A juventude imersa na crise: a organização como tarefa imediata

   O ano de 2020 se inicia com o prognóstico de uma das maiores crises da história do capitalismo. A deflagração de mais uma crise cíclica do capital, evidenciada pela desaceleração contínua da produtividade chinesa, bem como a pandemia do novo coronavírus (COVID-19), exasperam as contradições de nossa sociedade de classes e projetam um novo período de luta dos trabalhadores. É um momento de decisão em que a organização da classe trabalhadora, em suas respectivas entidades de classe, será fundamental para definir nossa vitória ou nossa derrota.

 

   Na porção subdesenvolvida do mundo o impacto será, com toda certeza, muito maior. Por um lado, a crise econômica global irá exigir o incremento na porção de mais-valia extraída na periferia, com o objetivo de compensar a inevitável queda drástica da taxa de lucro nos países centrais. Não haverá outra forma de fazê-lo senão pelo incremento colossal das fileiras do exército industrial de reserva e o consequente rebaixamento do valor da força de trabalho. Por outro lado, a vigorosa pandemia global de COVID-19 irá se potencializar frente à miséria de nossos sistemas de saúde e de nossos centros urbanos, ambos absolutamente incapazes de suportar tamanha adversidade. Teremos, portanto, uma severa crise econômica e de saúde pública que se retroalimentará, afligindo o trabalhador ora pela intensificação do nível de exploração econômica e pelo desemprego, ora pela própria possibilidade de perda da vida.

 

   Para nós, estudantes, a potência da crise não será menor. O amplo processo de proletarização que já nos acomete será incrementado, dada a necessidade material de manutenção das cada vez mais encarecidas condições de vida (entre 2014 e 2019 o percentual de jovens que procuram emprego saltou de 50% para 58,5%). O desemprego, na mesma medida, aumentará enormemente, considerando a saturação do mercado de trabalho no ambiente que certamente será recessivo (hoje, o desemprego entre jovens de 14 a 24 anos é de 27,8%). A informalidade do trabalho (hoje de 55% na população entre 14 e 24 anos) também aumentará e esgotará completamente todas as expectativas por estabilidade de emprego e de salário, jogando milhões diretamente nas atividades com maior taxa de exploração. A crise, nesse sentido, intensificará o processo de eliminação da antiga ideia de juventude, concebida como a possibilidade de exercer tempo livre, ao empurrar a massa dos estudantes para o processo de precarização do trabalho ou para as fileiras do desemprego.

 

   As condições de estudo e permanência, essas que há anos vêm sendo duramente reduzidas, também serão destroçadas perante a crise. Nosso modelo de ensino superior, em ampla decadência, produziu as condições para sua própria destruição ao se inserir num contexto de regressão gigantesca de nossa estrutura produtiva no pós-Plano Real e por nutrir um completo descolamento das universidades em relação às grandes questões do povo brasileiro. O processo de privatização, que traça suas origens aos governos de Fernando Henrique Cardoso, será amplamente acelerado, dada a necessidade que a crise impõe pela ampliação dos espaços de valorização do capital. O orçamento do Ministério da Educação, que foi bruscamente reduzido em 22 bilhões de reais em relação ao ano de 2019, é um primeiro indicador desse processo de aceleração. O orçamento das Universidades, da mesma forma, registra a drástica redução de quase 8% em relação a 2019, num saldo negativo de 3,6 bilhões de reais. Ao desagregar o orçamento, porém, percebe-se um cenário ainda mais conturbado, com a redução de 35% nas verbas de custeio (destinadas à manutenção da estrutura universitária e ao pagamento de trabalhadores terceirizados) e de categóricos 63% no orçamento de capital (destinado majoritariamente aos investimentos de longo prazo), deixando explícito o projeto de precarização do ensino público. Na esteira da crise, esses dados continuarão a se repetir, preparando o terreno para a completa privatização do aparato público de ensino superior.

 

   É nesse contexto de proletarização estudantil e de deterioração das condições de estudo que a pandemia do novo coronavírus surge também como um fator agravante da crise da juventude. Para os estudantes do ensino superior público, a crise vem evidenciar algo fundamental: a falência do modelo de universidade assistencialista, gestado nas últimas duas décadas pelos governos da ordem. Esse modelo de ensino embasado numa compreensão das universidades como mãe dos pobres – como meros instrumentos viabilizadores de ascensão individual – agora perece sob a crise do capital e as adversidades do novo coronavírus. A massa estudantil, majoritariamente de baixa renda (70% dos estudantes do ensino superior público possuem renda abaixo de 1,5 salários mínimos), se depara, nesse contexto, com a absoluta ineficácia das políticas de permanência, essas que foram a grande meca da política educacional dos últimos vinte anos. Por todo o país, a crise econômica e de saúde pública faz fechar os restaurantes universitários, além de dilacerar a manutenção de milhares de contratos de estágio e bolsas de pesquisa e extensão – as quais deveriam servir como ajuda de custo para o desenvolvimento das atividades, mas que efetivamente cumprem a função de salário, compondo parcela importantíssima da renda de grande parte dos estudantes. Nesse cenário, as reitorias apenas esboçam medidas de auxílio que são, na verdade, completamente insuficientes e ineficazes em face do alto custo de vida nas grandes capitais e nas regiões universitárias. É preciso entender, porém, que essas manifestações decorrentes da pandemia do coronavírus são, na verdade, apenas a aparência de uma crise que é muito anterior. As universidades e institutos federais, que por anos tentaram se consolidar como ilhas perante o restante da sociedade, agora encaram a dura realidade de uma crise total, que as impossibilita de sustentar seus programas mais básicos de assistência estudantil. Essa falência das políticas de permanência é também a falência dessa concepção assistencialista de universidade, completamente inviável nas condições de aceleramento da crise do capital e da agudização da guerra de classes.

