Texto apresentado para discussão na plenária da RB do
dia 3 de julho de 2022
A posição dos revolucionários diante das eleições não será jamais uma questão de princípio. Portanto, nem participamos das eleições por princípio e tampouco negamos nossa presença por princípio. Em consequência, não temos qualquer relação com certa orientação de extração anarquista, que em toda situação rechaça a participação nas disputas eleitorais; da mesma forma e pela mesma razão, tampouco assumimos o postulado liberal-burguês que nos obriga a apresentar candidatos como se, de maneira automática, a presença dos revolucionários qualificasse o processo eleitoral e aumentasse o grau de consciência e organização do povo. Não somos idealistas!
A participação em processos eleitorais somente deveria obedecer às exigências emanadas do caminho da revolução brasileira. O objetivo final – a conquista do poder político – deveria orientar toda e qualquer escolha tanto nas disputas eleitorais quanto nas disputas políticas gerais em curso no país. Temos plena consciência que não tem sido assim; tal como reza o ditado popular, o uso do cachimbo entorta a boca. De fato, no espectro geral e amplo do que chamamos esquerda, ninguém é capaz de sequer colocar em debate a razão pela qual devemos ou não participar nos processos eleitorais. Milhares de militantes – a maioria profissionalizados – esperam a disputa eleitoral como o faminto espera o pão. Qual a natureza desse processo, das expectativas alimentadas sem apego à realidade senão aos postulados da ideologia liberal?
A perspectiva marxista indica algo valioso nesse como em qualquer assunto: a revisão histórica. Afinal, qual o papel das eleições na luta de classes do proletariado? O grau de consciência e organização aumentou em cada eleição? O programa da Revolução Brasileira se tornou mais consistente ou definhou? É comum recordar Lenin para fugir das perguntas anteriores. O que escreveu Lenin em 1905 ou 1924? O que disse Lenin sobre os comunistas e as eleições? Na maioria dos casos, o recurso aos escritos de Lenin padece de muitos males entre os quais a ausência de contexto ou a enorme ignorância sobre a Revolução Russa. Entretanto, mesmo entre aqueles versados em certa leitura de Lenin é comum a exegese como meio de fuga do real. Lenin é tomado como caminho para evitar a indispensável “análise concreta da situação concreta”. A propósito, há poucos meses, José Paulo Neto, um histórico militante e intelectual vinculado ao PCB, definiu de forma surpreendente a relação dos comunistas diante dos processos eleitorais. Na prática, fez uma aposta cega ao supor que as eleições constituem um excepcional “processo pedagógico das massas” ao afirmar que as transformações no Brasil não se darão por meio de “insurreições”, mas, ao contrário, serão produto de um “longo e demorado processo de acumulação política” no qual “os processos eleitorais são importantíssimos pois são momentos de constituição de uma cultura política que penetra na vida dos trabalhadores”. Ora, nada poderia ser mais doutrinário do que tal afirmação, embora ela apareça como o reconhecimento de algo elementar que deveria cativar todo marxista atento à realidade. Ao contrário, eu afirmo que se trata de uma declaração surpreendente para um marxista pois ignora as enormes transformações políticas das últimas décadas no desenvolvimento capitalista, no regime político e nas condições sob as quais o proletariado e os revolucionários disputam as eleições.
A declaração de José Paulo Neto é surpreendente porque afirma um “longo e demorado processo de acumulação política” cuja natureza é indeterminada. Afinal, até agora a trajetória da esquerda não acumulou o suficiente? Por que não? Quando e sob quais condições lograríamos o “acumulo suficiente”? Não temos resposta. Ademais, os processos eleitorais têm sido “momentos de constituição de uma cultura política que penetra a vida dos trabalhadores”? Sem dúvida! Mas em qual direção? Não é exagero afirmar que a “cultura política” amplamente consolidada nos processos eleitorais tem sido expressão de uma modalidade específica de consciência ingênua, mas, precisamente, das concepções liberais longamente consolidadas pela esquerda que adotou o liberalismo, a esquerda liberal. Ademais, a afirmação de José Paulo Neto ignora por completo as alterações nas classes sociais da mesma forma que despreza as condições concretas nas quais as eleições se realizam. De maneira surpreendente, ainda que o postulado apareça como expressão de pragmatismo é, na verdade, um postulado orientado pelo princípio na política, descolado completamente das condições reais nas quais as eleições se realizam. Nem mesmo as transformações “técnicas” inerentes aos inúmeros mecanismos eletrônicos de formação da opinião pública são consideradas ou pelo menos ponderadas para indicar se os processos eleitorais acumulam em favor ou contra os interesses históricos da classe trabalhadora na luta pelo socialismo.
No entanto, o mais grave é a ausência de reflexão sobre a correlação de forças e a incapacidade das eleições favorecerem o impulso ao movimento de massas.
