O cenário de Joinville
A economia joinvilense sofreu profundas transformações no século XXI. A partir de 2014 as importações superaram as exportações; dados recentes revelam que ao longo de 2014 a cidade importou 2,1 bilhões de dólares e exportou 1,28 bilhão; já em 2024, as importações alcançaram 4,7 bilhões de dólares e a exportação 1,3 bilhão. Da estrangeirização das indústrias do final do século XX à regressão industrial de 2010, a cidade viu o setor de serviços ultrapassar o industrial. Em 2012, o percentual de participação dos setores de serviço e industrial na economia foi o seguinte: 38,36% e 36,86%; já em 2021 foi de 40,32% e 26,49%, respectivamente. Ocorre a partir de 2010 uma nova configuração da acumulação capitalista na cidade industrial de Joinville. Essa realidade provocou mudanças expressivas na cidade.
Uma das primeiras mudanças adveio da transformação do ordenamento político para atender às novas exigências impostas pelo novo padrão de acumulação. O governo Carlito (como veremos) inaugura essas mudanças. Mas elas seguem na gestão do industrial Dohler, especialmente com a flexibilização das leis ambientais, a “modernização” do setor público e a austeridade nos gastos públicos. No que concerne à política econômica, Udo dá continuidade ao que já estava a ocorrer com o governo Carlito Mers (PT), ou seja, ambos garantiram a realização das tarefas da burguesia local naquele momento.
É oportuno notar, por fim, a expressiva mudança demográfica ocorrida de 2017 a 2022 quando a cidade passou de 569.675 habitantes para 616.320 (conforme pesquisa recente), portanto, um crescimento de quase cinquenta mil habitantes em cinco anos; e de 2022 e 2024 a gerar um crescimento de quase quarenta mil habitantes, ou seja, 6,26%, ficando em segundo lugar entre as maiores cidades do sul do país, só sendo superada por Florianópolis com 7,29% no mesmo período, exigiram dos prefeitos ações renovadas.
O fetiche pela cidade dos príncipes não impede que o prefeito oculte o fato segundo o qual em 2010 o percentual da população com rendimento nominal mensal de até 1/2 salário mínimo per capita, foi de 26,5 %; e que em 2020 foi para 61 mil pessoas (23,11%) ou ainda, que cerca de 45% da população econômica ativa da cidade vive com 2,8 salários mínimos. A dura realidade de boa parte da população contrasta com ideia cinicamente propalada de cidade europeia, de imigrantes empreendedores que diante das mais profundas contradições se ergueram e superaram os seus limites. Nada mais falso (!). Mesmo aqui na “cidade dos príncipes” a superexploração da força de trabalho é a força motriz do desenvolvimento capitalista dependente.
O fracasso do governo Carlito
A marca do atual governo de Joinville são as privatizações, mas elas foram introduzidas no governo de Carlito Mers (2008 a 2012). Foi nesse período que ocorreu a privatização da Expoville (PL 193/2011), com o entusiasmo não só do prefeito, mas da presidente da Fundação de Turismo (Promotur) e de vereadores petistas; e os convênios com entidades privadas, como o Instituto Ajorpeme: Ética e Desenvolvimento Social, na Rede Municipal de Educação de Joinville, se mantiveram, conforme mostra Zarpelon (2011). A Lei 7.153, de 19 de dezembro de 2011 autorizou o Carlito, por intermédio da Secretaria da Educação, a celebrar para obter auxílio financeiro e técnico para viabilizar o atendimento de 1.550 crianças em média de zero a cinco anos, matriculadas nos CEI`s associadas à AJORPEME.
Cumpre ressaltar que Carlito se elegeu com um programa ancorado nos trabalhadores, mas ao se eleger revelou o seu caráter liberal e manteve o programa da burguesia. Foi o que ocorreu quando não alterou a lógica privatista da malha urbana e do transporte público; manteve os convênios com entidades privadas na educação; na cultura, fincou os dois pés nas políticas públicas, sem avançar um milímetro rumo a um programa político emancipatório, como se a mera institucionalidade, como o Simdec, Sistema Municipal de Cultura, etc, pudesse alterar a correlação de forças na cultura a favor dos trabalhadores, e, sobretudo, no terreno político, não convocou o povo para enfrentar os grandes problemas. Sequer resgatou a memória política de ocupação de fábricas de Joinville; um legado de luta dos trabalhadores indispensável e potente para enfrentar, por exemplo, a ideologia do empreendedorismo que nos dias que correm nos liquida, como uma doença que consome o corpo. Em boa verdade, o sonho perigoso vivido pelos trabalhadores na ocupação já havia sido descartado pelo governo Lula em 2003 e considerado como algo estranho à luta. Carlito terminou o mandato altamente rejeitado e abandonado inclusive por Lula e Dilma que durante a eleição de 2012 sequer apareceram para apoiá-lo. A articulação com Luiz Henrique e com Dohler marcou aquele pleito a sustentar a vitória do industrial.