 

   Nesse cenário de decisão, a organização estudantil será essencial para que a crise seja superada. As entidades estudantis deverão fazer a justa reivindicação de políticas de permanência emergenciais efetivas e que dêem conta das peculiaridades do momento de pandemia. Centros Acadêmicos e Diretórios Centrais precisarão cobrar duramente as administrações universitárias pela instituição de programas emergenciais que suportem os estudantes, principalmente aqueles em situação de vulnerabilidade financeira. Porém, mais do que isso, é importantíssimo que as entidades também estabeleçam programas alternativos de alimentação e auxílio para os estudantes em quarentena que ficarão desamparados pelo fechamento dos restaurantes universitários e/ou em decorrência da perda de bolsas. No atual momento, depender apenas das instituições tradicionais do Estado, essas mesmas que há anos restringem as políticas de permanência, é um erro catastrófico e uma irresponsabilidade gigantesca, a qual poderá ter como saldo milhares de estudantes desalentados. Por isso, nessa situação de emergência, urge também a necessidade da auto-organização estudantil.

 

   Para além disso, é preciso abandonar o isolamento que acometeu o movimento estudantil brasileiro nas últimas duas décadas e retomar o debate dos grandes temas da nação. É de primeira importância a reivindicação da supressão da EC 95, a EC do Teto de Gastos, bem como da Lei de Responsabilidade Fiscal, com o objetivo de liberar as divisas necessárias para o combate da epidemia. Da mesma forma, faz-se necessário avançar em projetos que dêem conta da tomada de controle dos hospitais da rede privada, com vistas a disponibilizar suas estruturas para amplo acesso da população neste momento de crise.

 

   Como alternativa política imediata, precisamos reforçar a dura e consequente oposição ao governo de Jair Bolsonaro. É necessário compreender que o governo de Bolsonaro não vacilará em fazer avançar todas as pautas da grande burguesia, mesmo no contexto de nossa grave crise econômica e de saúde pública. A saída do grande capital, que será sempre a vociferada por Jair Bolsonaro, será a do aprofundamento do nível de exploração da classe trabalhadora, o engordamento das fileiras do desemprego e da entrega de milhões de brasileiros à sorte individual frente a um contexto de pandemia. Como oposição a essa agenda, visando parar o rolo compressor que será direcionado à classe trabalhadora, precisamos dar centralidade ao grito de Fora Bolsonaro. Somente articulando todas as outras pautas com essa palavra de ordem, que rechaça de pronto todas as ilusões na sustentação do calendário eleitoral, poderemos construir uma alternativa para a classe trabalhadora na atual crise.

 

   Por fim, não poderemos perder de vista os objetivos estratégicos que suprimem os condicionantes fundamentais da crise que está posta. Por isso, precisaremos utilizar do atual momento de decisão para continuar a organização em torno da Revolução Brasileira, a única capaz de reverter em totalidade a atual crise e preparar a classe trabalhadora para todas os outros momentos decisórios que irão surgir. Em nível local de atuação, como estudantes organizados, precisaremos construir a consciência de que a magnitude da atual crise é catastrófica porque vigente sob um projeto de ensino superior que há décadas tem como norma a precarização das condições de estudo e o descolamento perante os grandes temas da sociedade brasileira. A luta por um novo projeto de Universidade, portanto, também deverá se potencializar durante o próximo período. Somente nessa articulação entre a resolução das tarefas imediatas e a construção de uma consciência que permita a emancipação completa de nosso povo poderemos avançar na organização da classe, garantindo nossa vitória atual e preparando o terreno para a vitória definitiva.

 

Juventude pela Revolução Brasileira

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Comentários

  1. Muito bem exposto o problema dos estudantes pela Revolução Brasileira e a importância de se manter ativo na luta pela melhoria da educação no Brasil. Devemos também levantar e defender a idéia da Universidade Necessária proposta por Darci Ribeiro onde a universidade será voltada para serviço do Brasil e da população brasileira e não como fuga de capital como tem sido nesses ultimos anos. Um Abraço.

  2. veja em que situação nos encontramos. Ao tempo que temos de a obrigação de tracejar críticas ao modelo assistencialista de universidade pública das últimas décadas, neste momento de pandemia temos de exigir que essas mesmas instituições garantam o mínimo necessário de assistencialismo para não abandonar estudantes pobres à própria sorte. O mesmo deve ser feito com relação a assistência aos trabalhadores precarizado e desempregados, muito embora não abrirmos mão da crítica ao sistema e ao governo.

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