As eleições e o movimento de massas
Na perspectiva marxista é importante operar uma revisão histórica do papel das eleições na luta das classes trabalhadoras. No período pré-64 o recurso às eleições ocorria sob o impulso das reformas impulsionadas pelo nacional reformismo, especialmente agudas após João Goulart derrotar o parlamentarismo. A ofensiva da contra-revolução estava baseada na impossibilidade da política reformista avançar para a luta contra a ordem; ainda assim, o recurso às eleições fomentava a força dos partidos políticos e expressava também a vitalidade do movimento de massas em favor das reformas de base. Naquela época se justificava plenamente participar das eleições, apoiar candidatos, travar lutas parlamentares no interior do sistema em função da existência de um poderoso movimento de massas em favor da radicalização das reformas convocada pelo presidente da república e o empurrava para a luta contra o subdesenvolvimento e a dependência. Naquele período, ausentar-se da luta eleitoral representaria não somente isolamento político, mas, especialmente, uma contribuição para diminuir a pressão sobre o parlamento, os tribunais e sobretudo, deixar o presidente da república cativo da força da reação e das instituições do estado burguês.
Durante a ditadura a situação mudou radicalmente, especialmente com o fim do chamado milagre econômico (1968-1973). Até 1974, votar significava concretamente uma forma de legitimação da ditadura de classe que impedia a livre organização partidária (AI-2) e a liberdade de imprensa para os jornais operários e suas organizações. Ademais, a prática da tortura, do assassinato, do sequestro dos militantes era política oficial da ditadura e, nesse contexto, participar das eleições validava a fachada constitucional do regime. A partir de 1974 a derrota da luta armada revelou de maneira clara que o caminho das armas era, de fato, embora heroico, um caminho equivocado para as vanguardas de esquerda existentes naquele período. No entanto, a emergência de um poderoso movimento de massas de caráter reivindicatório que alcançava os sindicatos com tanta força quanto fomentava a luta contra a carestia, cobrou uma mudança de posição sobre a participação nas eleições. A importante votação dos liberais que lutavam contra a ditadura obtida em 1974, se repetiu em 1978 com mais força sob o impulso de um movimento de massas de oposição ao regime militar que ganhava vulto e começava a justificar a participação nas eleições como meio e oportunidade de denúncia da exploração e opressão dos trabalhadores. Após 1978, as organizações de esquerda começaram a revisar completamente a recusa praticada até então e adotaram a participação nas eleições como meio válido de luta contra a ditadura para melhor organização e consciência do proletariado.
Na medida em que o movimento de massas ganhava organicidade e elevava o grau de consciência e organização do povo para além dos limites da oposição consentida representada pelo MDB no interior de um sistema bipartidário (Arena e MDB) sem possibilidade de existência legal de partidos operários e populares, os liberais que comandavam a oposição parlamentar contra o regime fortaleciam na mesma medida a fé nas urnas na clara intenção de acelerar – agora sob seu comando – a transição lenta gradual e segura da ditadura para um regime liberal burguês. Ora, a revisão histórica valida plenamente a “transição transada”, ou seja, a superação da ditadura balizada pelo conceito de segurança hemisférica dos EUA unido ao comando da burguesia em sua luta contra o “gigantismo estatal” presente do manifesto dos empresários de 1977. A ditadura teria que bater em retirada, mas a transição não poderia incorporar as demandas populares e tampouco tocar no nervo da superexploração da força de trabalho cada dia mais evidente a partir das greves operárias existentes entre 1978 e 1980 no ABCD metalúrgico. A burguesia, como primeiro ato fundacional da Nova República em 1985, estatizou a dívida externa contraída em dólares pelas empresas capitalistas nacionais e multinacionais e, orientada pelo bordão liberal de “tudo pelo social” sob condução de José Sarney, já praticava a política econômica de ajuste do balanço de pagamentos cujas consequências eram visíveis: superexploração da força de trabalho, desemprego oscilante, mas elevado, crise social ampliada, degradação dos serviços públicos submetidos ao critério da austeridade fiscal e criação de mega superávits comerciais.
O fim da legislação que impedia a livre organização partidária aprovada em 1979 permitia, finalmente, a criação de partidos operários cuja expressão mais acabada foi a fundação do Partido dos Trabalhadores. Naquele momento a ditadura lançava mão de um artificio destinado a dividir a oposição e impedir a unidade para as disputas que se avizinhavam, especialmente de governadores em 1982 e as primeiras disputas para prefeitos das capitais em 1985. Em maio de 1980 numa jogada do general Golbery, o PTB fica sob controle de Ivete Vargas, aliada do regime e adversária de Leonel Brizola, forçando o ex-governador a criar o PDT na tentativa de recuperar a tradição trabalhista após 15 anos de exílio, o mais longo exílio de um político na história do Brasil. Tal como registrou a imprensa do PDT “A permissão para entrar no País veio no último momento, duas horas antes que o bimotor Piper pousasse em Foz do Iguaçu. A lei da anistia já vigorava, mas os generais do decadente regime militar ainda temiam aquele que era considerado o pior inimigo da ditadura. Às 17h25 do dia 6 de setembro de 1979, encerrava o mais longo exílio de um político brasileiro: Leonel de Moura Brizola retornava ao Brasil, 15 anos depois de ter sido obrigado a deixá-lo.” É preciso recordar o elementar: naqueles anos, a força dos chamados movimentos sociais – operário, camponês, carestia, moradia, anistia, etc – era significativa e os políticos liberais, tanto à esquerda quanto à direita, buscavam apoio no seu interior para lograr os votos necessários à representação parlamentar.
A regressão política de Lula e o PT
Em perspectiva histórica é fácil observar a profundida da regressão política. Na verdade, a força do movimento de massas impulsionado pelas classes subalternas obrigava o parlamento a tomar medidas sem pretender jamais sua própria representação parlamentar no interior do sistema liberal burguês. Ora, mesmo Lula, um liberal da cabeça aos pés, nutria profunda desconfiança do parlamento nas origens do PT; agora, ao contrário do passado, orienta seus eleitores afirmando a necessidade de maioria parlamentar para sustentar um eventual governo. O movimento de massas combatia as instituições burguesas e também existia – ao contrário da consciência ingênua atual – uma repulsa e uma desconfiança enorme dos políticos e dos parlamentares na população responsável pelo fim do regime militar. Tal repulsa e desconfiança permaneceram vivas até mesmo após o fim do regime e somente quando a esquerda aderiu finalmente à ordem burguesa, a desconfiança cedeu, mas a consciência popular não avançou; ao contrário, a consciência e organização do povo diminuíram e não precisamente porque o sistema de cooptação das lideranças populares ocorreu em grande escala nos governos petistas. O movimento popular ficou cativo da regressão liberal e, gradualmente, foi perdendo força na exata medida em que acreditava nas formas de representação e confiava a solução de seus problemas às políticas públicas.
A situação agora é também radicalmente distinta. Após a incapacidade do PT em sustentar Dilma na vitoriosa destituição realizada pela direita em 2016 e a vitória do protofascista Bolsonaro nas eleições de 2018, o antigo e cômodo sistema petucano desapareceu para sempre. A derrota histórica da esquerda liberal foi dupla. Em primeiro lugar ficou demonstrado que a erradicação da pobreza – lema de campanha de reeleição de Dilma – jamais seria possível nos marcos da ordem capitalista; ademais, e muito mais importante para a reflexão sobre as eleições, também ficou demonstrado que a esquerda liberal foi incapaz de manter seu governo e derrotar a ofensiva da direita quando essa decidiu pela destituição. Ora, somente a ausência da análise crítica para ignorar que naquele longo e acidentado processo, o voto sofreu um golpe estratégico que a consciência liberal tenta ocultar sob a celebração da impotência: a denúncia do “golpe” da direita em agosto de 2016 contra a democracia e a falta de respeito aos processos eleitorais.
A destituição de Dilma ocorreu sem a convocação das massas; portanto, foi uma destituição sem luta que revelou aos olhos de milhões – e também dos militantes e simpatizantes de Lula! – que não basta eleger um governo. É preciso ter força suficiente para mantê-lo e mais ainda para comandar o processo de mudanças em favor das reivindicações das maiorias. Em resumo, sem um projeto de poder, não será possível manter um governo! Na atualidade, até mesmo o mais desavisado eleitor, informado pelo otimismo ingênuo ou ainda o militante profissionalizado (membro de sindicato ou da burocracia partidária) sabe que o cretinismo parlamentar é incapaz de mudar a vida e o trabalho de milhões de brasileiros. Ademais, acaso a participação nas eleições, nas condições concretas em que estas se realizam nesse momento, caminham nessa direção? Acaso Lula e o PT – na chapa petucana Lula/Alckmin – avança na organização popular e no grau de consciência para vencer uma eleição, reforçar um programa capaz de interromper a ofensiva burguesa e garantir um governo de mudanças? Ora, milhões de eleitores sabem por experiência que não! Ademais, mesmo um burocrata de partido com duas moléculas de honestidade intelectual e compromisso com os trabalhadores, observando a campanha petucana em curso responderá negativamente à pergunta!
Os núcleos remanescentes inspirados no marxismo no interior do PT quando não acompanhados pela mais completa impotência sabem que o programa eleitoral de Lula é, na verdade, um conjunto de “intenções”, “declarações” e genéricas “diretrizes” cuja função é iludir o eleitorado com a manutenção da economia política que sustenta a coesão burguesa vitoriosa em 1994 sob condução de Itamar/FHC. Essa coesão burguesa governa o país desde então e jamais soltou as rédeas da política econômica e nem do Estado em qualquer governo, antes, durante ou após as administrações petistas! O documento recentemente apresentado – Diretrizes para o programa de reconstrução e transformação do Brasil – é estarrecedor não pelo que anuncia, mas, precisamente, por tudo que oculta. No terreno da disputa político-ideológica, representa o rebaixamento mais acentuado do debate público sobre as questões centrais do Estado, da economia e da cultura já produzido pelo PT.
O que, de fato, orienta a esquerda liberal na candidatura Lula/Alckmin?
Ora, o bordão vulgar: “o mais importante é tirar Bolsonaro”! A pergunta elementar sobre o futuro imediato é simplesmente descartada como se a luta de classes e a correlação de forças mudasse radicalmente com a eleição da chapa petucana! Entretanto, até mesmo a consciência ingênua reconhece que a derrota do protofascista não elimina a direita; ao contrário, ainda o petista desavisado ou o eleitor semi-politizado alega com frequência que a direita não desparecerá, enquanto outros, mais lúcidos, reconhecem que os bons tempos da disputa “civilizada” com os tucanos deixou saudades pois a ofensiva da direita será mais acentuada na oposição de um eventual governo da esquerda liberal.
Outro bordão utilizado pela esquerda liberal destinado a justificar o voto em Lula é a “defesa da democracia”. A ideologia petista inerente à esquerda liberal vê manifestações de fascismo em qualquer situação e especialmente naqueles fenômenos que eram comuns inclusive nos longos 14 anos de governos petistas. Ora, até agora, a esquerda gozou da mesma liberdade de outros tempos quando a “ameaça fascista” sequer existia! De fato, o regime político não mudou o grau de liberdade para a atuação da esquerda, dos sindicatos e dos partidos políticos ainda que em alguns estados, e em relação a alguns políticos, as ameaças possam ser reais.
Os sindicatos diante do Estado
O sindicalista de memória curta e o burocrata de partido ou sindicato afirmam que a atividade sindical e a luta por direitos – as greves, por exemplo – teriam melhores condições para sua realização com Lula/Alckmin do que com Bolsonaro. O argumento desperta alguma simpatia, mas não tem sustento diante da história de nosso sindicalismo. Na prática, o argumento é abstrato, sem aderência à realidade. É possível admitir que num eventual governo Lula a repressão às greves – na Petrobrás, por exemplo – poderiam receber um tratamento distinto; mas tal hipótese, aceitável no terreno das ideias, teria que ser testada no contexto da crise atual. Ora, são as condições concretas que decidem a tolerância de um governo qualquer diante de uma greve nacional dos petroleiros, para dar apenas um exemplo. A propósito, recordo aqui uma nota da CUT publicada pela imprensa da FUP em 2010 na comemoração de 15 anos de uma greve considerada histórica:
“Durante a greve de maio de 1995, os petroleiros resistiram às manipulações e repressões do governo e à campanha escancarada da mídia para tentar jogar a população contra a categoria. Milhares de trabalhadores foram arbitrariamente demitidos, punidos e enfrentaram o Exército, que, a mando de FHC, ocupou com tanques e metralhadoras as refinarias da Petrobrás. A FUP e seus sindicatos foram submetidos a multas milionárias por terem colocado em xeque os julgamentos viciados do TST, que decretou como abusiva uma greve legítima e dentro da legalidade. Além de ter impedido a privatização completa da Petrobrás, como queriam os tucanos e demos, a greve de maio de 95 despertou um movimento nacional de solidariedade e unidade de classe, fazendo ecoar por todo o país um brado que marcou para sempre a categoria: “Somos todos petroleiros”.
Mas vamos recordar algo mais incômodo para o argumento liberal dos lulistas. Em 1988, já com a ditadura no passado, em pleno governo José Sarney, os operários da CSN fizeram uma importante greve. Abaixo apenas reproduzo a nota da CONTRAF-CUT publicada em novembro de 2014 também em comemoração ao massacre cometido contra os metalúrgicos 26 anos atrás:
“Dia 7 de novembro de 1988. Metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) iniciam uma greve e ocupam a Usina Presidente Vargas (UPV), em Volta Redonda (RJ). Assim como outras categorias, os operários empunhavam bandeiras de luta como a imediata aplicação dos direitos constitucionais e a reposição salarial. O Brasil vivia um período de aprofundamento da crise, estagnação, inflação galopante e arrocho salarial. Ganhos conquistados pelas lutas salariais eram sistematicamente corroídos pela inflação, que apresentava índices de 100% ao mês. A política industrial e econômica do governo do ex-presidente José Sarney amparava-se em três pilares: déficit público, submissão ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e privatizações. Aos trabalhadores, não restava outro caminho: aumentar o tom das mobilizações. Em Volta Redonda, a greve na CSN contou com a participação de mais de 30 mil metalúrgicos mais o apoio da comunidade local. O atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, Silvio Campos, à época um dos grevistas da CSN, lembra que aquela era uma greve de ocupação, ou seja, os operários permaneceram de braços cruzados nas dependências da empresa. Apesar de toda a pujança do movimento e a disposição do Sindicato em dialogar, a direção da Companhia optou pelo caminho do acirramento do conflito. Primeiro, veio à intervenção do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Depois, a partir da conivência do governo Sarney, o Exército.
Tragédia anunciada
No dia 9 de novembro, tropas do Exército invadiram a empresa. Três trabalhadores foram mortos a tiros (Carlos Augusto Barroso, 19 anos; Valmir Freitas Monteiro, 22 anos; e William Fernandes Leite, 23 anos. Outras 31 pessoas acabaram feridas. A tragédia ficou conhecida como ‘massacre de Volta Redonda’. Um dos informativos da CUT publicado na época mostra a virulência da repressão contra os trabalhadores. “Soldados do exército, com tanques e armados de metralhadoras, sob ordem de um general comandado diretamente de Brasília, investiram contra a assembleia de metalúrgicos da CSN espancando e atirando. Invadiram as instalações da usina em manobra de guerra e espalhando o terror inclusive nos bairros da cidade. Mataram trabalhadores, vários estão feridos a golpes de cassetete e baioneta […] Nem nos 21 anos de ditadura militar os generais assentados na presidência da República, as forças de repressão, ousaram matar trabalhadores dentro da fábrica.” A ditadura havia acabado, mas a repressão seguia os mesmos moldes do período anterior.
Chama para o fortalecimento da greve
Mesmo com toda truculência do Exército, Silvio Campos recorda que a morte dos companheiros foi a chama para o fortalecimento da greve. “O sentimento de raiva por ter perdido companheiros como se fossem assassinos era unânime. A disposição dos trabalhadores de não por fim ao movimento era evidente”, disse. “Assembleias aconteciam todos os dias e ao final sempre eram lembrados os nomes dos companheiros mortos”, acrescentou. Segundo Campos, a CUT teve um papel importante no desfecho da greve. Os trabalhadores decidiram pelo fim do movimento em assembleia realizada no dia 24 de novembro após a conquista de parte das reivindicações.”
