fornecimento de energia elétrica. Com essa situação, o povo paulista tem a oportunidade de imaginar como seriam quatro dias sem água, afinal, o caso da falta de energia acontece em meio às discussões acerca da privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp.
Não à toa, aquela gente com sede de lucro, que assiste aos dramas da população do alto de seus camarotes em Miami, está babando com o anúncio da privatização da Sabesp. Vejamos por quê.
No Brasil, o abastecimento urbano de água é abarcado pelo setor econômico do saneamento básico, que também engloba o esgotamento sanitário, o manejo de águas pluviais, a limpeza urbana e o trato dos resíduos sólidos. Segundo os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), divulgado pelo Ministério das Cidades, a Sabesp é responsável por 30% do total de investimentos em saneamento básico no país.
Criada em 1973, a estatal paulista é uma empresa de economia mista que tem o Governo do Estado de São Paulo como seu maior acionista, com 50,3% das ações em seu poder. Do restante, 36% das ações da concessionária estão ofertadas na B3 – bolsa de valores brasileira – e 12,41% na NYSE – bolsa de Nova Iorque. No relatório financeiro declarado pela Companhia em 2022, constam lucro de R$ 3,1 bilhões e valor de mercado de R$ 39,1 bilhões.
Para a Sabesp, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) responde por 70,73% da receita de todos os 375 municípios com os quais a companhia tem concessão para a prestação de serviços de saneamento básico. Especificamente nessa região, a estatal opera em 37 dos 39 municípios que a compõem, além de ser a empresa responsável por fornecer água ‘por atacado’ para as outras duas cidades da conurbação – São Caetano do Sul e Mogi das Cruzes –, perfazendo, em termos de abastecimento hídrico, 100% de seus municípios.
O controle absoluto da Sabesp e do governo de São Paulo – seu principal acionista – sobre a quantidade e qualidade da água que flui pela RMSP possibilita a esses agentes influenciar a maneira como a água urbana é narrada, vista, gestada e explorada. Agora, para o ex-militar e governador entreguista Tarcísio, o justo é privatizar.
Contudo, a produção capitalista do espaço urbano nos dá uma certeza que os paulistas sentiram no escuro do feriado de Finados: uma empresa privada nunca irá investir na manutenção de uma infraestrutura coletiva, porque eventualmente ela servirá a outras empresas – concorrentes ou não –, como é o caso do setor energético e de saneamento. Isso porque, apesar das áreas de distribuição de energia e de água serem setorizadas, fios e canos ultrapassam fronteiras entre municípios e estados por meio de sistemas interligados, para que a energia e a água possam fluir de suas fontes até os imóveis.
Quem ainda tiver dúvida sobre o fato dos investimentos em manutenção de infraestruturas serem rechaçados pelas empresas privadas, aproveite para andar em São Paulo nos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) nos trechos privatizados pelos governos tucanos. Antes, porém, espere o fornecimento de energia elétrica ser normalizado, pois os poucos vagões em circulação só operam energizados.
A onda do capital liberal que afundou a Europa privatista nas décadas de 1990 e 2000 delata o movimento que chega agora por aqui. A França, bem como a Alemanha, para citar dois casos emblemáticos, reestatizaram seus setores energético[2] e de saneamento[3]. Nada é mais barato do que aprender com o erro dos outros, mas a dependência econômica e tecnológica brasileira cobra um preço alto do povo, subjugado por frações burguesas que ganham muito entregando o país às aventuras do capitalismo dependente e rentístico.
A água não é brincadeira. Estudos mostram que a adequada governança do abastecimento hídrico requer planejamento integrado e ação constante sobre fatores como a ocupação do solo urbano, políticas públicas de educação ambiental, de limpeza urbana, de conservação de áreas de mananciais – só o Sistema Cantareira, que abastece mais de 57% da RMSP, tem oito represas – e outras que contribuem para a recarga dos lençóis freáticos, bem como a aderência desses aspectos aos planos diretores dos municípios que integram a metrópole.
A privatização da Sabesp, a reboque da energia elétrica e dos trens de transporte paulistas, relegará ao povo uma tragédia anunciada, com o conluio da imprensa burguesa, que faz parte do esquema.
Dentro dessa trama está o perigo do governo paulista entregar para o capital privado o poder de controlar uma infraestrutura urbana fundamentada na onipresença da água nos moldes que conceituam a vida moderna, acessível por tubulações e torneiras cuja dependência de seus usuários é completa e manente.
Cântaro Guerreiro
Militante da Revolução Brasileira – SP
Fontes: