Simdec diante do espelho

Cultura e o Mecenato moderno

 A instauração do regime democrático brasileiro consolidou a visão liberal do papel do Estado na construção do direito de acesso à cultura e na legitimidade da diversidade cultural, ao mesmo tempo. a partir da Lei Federal de Incentivo à Cultura, Lei n. 8.313/1991 (Lei Rouanet) o Mecenato moderno como forma de financiamento da cultura brasileira, através da renúncia fiscal. Essa forma de promover a cultura, que tanto sucesso fez na Europa e nos Estados Unidos, faz com que o estado considere, precipuamente, os interesses de setores empresariais na cultura brasileira. A adoção da concepção antropológica na construção de políticas públicas culturais, feita em 2002, não alterou a lógica do financiamento da cultura. Pelo contrário! De 2003 a 2015, nos governos Lula e Dilma, do PT, os recursos investidos na Lei Rouanet representaram 90,8% do dinheiro público (um pouco mais de 13 bilhões) destinado à cultura no Brasil. Tal forma de financiamento passou a fazer parte das políticas culturais dos estados e municípios que submetidos à égide da renúncia fiscal aderiram ao modelo. Em Joinville o Sistema Municipal de desenvolvimento da Cultura (Simdec) institui o Mecenato municipal em 2005.

 Essa lógica de financiamento anti-cultural liquida a força da cultura nacional, transforma trabalhadores da cultura em agentes culturais e favorece pequenas corporações dado a concentração de renda que isso provoca. Essa realidade pode ser observada ao analisar o primeiro ano do governo Lula, em que 75% do total investido em cultura, por meio da Lei Rouanet, foi captado no mercado por apenas 19,14% das empresas. Já em 2015, portanto no segundo mandato da presidente Dilma, ainda sob os auspícios do ministério de Gilberto Gil, 18,55% das empresas concentraram 75% do que foi investido, segundo dados da Camila da Costa. Quando o tema é o investimento em cultura, os problemas só se agravam. Em 2003 dos 461,157 milhões investidos pelo Mnic, 93,44%, foram destinados à Lei Rouanet, e apenas 6,56% ao Fundo Nacional de Cultura (FNC); no último ano do governo petista, foi investido 1,2 bilhão, do qual 97,33% foram destinados à Lei Rouanet e 2,67% ao FNC.

 Em geral governos liberais, de esquerda e de direita, não abrem mão dessa modalidade de financiamento. Em 2019, o governo Bolsonaro aumentou a captação para 1,4 bilhão de reais e no último ano o valor captado foi de 2,1 bilhões. Essa cifra só cresce a ponto de em 2023 o governo Lula ter captado 3 bilhões.

 Essas formas de financiamento, a despeito da sua capacidade de produção de grandes eventos, orientam e desenvolvem um tipo de cultura estéril, incapaz de oferecer elementos à emancipação popular. Voltadas aos desígnios do mercado, sustentada por decisões individuais, os sistemas de pensar e de sentir coletivos do povo são trocados pelos gostos e valores culturais mesquinhos de corporações financeiras e empresas multinacionais. À guisa de exemplo, a Feira do Livro de Joinville, no formato realizado, oferece muito pouco à cultura da leitura e à crítica à ordem liberal alienante.

 É fácil perceber que não ocorre aqui o que se passou em Cuba, depois da revolução, ou seja, o estado, através dos seus órgãos correspondentes, determina os fundos destinados ao financiamento da cultura e é o responsável pelo estabelecimento das prioridades dentro das alternativas possíveis. No Brasil o financiamento público para a cultura, para a pesquisa e para a divulgação dos bens culturais é limitado e há uma profunda dificuldade do povo ter acesso ao conhecimento e à arte.

 Essa realidade é agravada pelos planos culturais dos estados e municípios que estruturalmente concebem a política cultural como administração rotineira ou como um arcabouço de regras burocráticas do estado dedicado à arte, patrimônio, etc. Cumpre ressaltar que as políticas culturais devem pressupor, inexoravelmente, as necessidades culturais do povo, a sua forma de produzir e expressar, os seus sistemas de pensar e de sentir coletivos e fundamentalmente a personalidade integral do homem dentro do horizonte da revolução brasileira para a conquista de um destino livre.

 

A dimensão institucional da cultura em Joinville

 Em 2010 foi criado o Sistema Municipal de Cultura (SMC) de Joinville, uma forma institucional supostamente voltada à participação dos trabalhadores e pessoas comuns ligadas às políticas públicas. Com o ato de criação do SMC, o antigo Conselho Municipal de Cultura, de 1968, deixou de ter função consultiva de políticas culturais para função deliberativa. Como o plano deve ser revisto a cada dez anos, em 2022 começaram os trabalhos para atualizar o plano vigente. Com a criação do SMC adveio o Plano Municipal de Cultura (PMC) no fim do mandato de Carlito Mers, enquanto expressão dos anseios dos que dependiam das ações políticas estatais. Em boa verdade, ele é caudatário dos avanços institucionais, de orientação liberal, provenientes da CF-88. A ideia de um Plano Municipal de Cultura é fazer com que o poder executivo assuma um conjunto de compromissos acerca das políticas culturais, durante um período de dez anos. Ele é organizado pelo Conselho Municipal (órgão constituído por figuras da sociedade e do poder executivo).

 Mas um PMC não está incólume à dinâmica da economia, da política, da cultura e das classes sociais e da ideologia. O ato de batismo do Novo Plano, instituído pela Lei n.º 9.449, de 23 de agosto de 2023, foi precisamente uma tentativa de alteração na Lei do Simdec de 2005 proposta pelo vereador Profeta, Projeto de Lei Ordinária 164/2023, pelos vereadores do PL, Projeto de Lei 163/2023 e, recentemente, o PL 196/2025 enviado pelo Executivo, cujo objetivo é se adequar à Lei 14.903/2024 do governo Lula. Os dois primeiros projetos tentam limitar a forma de acesso, endurecer a prestação de contas e de seleção e alterar a concepção de projetos culturais relevantes para o desenvolvimento da cidade de Joinville. O PL 196/2025, do prefeito/Secult, incide diretamente na dinâmica de repasse de recursos aos “agentes culturais”, uma vez que reduz para 20% o repasse ao Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC). No fundo, são alterações que incidem na concepção do papel da cultura ao desenvolvimento da cidade; isso afeta os trabalhadores da cultura de diversas maneiras, já que a grande maioria depende desses editais para produzir a existência.

 

SIMDEC diante do espelho

 Alterações no SIMDEC (Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura) sempre ocorreram, à direita ou à esquerde liberal. Desde o nascedouro ele foi objeto de disputa, já que de um lado é uma forma de financiamento do executivo, portanto, envolve o orçamento, e isso está jungido à condução da economia política e, de outro, envolve os caminhos ideológicos dos envolvidos com a cultura, mesmo que de forma institucionalizada.

 O que nos importa nessa análise é o seguinte: o Simdec tal qual se encontra é indefensável; o que não significa que estamos a apoiar as propostas conservadoras e reacionárias, como o PL 196/2025. O busílis da questão é o fato de que ele não atende às necessidades dos artistas e trabalhadores culturais (juventude, intelectuais, trabalhadores urbanos e rurais, organizações populares, etc). É fácil constatar que o Simdec ao adotar a perspectiva antropológica na construção de políticas públicas culturais dos governos liberais petistas, não suplantou a lógica degenerativa do mecenato.

 O Simdec é uma política pública jungida ao horizonte de um estado democrático, dentro de um estreito limite orçamentário e parte de uma relação alienada com os chamados “agentes culturais” responsáveis pela produção/difusão de cultura. Ora, a cultura de uma cidade não pode ser reduzida ao que eles produzem tão somente; e mais, dado a superexploração a que estão submetidos, esses dependem dos recursos do estado como o coração do sangue. Em razão de tais limitações se criou um sistema circulatório entre editais e trabalhadores culturais concorrencial e anti-cultural. Por outro lado, reforçou a ideia de “agentes culturais” a transformar trabalhadores em figuras empreendedoras transformando a captação de editais em um meio de conquista individual sem vínculo com a cultura nacional emancipadora.

 Essa situação se agudiza quando se percebe a debilidade no repasse do executivo municipal ao Simdec, somado à “desigualdade interna na distribuição dos recursos”. Segundo dados do Diagnóstico Cultural de Joinville: de 2017 a 2022 os recursos se concentraram em cinco áreas: cinema e audiovisual, dança, música, patrimônio cultural (material e imaterial) e Teatro, em detrimento de artes visuais, carnaval, circo e palhaçaria. Afora, segundo revela o mesmo Diagnóstico, há problemas na periodicidade do “lançamento dos editais, nas respostas do Poder Público, acerca dos resultados (positivos e negativos) dos projetos culturais e no processo de prestação de contas dos projetos”.

 Segundo dados recentes a participação da cultura no total de gastos caiu nas três esferas de governo. Na esfera federal, podemos perceber uma retração de 0,07 p.p. frente ao início da série, em 2012, passando de 0,10% para 0,03%. Quando o cenário são os estados, a redução foi de 0,07 p.p. (de 0,41% para 0,34%). Já nos governos municipais, os gastos com cultura que representavam 1,05% do total das despesas em 2012 caíram para 0,81% em 2022, uma retração de 0,24 p.p.

 A defesa do Simdec, tal qual se apresenta, só é possível diante do ataque acima, mas consideramos um grave erro a defesa dele como têm feito: coletivos culturais, organizações populares, partidos da esquerda liberal, grupos identitários, etc. A defesa também foi realizada pela equipe da Univille, responsável pelo Diagnóstico Cultural. A hipótese lançada de que o “SIMDEC, em conjunto com os trabalhos do CMPC, poderia ser compreendido como elemento de uma sofisticada política cultural” não suporta o primeiro vento. Não há a mínima possibilidade, guardadas as condições atuais, do Simdec se tornar tal elemento. Esse tipo de afirmação desconsidera os interesses burgueses que atravessam as instituições culturais. Os que acreditam em um Simdec incólume aos conflitos sociais não entendem o papel que a cultura exerce na batalha das ideias e na acumulação capitalista, especialmente nos dias que correm marcados pela guerra de classes.

 Há, como sabemos, uma distância considerável entre os projetos culturais enviados e os contemplados, de modo que não deveria causar espanto, até mesmo aos ingênuos, a defesa de um Simdec sem barreiras; um caminho aberto entre os trabalhadores, grupos culturais, populações tradicionais, etc e o recurso público. Se a cultura é uma forma de mediação entre o homem e a sua própria criação, a sua riqueza socialmente produzida, suas expressões, os seus sistemas de pensar e de sentir coletivos, etc, portanto um caminho indispensável socialmente, faz-se urgente o atendimento de projetos culturais de todo o nosso povo.

 O desafio é imenso, posto que submetido à direita liberal e conservadora o Simdec é sequestrado e o orçamento é direcionado aos seus interesses; é fácil perceber que o PL 196/2025 direcionará os recursos públicos a grandes eventos, como shows, feiras, festivais de orientação liberal e conservadora, ou seja, usará o dinheiro público para fins privados; quando o tema é o CMPC, usam de todo tipo de manobra para esvaziar e liquidar a participação popular nesses espaços. Mas a realidade não é menos miserável quando a esquerda liberal está no comando, já que jungido à lógica das políticas públicas liberais é incapaz de propor ações emancipadoras que superem o velho quadro surrado do orçamento participativo, ações afirmativas e participação cidadã e, de outro lado, o CMPC, com suas formas estéreis e improdutivas, sem um horizonte revolucionário, transforma a participação política em uma atividade alienante.

 Atualmente o Simdec destina 50% ao Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC) e 50% autorizados como renúncia fiscal, ao MMIC – Mecenato, Municipal de Incentivo à Cultura; tendo como parâmetro o mínimo de 2% e o máximo de 3% da receita anual do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN e do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU.

 À guisa de comparação podemos mostrar o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e o seu investimento na área.

 

Ibram, Secult e o orçamento cultural de Joinville

 No ano de 2024 o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) por meio de 4 editais (Prêmio Darcy Ribeiro e Educação Museal, Prêmio Ponto de Memória – Edição Helena Quadros, Prêmio Inventários Participativos e Edital de Implantação e Fortalecimento de Sistemas de Museus) investiu R$ 7.029.189,00 nas cinco regiões do território brasileiro a totalizar 147 projetos empenhados. Em SC foram 4 projetos, totalizando 322.100,00 reais investidos no setor museal pelo Ibram.

 O edital Prêmio Darcy Ribeiro, criado em 2008 pelo Iphan e mantido pelo Ibram, no terreno de ações educativas, teve em 2024, 30 projetos empenhados a totalizar 1.200.000,00 em todo o país. No estado de SC, foram 80.00,00 reais para dois projetos contemplados. O edital Prêmio Pontos de Memória, o principal edital do Ibram, cuja finalidade é “reconhecer e premiar práticas em museologia social e processos museais comunitários que tenham contribuído para a identificação, registro, pesquisa e promoção do patrimônio material e imaterial de grupos, povos e comunidades representativos da diversidade cultural brasileira”, portanto trata-se de um edital decisivo para as práticas dos museus, teve 100 projetos empenhados em 2024 a totalizar R$ 4.000.000,00. Em SC tivemos 01 projeto contemplado de 40.000,00 reais.

 Já no edital Prêmio Inventários Participativos, de 2024 cuja finalidade é “estimular, promover e difundir a realização de inventários participativos”, SC não teve nenhum projeto contemplado a caber a SP e CE consumir 50% dos recursos. Por último o Edital de Implantação e Fortalecimento de Sistemas de Museus contemplou um único projeto em SC no valor de R$ 202.100,00.

 Outra fonte de recursos adveio dos Investimentos da União – Transferências Voluntárias – Emendas Parlamentares. A série histórica 2020-2024 nos revela que foram 61 instrumentos formalizados com recursos de emendas parlamentares individuais totalizando R$ 25.575.454,39 investidos no setor museal nas cinco regiões. Os objetos de instrumentos (projetos museais) são os mais variados, de Ação Educativa e Conservação/Preservação a Criação de Museus, Exposições e Infraestruturas. SC teve três projetos de 314.051,39 reais.

 Como podemos observar, o orçamento estritamente de museus no Brasil e SC é miseravelmente baixo. Quando miramos o que ocorre nos estados e municípios o horizonte não é diferente. É fácil perceber uma queda da despesa com cultura nas três esferas de governo: i) no âmbito federal, de 2012 a 2022, foi de 0,10% para 0,03%; no estadual, no mesmo período, foi de 0,41% para 0,34% e no municipal, de 1,05% para 0,81% (segundo dados do IBGE).

 A realidade não é diferente quando se observa o investimento do município de Joinville em todo o setor cultural. Conforme dados elaborados pela Equipe/Univille (2024) percebemos uma queda na série histórica de 2013 a 2022. Em 2013 a prefeitura investiu 1,20% do orçamento de R$ 1.278.267.391,66, já em 2022 o investimento foi de 0,83%.

 

O PL 196/2025

 A alteração proposta pelo PL 196/2025 do prefeito atinge em cheio a forma de financiamento da cultura. A proposta visa destinar 80% ao Mecenato Municipal de Incentivo à Cultura (MMIC) e reduzir a 20% a destinação ao edital Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC, o fundão, como eu chamo, dentro do qual estão os trabalhadores da cultura na sua forma física ou jurídica). Depois de vinte anos de existência o Simdec foi “homenageado” com um Projeto de Lei que visa sobrevalorizar o investimento no Mecenato.

 Qual o significado de tal proposta? Acreditamos se tratar de uma ação que visa contemplar um número maior de empresas que buscam patrocínio e divulgação; como também aumentar o número de projetos culturais com fins comerciais, já que as empresas escolherão o projeto a ser financiado e, sem dúvida, aumentar o controle dos projetos. Como se trata de um projeto de lei advindo de um governo de ultradireita, a medida restringe as propostas culturais de trabalhadores culturais (ou MEIs) com interesses diversos sobre a cultura, muitas vezes abordando temáticas indesejáveis ao horizonte da cidade.

 Essa ação guarda íntima relação com o Movimento 100% Joinville: juntos pela cultura e o Núcleo da Indústria da Cultura, da Associação Empresarial de Joinville (ACIJ). A mesma instituição criou o Banco Social com o objetivo de compilar projetos sociais e culturais e aproximá-los de empresas e pessoas físicas que tenham interesse em fazer a doação com vistas a ter o benefício da dedução fiscal, através de leis de incentivo nas três esferas de poder. O aumento para 80% favorece ainda mais a capacidade de participação dessas empresas.

 Mais do que tudo, trata-se de um ataque frontal aos trabalhadores da cultura, à juventude, aos pequenos grupos vinculados à cultura popular-urbana-rural, etc que na impossibilidade de reproduzir a existência por meio do assalariamento ou de qualquer outra atividade, tentam via editais públicos assegurar a sua vida. Os trabalhadores culturais, para além da árdua tarefa de difusão e resgate do que há de mais importante na cultura, são trabalhadores superexplorados, a viver em condições limitadas e muitos fazem dos editais o único meio de subsistência. São, verdadeiros, “caçadores de editais”; trabalhadores comprometidos com o que fazem, dotados consciência cidadã, ainda que importante, mas incapazes de transitar a uma consciência crítica emancipadora, que resgate o caráter revolucionário da cultura nacional. Portanto, o PL 196/2025, mira os trabalhadores que vivem desses editais e restringe ainda mais as possibilidades de manifestação artística e cultural.

 

Os limites do CMPC

 O Art. 01 do Decreto Nº 17.413, de 04 de fevereiro de 2011, que aprovou o Regimento Interno do Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), assevera que o conselho é “um órgão integrante da estrutura básica do SMC, instância permanente, de caráter normativo, consultivo, deliberativo e fiscalizador, que atua na formulação de estratégias e controle da execução das políticas públicas de cultura do município de Joinville, nos termos da Lei 6.705, de 11 de junho de 2010”. Portanto, o CMPC, como todos os conselhos de cultura, é formado por representantes da sociedade civil e do poder público municipal. O conselho de Joinville é constituído por 48 membros, sendo 24 titulares e 24 suplentes, nomeados pelo Chefe do Poder Executivo para um período de 2 anos, permitida uma recondução.

 Além de ser um órgão integrante ao SMC e paritário, o CMPC possui as conferências, enquanto arenas políticas onde os interesses mais abrangentes e antagônicos se confrontam explicitamente, em outras palavras, é o terreno sobre o qual os envolvidos revelam as suas necessidades, anseios e interesses e utopias. No entanto, o CMPC, e suas instâncias, como as conferências, podem, ser considerados espaços que manifestam a natureza mais acabada das penúrias e propostas que historicamente acompanham os trabalhadores da cultura? E mais, é possível apreender os detalhes mais simples deste complexo mundo da cultura de Joinville a partir delas, que sequer contam com a participação popular?

 Desse modo, a relação que se estabelece com o poder executivo não favorece a autonomia e o caráter de classe dos conselhos. O conselho de Joinville, ao contrário do postulado acima, sempre apresentou uma harmoniosa relação política com o executivo municipal a ponto do Manifesto “Retrocesso na cultura, não!”, realizado por amplos setores de trabalhadores da cultura há dez anos, diante da Reforma Administrativa de Udo Dohler, afirmar que tal reforma diminuiria os recursos do SIMDEC. Ou ainda, o presidente da antiga Fundação de Cultura de Joinville, Raulino Esbiteskoski mostrou intimidade com o CMPC, quando disse sua atuação seria ligada aos anseios do conselho. Por último, como não falar da renúncia do presidente da CMPC eleito no alvorecer de 2020 assim que recebeu o convite da Secult para ser coordenador.

 Essa íntima relação é uma herança do Regimento Interno do Conselho Municipal de Cultura da cidade de 1971, de acordo com a Lei 951 de 26/08/1968 e reformulada pela Lei 1.152 de 14/10/1971, segundo o qual cabia ao prefeito proceder a nomeação dos conselheiros, primeiro livremente e em seguida a partir de uma lista tríplice criada pelo próprio conselho (considerando personalidades eminentes, de reconhecida idoneidade e representativas da cultura municipal).

 Não é difícil concluir, portanto, que a despeito da participação dos trabalhadores da cultura nas decisões políticas, a processualidade e centralidade de outrora e as formas liberais de hoje, entre conselho e poder executivo, impedem ações emancipatórias a favor dos trabalhadores.

 

Revolução brasileira e cultura nacional

 Em Joinville, a esquerda liberal, sob o comando do Partido dos Trabalhadores (PT), se tornou um obstáculo à práxis revolucionária. Não possui nenhuma atividade orgânica com objetivos táticos que visem defender os interesses da classe trabalhadora, ao contrário, por meio das suas vereadoras comanda as ações identitárias e moralistas se tornando linha auxiliar da burguesia da cidade, como pode ser observado quando votou a favor da Lei 9.048 de 03 de dezembro de 2021 que institui o Programa Municipal de Parcerias Público e Privado que hoje permite privatizar espaços culturais e museus da cidade.

 É fácil perceber que o crescimento e consolidação da direita levou a esquerda, em um movimento sem retorno, à defesa da democracia enquanto valor universal. A única vitória do PT na cidade, com o Carlito no comando, consagrou os limites liberais do partido e cancelou qualquer alternativa salvo a defesa da ordem liberal. Outros partidos da esquerda liberal, como o Psol, PCB, PDT e PcdoB e sindicatos, submetidos ao tacão petista, se tornaram partes constitutivas do mesmo obstáculo político. Não está a crítica ao regime político nas preocupações principais da esquerda liberal em Joinville; podemos mesmo dizer que não faz parte, sequer, das agitações políticas secundárias. Somente uma circunstância nos autoriza a afirmar que exista algo de crítico nos programas políticos desses partidos. As organizações populares, movimentos sociais e grupos e coletivos jungido à lógica do identitarismo, a destacar o “eu soberano” como princípio de luta, fragmentam a luta do nosso povo e da juventude e suplantam qualquer tentativa revolucionária da classe trabalhadora. Palavras vazias como o amor vai vencer o ódio não traduzem a revolta legítima do nosso povo contra o regime liberal e abrem espaços ao empreendedorismo, reacionarismo e ao identitarismo como formas políticas da direita e da esquerda liberal.

 Urge a construção de um movimento cultural, nacional-revolucionário, por dentro do qual possamos organizar os intelectuais e as massas populares em favor da cultura nacional a da memória da mestiçagem do povo, as suas formas de financiamento, de uso dos museus, espaços populares e bibliotecas, das festas e feiras e praças populares. Não menos importante será o enfrentamento político à direita reacionária e conservadora e sua ideologia do empreendedorismo e, de outro lado, ao identitarismo praticado pela esquerda liberal.

 O nacionalismo revolucionário é eixo unificador da revolução brasileira nas diversas formas de atuação, inclusive e especialmente na orientação dos intelectuais e da cultura, no intuito de contribuir na organização dos trabalhadores em sua tarefa histórica de realizar a revolução.

 

Revolução Brasileira – SC

 

 

 

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