Os dois exemplos anteriores – recolhidos de conjunturas tão distintas quanto aquelas de 1988 e 1995 – revelam a capacidade de luta de duas categorias estratégicas na acumulação de capital e no enfrentamento com o Estado burguês, além de recordar a força dos trabalhadores para avançar em suas reivindicações mesmo em situações francamente adversas. Ademais, indicam que as condições de luta dos trabalhadores num regime liberal burguês não são necessariamente mais fáceis do que aquelas realizadas durante o último governo da ditadura militar. Naquele tempo, a despeito das dificuldades, ninguém qualificava a repressão e o assassinato de trabalhadores como expressão de práticas fascistas ou mesmo de uma ameaça fascista como tem sido um costume na atualidade.
O segredo da anti-política
O protesto eleitoral das massas contra o sistema político ajudou decisivamente a vitória do protofascista em 2018. Basta de mistificação: a decisão de Dilma em entregar o destino de seu governo a Joaquim Levy – um funcionário do Bradesco! – mais que um improviso era a resposta burguesa à queda dos lucros produzida pelo efeito da crise mundial nas economias dependentes. A coesão burguesa que sustentou e se alimentou poderosamente durante 14 anos de governos petistas indiciou claramente para a consciência ingênua que no essencial, a burguesia não vacila. Portanto, Dilma não caiu sem luta porque o covil de ladrões encabeçado pelo corrupto Eduardo Cunha decidiu junto a pastores evangélicos o fim daquilo que parecia uma hegemonia sólida. Dilma caiu porque o PT não tinha qualquer capacidade de convocação e credibilidade junto às massas e também porque não possuía apoio da coesão burguesa.
Não devemos esperar autocrítica alguma de parte do PT e nem de Lula e, menos ainda, correção de rumo na atualidade. O petismo como expressão do cinismo inerente à esquerda liberal não perdeu tempo; se por um lado ficou completamente paralisado diante da ofensiva moralizante da direita em seu combate à corrupção antes da destituição de Dilma, de maneira desinibida produziu a ideologia de autodefesa na forma fantasiosa de crítica após a queda da ex-presidente: Bolsonaro é expressão da “anti-política”. O bordão ideológico “não há saída fora da política” merece reflexão porque segue alimentando as ilusões nesse ano eleitoral, pois para Lula e sua frente ampla sob a hegemonia burguesa, é necessário derrotar a “anti-política” (o “anti-petismo” é apenas uma derivação miserável da primeira, embora, na verdade, sempre tenha sido seu fundamento, pois o PT julgava que seria eterno na administração competente da ordem burguesa).
A questão central nesse processo eleitoral consiste em reconhecer que Lula e o PT fracassaram historicamente em avançar no grau de consciência e organização das amplas massas durante seus governos. Ao contrário, é fácil perceber a enorme regressão político-intelectual dos “dirigentes” e do chamado “debate público” sobre as mais elementares questões nacionais. Por essa razão, sob variadas formas e enganos, a consciência ingênua da base petista reconhece a regressão político-ideológica do proletariado em particular e das massas em geral produzida nos 14 longos anos de seus governos. Não por outra razão reconhece a “direitização da sociedade”, a “volta do conservadorismo”, a “falta de humanismo da direita” como expressões da grave regressão de consciência. Da mesma forma, alega com insistência o quanto a “sociedade” foi contaminada pelo vírus neoliberal e o “ódio da direita” capaz de “dividir famílias” e “afastar amigos”… De resto, acrescenta que a “sociedade” foi “contaminada” pela produção ideológica liberal (empreendedorismo, defesa da liberdade em abstrato, reconhecimento da corrupção como principal problema do país, a concepção de vida e cultura estadunidense, etc.) fenômeno para os quais ainda não conseguiu encontrar um antídoto.
No entanto, o petista de base, sem mecanismos políticos e intelectuais de defesa, submetido à máquina eleitoral petista, indica de maneira superficial que a responsabilidade da regressão da consciência de classe é resultado do “abandono do trabalho de base” e do processo de “cooptação de lideranças” populares e sindicais para funções de Estado no governo federal e seus aliados nos estados da federação. Engano! Impostura! Falácia! A despeito da massiva migração de militantes para as funções de governo e da vida mansa e burocrática que o antigo militante combativo conquistou, há que explicar por que a convocatória da cúpula petista encontrou resposta tão rápida e favorável nas bases sociais do PT. Ora, não foi a cooptação para funções de Estado que originou a regressão político-intelectual das bases outrora combativas, mas, precisamente seu oposto: o baixo nível de consciência de classe do protesto popular de outros tempos é que impulsionou a massiva entrada nas funções do Estado burguês!