Não é demais asseverar que Adriano está a aprofundar as privatizações com base na herança institucional dos governos petistas. A lei de contratação de parceria público-privada, Lei 11.079 de 2004, foi aprovada no governo Lula e a Lei 9.048 de 03 de dezembro de 2021 que institui o Programa Municipal de PPP, contou com o voto da primeira vereadora negra da cidade. É fácil perceber uma continuidade entre os dezesseis anos dos governos petistas e o governo liberal e conservador de Adriano. Os governos petistas germinaram os governos Dohler e Adriano. O prefeito atua de forma desinibida em uma cidade sem movimentos de esquerda. Não raro, se coloca como alternativa aos trabalhadores, ainda que reacionária, enquanto promessa de um futuro digno.
A vereadora petista de Joinville
A adesão da esquerda à ordem burguesa liberal definiu a forma de atuação política dentro dos partidos e das organizações sociais e sindicais. Aqui em Joinville o crescimento e consolidação da direita levou ainda mais a esquerda à defesa da democracia enquanto valor universal. A única vitória do PT na cidade, com o Carlito no camando, consagrou os limites liberais do partido, ainda que visíveis desde 2002, e cancelou qualquer alternativa que não seja a defesa da ordem liberal.
Não está a crítica ao regime político nas preocupações principais da vereadora do PT em Joinville. Podemos mesmo dizer que não faz parte, sequer, das agitações políticas secundárias. Somente uma circunstância nos autoriza a afirmar que exista algo de crítico no mandato da vereadora.
O primeiro ato de Vanessa da Rosa, na aurora do seu mandato, foi convictamente votar no candidato Diego Machado, do PSD, à presidência da Câmara, sob o pretexto de manter a unidade e participar de alguma comissão. Sequer cogitou se lançar candidata e denunciar o regime democrático liberal enquanto critério de diálogo; aliás, a única forma de se tornar uma referência popular em um espaço anti-povo como a Câmara de vereadores.
A sua antecessora no essencial sempre votou a favor do governo, como foi o caso da Lei 9.048 de 03/12/2021. De modo que a guerra estabelecida contra os trabalhadores na cidade encontra facilmente uma tradução tanto no liberalismo de esquerda quanto no de direita. Ambos estão a serviço do mesmo projeto, por essa razão, só restou à petista a defesa abstrata da democracia e dos valores morais.
O prefeito e a guerra de classes
A vitória eleitoral de Adriano Silva em 2020 foi a saída encontrada pela burguesia local com vistas a seguir com a guerra de classes e tentar regenerar o regime político. A aposta em um novo industrial revela, de um lado, a continuidade da política de austeridade econômica e, de outro, a tentativa de renovar as ações políticas esgotadas da “gestão de novo tipo” dohleriana. Adriano Silva governa, portanto sobre a base institucional herdada e nas condições atuais aprofunda o receituário liberal como: i) a reforma da previdência, aprovada no alvorecer do seu governo ii) o mutirão ideológico da desburocratização, que em última instância cria as condições fiscais (como vimos recentemente na criação do Distrito Industrial do Paranaguamirim) e ideológicas necessárias à burguesia e iii) a reforma administrativa, que no horizonte desmantela o serviço público a aprofunda as privatizações.
Governos liberais, de esquerda e de direita, de Carlito a Adriano, aderiram a guerra decretada pela burguesia contra os trabalhadores. Tal guerra se expressa de diversas formas, mas, para o nosso propósito, as privatizações, via parcerias público-privadas, a reforma da previdência e a reforma administrativa ganharam um caráter especial. Não menos expressiva foi a Carta ao joinvilense, lançada em 2020, a revelar que a sua gestão teria por “missão retirar as barreiras que o governo cria para que o cidadão possa definir seu próprio destino”.
