O primeiro turno das eleições indicou claramente a vitória do radicalismo de direita contra o petucanismo enquanto o segundo confirmou que nem mesmo simulando uma ampla “frente democrática” o sistema político brasileiro possui condições de se salvar. Frente à repulsa ao petismo e ao sistema petucano, de nada adiantaram os manifestos de intelectuais, artistas, linhas editoriais de mídias burguesas nacionais e estrangeiras, lideranças religiosas e políticas de histórica oposição ao PT, juristas, ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal.
Decidido a disputar as eleições presidenciais desde 2014, Jair Bolsonaro passou a criticar duramente os partidos da ordem desde então. A inaptidão da esquerda de se constituir como força real capaz de apresentar alternativa ao sistema permitiu que Bolsonaro – um sujeito tomado como caricatura até o início deste ano – tivesse à sua disposição o monopólio da crítica. Assim, aos olhos de grande parte da população o ex-deputado se viabilizou como o único candidato que reunia condições para a superação da crise do sistema político. A repulsa da população ao petucanismo em geral e ao petismo em particular se traduziu nas urnas concedendo a Bolsonaro 55% dos votos válidos; ademais, seu partido elegeu 3 governadores e pelo menos outros 9 declararam-se abertamente aliados do presidente eleito.
O Brasil possui 147 milhões de eleitores. Deste total, mais de 30 milhões votaram em branco, nulo ou não compareceram às urnas, o que fez com que Bolsonaro fosse eleito com pouco mais de 57 milhões de votos. Praticamente ¾ da população brasileira não compactuam com a proposta política de Jair Bolsonaro. É importante recordar que em 2002, Lula teve mais de 20 milhões de votos de diferença para José Serra, enquanto Bolsonaro alcançou pouco mais de 10 milhões no pleito de 2018. Este conjunto de informações pode ser tomado de três maneiras pelas organizações de esquerda.
Fernando Haddad assume a derrota e expressa o derrotismo como conduta em seu discurso final. Ele reconhece o valor do apoio dos diversos partidos e líderes políticos da ordem (aqueles que não gozam de nenhum prestígio popular), reforça a crença nas instituições, na cidadania e na democracia em abstrato (as mesmas que iludem e massacram o nosso povo diariamente) e adota uma postura de figura paterna, sinalizando que estará à disposição para o acolhimento daqueles que se sentem angustiados. “Não tenham medo, nós estaremos aqui, nós abraçaremos vocês e estaremos de mãos dadas com vocês, contem conosco, coragem!", disse Haddad. A mensagem é tão confortante quanto paralisante, pois não realiza a necessária convocatória à luta contra um governo ultraliberal que não vacilará em radicalizar a guerra de classes contra a nossa população.
Ademais é possível questionar a legitimidade do processo eleitoral e fomentar a leitura de uma crise de representatividade movida pelo apelo abstrato à resistência. Não consideramos esta uma opção válida, uma vez que movimentos como o “not my president”, logo após a eleição de Donald Trump nos EUA não foram capazes de aglutinar maiorias para enfraquecer politicamente o novo presidente. Ao contrário, inflaram as reações da parcela mais violenta de seus eleitores, reduziram a luta concreta contra seu mandato ao movimentismo e serviram de combustível à angústia individual dos derrotados.
A terceira interpretação – que de fato reivindicamos – é que desta circunstância emanam dois dados fundamentais: 1) o petismo está esgotado historicamente e não detém a menor possibilidade de apresentar respostas consistentes às novas circunstâncias; 2) existe imensa disposição dos trabalhadores para a luta contra a proposta ultraliberal do protofascista Bolsonaro.
Neste contexto, consideramos equivocada a convocatória de atos pelo Brasil neste momento imediatamente posterior à eleição pois expressa o desatino daqueles que querem adiar o balanço crítico da retumbante derrota política e eleitoral sofrida pela esquerda neste ano. O chamado à unidade das esquerdas verificou-se incapaz de resistir às ofensivas recentes da classe dominante. Constitui, portanto, grave erro que a Frente Povo sem Medo se proclame como espaço de resistência, quando o que precisamos é de uma avaliação criteriosa do momento em que vivemos, na direção da superação do ciclo conciliatório do petismo e na constituição de uma ofensiva sobre os mecanismos reais de poder nos espaços tradicionais de luta da classe trabalhadora. O rebaixamento do discurso em nome da unidade só nos fez acumular derrotas diante da crise. O apoio sem reservas a Fernando Haddad no segundo turno comprometeu a imagem do PSOL diante de amplos setores sociais que sofrem com a crise e não acreditam na alternativa de direita e menos ainda no desgastado e impotente projeto do liberalismo de esquerda.
A classe trabalhadora está ávida por uma tradução crítica de seu penoso retrocesso em termos sociais. Diante de tal fato, o chamado à resistência ao fascismo em abstrato não expressa senão a impotência organizativa da esquerda comandada pelo petismo, pois sem oferecer aos trabalhadores avaliação rigorosa da crise atual e opções concretas dos desafios políticos necessários ao seu enfrentamento real, os “atos de resistência” serão estéreis. Desperdiçarão energia e consumirão, desafortunadamente, a disposição que existe para a luta. É tarefa decisiva e estratégica do radicalismo de esquerda afastar-se do petismo e de sua crise terminal, não confundir-se com o liberalismo de esquerda no combate às contrarreformas estruturais e antipopulares que marcarão o governo do protofascista Bolsonaro e indicar nova referência crítica às maiorias no provável desgaste do governo ultraliberal que iniciará em janeiro de 2019.
Coordenação Nacional da Revolução Brasileira