Não há incompatibilidade alguma em reconhecer o caráter combativo do proletariado e seu baixo nível de consciência de classe! Num país comandado pela superexploração da força de trabalho, são frequentes e necessárias as explosões sociais tanto quanto a realização de greves com grau de radicalidade baseada na luta econômica. A radicalidade, nesse contexto, se expressa e permanece cativa do economicismo da luta sindical. Portanto, é possível observar que as condições terríveis de reprodução da força de trabalho apareçam sob a forma de greves, protestos e resistências que indicam os limites objetivos da exploração e opressão dos trabalhadores, mas, precisamente esses limites, são apenas as portas da transição entre a consciência ingênua e a consciência crítica! É aqui, nesse ponto crucial, que as organizações de vanguarda podem e devem atuar! Os limites históricos – concretos, vinculados com a evolução do capitalismo dependente rentístico – devem ser considerados de tal forma que não basta afirmar que a existência do fator vanguarda resolveria em favor do proletariado os impasses da dominação burguesa e afirmação da consciência revolucionária e socialista. Tampouco podemos responsabilizar unicamente o caráter pelego ou burguês de muitas direções sindicais e partidárias como a razão principal da impotência das massas diante da exploração e alienação capitalista. Mas é claro que sem a atuação consciente das vanguardas socialistas e revolucionárias, o processo permanece não somente estancado como pode ser instrumentalizado pela direita em favor de novas formas de dominação política-ideológica!
Ora, quando afirmamos que em 2018 o PSOL deveria ter indicado nossa candidatura a presidente como expressão de um novo radicalismo político estávamos convencidos da natureza particular daquela disputa eleitoral, demandando uma alternativa à esquerda do fracasso histórico do PT e seus governos. O PSOL, sabemos, decidiu por um candidato de filiação lulista (Boulos), que produziu o mais vexaminoso desempenho eleitoral para o partido, mas lhe rendeu votos suficientes para assegurar a representação parlamentar no covil de ladrões na próxima legislatura. A adesão do PSOL à candidatura petucana Lula/Alckmin não é produto, portanto, do acaso, mas a consequência necessária da própria hegemonia liberal com tintura identitária que sustenta a existência parlamentar do partido, sem jamais tocar uma molécula na dominação burguesa.
Nesse contexto, a atual chapa petucana (Lula/Alckimin) não rompe com a consciência ingênua e nem com as armadilhas do passado, mas, ao contrário, prolonga cada ilusão da esquerda liberal que produziu a crise da república burguesa e seu regime político. Nem Lula nem a campanha da frente ampla avança uma molécula na politização do povo sobre os graves perigos que se avizinham sob comando do protofascista.
A luta pela hegemonia e as eleições
As eleições atuais se realizam em meio a intenso processo de luta ideológica na qual a ofensiva burguesa e a direita política comandam a correlação de forças. Não é por acaso ou simples agitação que Bolsonaro afirma que sua vitória eleitoral livrou o país do comunismo. Ora, uma esquerda destituída do horizonte socialista e de um programa capaz de expressar politicamente tal perspectiva é incapaz de enfrentar a direita no terreno ideológico, com consequências também eleitorais e, mesmo em caso de vitória nas urnas, a esquerda liberal chega ao governo completamente incapaz de enfrentar a hegemonia política liberal-conservadora que domina o país. Em perspectiva, o abandono do socialismo pelo PT e sua adesão à ordem burguesa reforçaram a hegemonia da classe dominante e encurralaram o partido e seus governos nas malhas duras das instituições burguesas; mais ainda: no governo, o PT jamais disputou a hegemonia tal como alguns marxistas orientados por um gramscianismo desbotado defendiam para permanecer atrelados às limitações petistas e jamais superá-las.
A última onda gramsciana chegou ao Brasil sob o fetichismo da hegemonia, tal como lucidamente indicou Agustín Cueva. Na esquerda liberal, o uso do sardo adquiriu feições espantosas, não ultrapassando a condição de um marxismo sem dentes para morder. A necessidade de um “longo acúmulo de forças” como caminho da revolução brasileira foi substituída pela “disputa de hegemonia na sociedade” como condição para qualquer “transformação social”. Na medida em que os postulados “gramscianos” eram popularizados, o liberalismo de esquerda o PT abandonava seu caráter militante e se transformava numa eficaz máquina eleitoral; no mesmo movimento em que aderia à ordem burguesa assumindo a economia política do Plano Real, abandonava a luta pela hegemonia e se limitava à gestão capitalista da dominação burguesa.
A crise capitalista de 2008/2009 cobrou logo seu preço: a tentativa cíclica de Dilma mostrou baixa capacidade de repetir os “anos dourados” do segundo mandato de Lula. Não somente os preços internacionais cederam, mas – ainda mais importante! – a maturação das distintas frações do capital assumiu feição mais definida e ganhou mais poder sob o petismo com o rentismo se alastrando como fogo na campina seca. A verdade apareceu no primeiro dia do segundo mandato com o comando dos banqueiros no ministério da fazenda (Joaquim Levy) e o “ajuste” promovida pela ex-presidente. Qual foi, afinal, a luta pela hegemonia praticada pelo PT? O refúgio da moral: a defesa dos pobres sem horizonte socialista, sem revolução social, sem revolução brasileira. Por isso sempre afirmei de maneira solitária que a política social dos governos petistas não produziu uma coesão social nem tampouco um “bloco no poder” capaz de disputar a hegemonia na sociedade com a burguesia. Ao invés de disputa pela hegemonia, os governos petistas praticaram a digestão moral da pobreza na forma de política social, que, ao primeiro sinal da crise, queimou como casa de papel. As famosas “conquistas sociais” não seguraram o governo de Dilma, o proletariado multiplicava greves e o descontentamento da classe média já era imenso sem a força moralista da direita contra seu governo. De resto, tal como a vida demonstrou, os “programas sociais” do petismo – especialmente o Bolsa Família – foram mantidos pelo governo Temer e também por Bolsonaro! Portanto, política social, por mais ampla e consistente que pudesse ter sido, jamais implicaria disputa pela hegemonia, pois é incapaz de fazer a chamada luta ideológica: não eleva o grau de consciência e organização dos trabalhadores!
As eleições devem ser um momento importante de “educação política” do povo? As eleições devem ser um momento crucial do “processo pedagógico das massas”? Nesse caso, a afirmação do horizonte socialista e a apresentação de um programa afinado com o propósito, deveria ser uma regra. É isso que o processo eleitoral hoje indica? Ao contrário, de maneira cada dia mais clara, todas e cada uma das bandeiras fundamentais para o avanço da luta social, do grau de consciência do proletariado e de organização da classe foram rigorosamente abandonados à luz do dia pelos candidatos com possibilidades eleitorais e, especialmente, pela chapa petucana Lula/Alckmin! As eleições deixaram de ser um momento da disputa pela hegemonia e se transformaram num mecanismo de alienação de amplas massas e do confinamento da luta social às formas parlamentares!
Em perspectiva é possível ver que foi relativamente fácil para a direita – a partir do protesto justo e importante do Movimento Passe Livre de São Paulo contra o aumento petucano da passagem de ônibus em junho de 2013 – tomar a dianteira das ruas e impulsionar a linha moralista de direita contra a corrupção. O petismo não tinha defesas e não podia recorrer às reservas acumuladas nos processos eleitorais e nas organizações sociais e movimentos de base porque simplesmente esses, quando existiam, não tinha vitalidade e tampouco capacidade de responder à emergência da direita com massas nas ruas. A base eleitoral que deu quatro vitórias em eleições presidenciais ao PT se deslocou para a direita porque não tinha antídotos contra os problemas reais e imaginários atribuídos aos governos petistas pela ofensiva burguesa desatada pelo próprio governo de Dilma com Joaquim Levy. Os processos eleitorais não consolidavam consciência popular e menos ainda eram capazes de organizar força real na sociedade de modo que se erguesse suficientemente forte para enfrentar e, se necessário, derrotar a direita! As eleições – e o voto na esquerda liberal – foram reprovados no único teste histórico de disputa nas ruas pela consciência das massas num país subdesenvolvido como o Brasil após a ditadura.
Ora, a frente ampla – sob hegemonia burguesa – expressa na chapa Lula/Alckmin, pode reverter o processo? A chapa petucana Lula/Alckmin atua na direção da politização dos problemas nacionais mais importantes? Definitivamente não! Ademais, Lula e Alckmin indicam disposição para enfrentar os grandes problemas nacionais em defesa do povo? Definitivamente não! Finalmente, a campanha poderá ganhar uma dimensão de massa, com enorme mobilização popular, comitês de base, luta social intensa, capazes de impulsionar a frente ampla sob hegemonia liberal para um terreno em que tenha que ceder, avançar nos limites impostos pela longa hegemonia liberal em curso na sociedade brasileira desde 1994 e, em especial, após os governos petistas? Ninguém pode expressar otimismo em relação a essa possibilidade; ao contrário, até agora – junho de 2022 – tudo indica que teremos uma campanha meticulosamente organizada pelos marqueteiros sem alma popular e sem ultrapassar os limites político-ideológicos afirmados pela burguesia nas últimas décadas.
Ora, qual o segredo da “anti-política”? Simples: o protesto surdo das massas contra um sistema que a oprime e a explora! Os defensores da teoria marxista da dependência em sua maioria reconhecem que o sistema capitalista na periferia latino-americana se sustenta na superexploração da força de trabalho, mas são incapazes de reconhecer que também o petismo – sob Lula ou Dilma – alimentou a monstruosidade do subdesenvolvimento! Em consequência, aceitam a digestão moral da pobreza sob a forma de políticas compensatórias – Bolsa Família, Luz para Todos, ações afirmativas, Minha Casa Minha Vida, etc – como contrapeso para a superexploração, mas se negam a ultrapassar os limites da moral e tocar no nervo da economia política burguesa. A conduta é possível porque a esquerda liberal enterrou o debate sobre economia limitando-se, quando muito, à discussão sobre política econômica completamente descolada da análise sobre as classes sociais, da luta de classes!
O papel da Revolução Brasileira (RB)
A RB tem afirmado com insistência e de maneira solitária que Bolsonaro não é um acidente de percurso, um ponto fora da curva; ao contrário, afirmamos que Bolsonaro é precisamente o movimento concreto da curva, uma exigência da classe dominante a partir das profundas transformações no capitalismo dependente. Ora, o regime político atual não possui qualquer capacidade de autorregeneração, razão pela qual a esquerda liberal ou defende a Constituição Federal de 1988 ou insinua ainda timidamente a necessidade de um processo constituinte. A classe dominante, ao contrário, descarta ambos! Bolsonaro representa precisamente a ofensiva burguesa contra os interesses da classe trabalhadora e o antigo assalto ao Estado por parte da coesão burguesa. A ofensiva burguesa contra os trabalhadores teve início no governo Lula (reforma da previdência, por exemplo) e de maneira aberta com Dilma, seguiu com Temer e avançou com Bolsonaro. Quem comanda esse processo? As necessidades de acumulação da coesão burguesa nas novas condições estabelecidas pela divisão social do trabalho que condenaram um país de orgulho burguês pronunciado no final do século passado à posição de mero exportador de produtos agrícolas e minerais da atualidade.
Bolsonaro, ao contrário da burla a que é submetido pela esquerda liberal e pelo identitarismo, revela o conteúdo e forma da dominação burguesa distante da ilusão de uma burguesia educada e culta que não resiste ao menor exame histórico no centro ou na periferia do sistema. Portanto, Bolsonaro é produto da ação das classes dominantes que não vacilaram em destituir Dilma e tampouco em elegê-lo e sustentá-lo no governo. Portanto, a “tese” segundo a qual Bolsonaro é “disfuncional” à dominação burguesa não resiste à superficial análise da realidade e somente ocupa a cabeça daqueles que não possuem um diagnóstico da crise e do desenvolvimento capitalista verificado nas últimas décadas no Brasil. Nesse contexto, é importante observar os movimentos no interior das forças armadas para detectar que se consolidou uma hegemonia de classe que orienta cada movimento entre os militares e a participação ativa no governo do protofascista. Os rumores de que Braga Neto assumirá o lugar de Mourão expressam precisamente a hegemonia burguesa e pró-imperialista que ali se consolidou. Ora, desde a aprovação da Lei Anti-terrorismo sob o comando de Dilma até à iniciativa aprovada recentemente na PEC do senado brasileiro (Estado de emergência), é mais do que claro que a classe dominante se arma juridicamente para aumentar a eficácia legal da repressão ou de um regime com apoio na legalidade e altamente repressivo ao protesto popular diante de um quadro devastador do ponto de vista social e dos trabalhadores emergir.
A oposição eleitoral entre Lula e Bolsonaro não é capaz de alterar a correlação de forças nesse quadro porque a campanha de Lula/Alckmin não caminha na direção da politização das eleições e das massas; tampouco avança na direção de um programa capaz de interromper ou “barrar a onda neoliberal” e permitir sequer uma política anticíclica de caráter keynesiano ainda que limitada; não assinala com a necessidade de convocar o povo ou radicalizar em aspectos decisivos no combate ao protofascista limitando-se tão somente a marcar diferença nas questões sociais orientadas por moralismo sem amparo na economia política; finalmente, a dupla Lula/Alckmin não busca ampliar seu apoio nas classes populares mas precisamente no interior da coesão burguesa.
Portanto, a oposição Lula X Bolsonaro não tem sido capaz de alterar a correlação de forças em favor dos trabalhadores porque não há o menor sinal de que o ex-presidente esteja disposto a alterar seu programa econômico para algo além do horizonte do liberalismo ou mesmo uma forma mitigada de desenvolvimentismo. Na real, o único “espaço” de manobra concedido pela coesão burguesa a Lula é a política social, que nem de longe poderá dar conta da desigualdade crescente a que estamos historicamente submetidos.
No mundo colorido da esquerda liberal, no contexto de um imaginário governo Lula, tudo sugere que sequer teríamos o comando da oposição nas mãos da direita – também sob orientação dos ultraliberais – no qual a possibilidade de um eventual protesto popular diante de tamanha exploração dos trabalhadores também estaria em disputa.
Nesse contexto, ou a RB afirma seu diagnóstico da crise e crava o voto nulo, ou revoga as teses que nos trouxeram até aqui e nos somamos à vala comum da esquerda liberal buscando justificativas para votar em Lula. Ora, na busca do caminho da RB não há evidência alguma que devemos nos comportar como a “consciência crítica” do liberalismo de esquerda, conforme setores à esquerda do próprio PT ainda praticam sem efeito algum na correlação de forças, sendo completamente incapazes de mudar uma molécula na campanha e no programa petucano. O voto em Lula significaria, concretamente, a validação das teses liberais e a diluição da RB no terreno do cretinismo parlamentar; ao contrário do que afirmam outras organizações, o “voto crítico” em Lula não “dialoga” com a base social do petismo, mas, confirma que ao fim e ao cabo, não há alternativa fora do espectro cada dia mais à direita de Lula/Alckmin.
Por último, a fórmula “nenhum voto a Bolsonaro” indica claramente que a alternativa eleitoral é… Lula! O papel estratégico da RB é, nas condições atuais, marcar uma referência crítica ainda ausente na esquerda brasileira. O movimento tático consiste precisamente em aproveitar o processo eleitoral para marcar essa diferença em relação às forças nucleares da esquerda liberal e também para distinguirmo-nos do oportunismo de esquerda de muitas organizações que passam a vida criticando Lula e aproveitam as pesquisas eleitorais para angariar votos no mesmo altar em que sacrificam suas convicções. Nesse contexto, o apoio a Lula nada soma para a esquerda; ao contrário, fortalece todas e cada uma das ilusões da esquerda liberal.
Nildo Ouriques
Militante pela Revolução Brasileira
Revisão: Junia Zaidan
Infelizmente, essa é a mais pura realidade. Os mais idosos compreendem muito bem o aqui exposto. Sabem o quanto foram enganados, anos a fio. Chegamos até a evocar o chamado delírio daqueles que diziam que o fenômeno Lula fora inventado, ou pelo menos, incentivado pelo general Golbery, para eliminar Leonel Brizola do cenário político.