O “mutirão da desburocratização”, bordão reproduzido durante a campanha, tem sido um dos pontos do seu governo. Portanto, as dificuldades do indivíduo em empreender, segundo o prefeito Silva, seria resultado da falta de motivação do “time público” e das boas práticas da prefeitura. Ora, a incapacidade de definir o seu próprio futuro é precisamente a característica marcante da sociedade burguesa. Nos dias que correm o que observamos é uma imensa massa de despossuídos das condições materiais mínimas para empreender e uma profunda concentração e centralização da riqueza. Nos países dependentes e subdesenvolvidos a dinâmica é a superexploração da força de trabalho que impede qualquer possibilidade de prosperidade econômica estruturada. Diante desse quadro, ser empreendedor é uma fantasia, já que o volume de riqueza concentrada e centralizada nas mãos da burguesia impede a existência de empreendedores individuais. O que o prefeito não responde é que empreender no ramo imobiliário da cidade, por exemplo, se tornou uma impossibilidade. Afinal, poucas famílias concentram e centralizam a propriedade da terra e da malha urbana a impedir qualquer tipo de empreendedorismo consistente por parte de quem se aventura nesse ramo.
A Reforma Administrativa
No dia 12 de maio de 2025 o prefeito enviou à Câmara a Reforma Administrativa, com o objetivo de aprofundar o ataque aos servidores públicos e de criar as condições necessárias à ampliação do arco de alianças políticas do seu governo. A reforma segue a mesma lógica da reforma administrativa apoiada pelo governo Lula atualmente em discussão no congresso. Ao prefeito ela é um ato político de fortalecimento do seu governo, de um lado, e de outro, expressão da guerra travada, que no horizonte afeta toda a cadeia de serviço público da cidade.
A Reforma foi dividida em 19 Projetos de Lei e seguramente os projetos mais decisivos são o PL 127/2025, pela criação de novos cargos, funções gratificadas e dá outras providências ao regime do executivo; o Projeto de Lei Ordinária Nº 129/2025 (Dispõe sobre a estrutura colegiada e administrativa do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Joinville IPREVILLE e dá outras providências) e Projeto de Lei Complementar Nº 24/2025.
Entendemos que o pressuposto da reforma administrativa é verdadeiro, a destacar as imensas transformações sociais ocorridas nos últimos anos, mas há um abismo entre a proposta e realidade. Os problemas sociais em geral dos últimos anos não serão resolvidos, obviamente, por uma reforma superficial. Não é difícil perceber que tal reforma ao criar novos cargos comissionados e gratificações, de coordenadores a diretores, não oculta o desejo de atender ao projeto político reconfigurado por uma ampla base de apoio e, fundamentalmente, visa a intensificação da força de trabalho, algo familiar a um industrial que comanda a prefeitura sob o regime de uma empresa privada.
O Sinsej e a luta política
A atual direção do Sinsej está diante de um grande desafio: mobilizar os servidores, reconstruir a combatividade adquirida noutrora e avançar na consciência política. Ao mesmo tempo voltar ao o passado é impossível; atuar no presente, a propor melhorias ao regime político, se mostrou uma grande ilusão; só resta, portanto, construir os caminhos de uma novao radicalidade política. O Sinsej, cuja direção está nas mãos da Organização Comunista Internacional (OCI), antiga Esquerda Marxista, é uma velha organização política da cidade, ainda que atualmente não guarde relação com o PT, adveio da costela do partido. É a terceira vez que a mesma orientação preside o sindicato, mas sem dúvida, é o período mais importante, dado as condições econômicas sublinhadas acima, o crescimento da direita na cidade e, especialmente, as limitações da esquerda liberal no Brasil e em Joinville.
A mesma organização que está à frente do sindicato, presidiu o PT em 2013, com o lema “Virar à esquerda e reatar o socialismo”, terá que superar todo a ingenuidade do liberalismo de esquerda que flertou no passado. Não é demais lembrar que o quadro mais qualificado da organização, Adilson Mariano, foi amplamente rejeitado nas eleições municipais em 2016 e que, entre 2010 e 2016, período que presidiu o Sinsej, tampouco exerceu algum tipo de radicalidade política.
No entanto, a vitória de março de 2025, colocou-o em uma situação favorável perante os trabalhadores, mas o que percebemos, até o presente, é uma recapitulação da velha tática ilusória que orientou a esquerda marxista no passado recente. Um sindicato não pode dar margem à ambiguidade política sob pena de perder todo tipo de apoio. A primeira tarefa a ser feita seria apresentar a sua posição política sobre o governo Lula e o PT da cidade, a passar pelo mandato da vereadora petista na Câmara. A direção do Sinsej precisa deixar claro o seu caráter revolucionário, o que exigiria, indiscutivelmente, romper com o petismo e com a vereadora. Nas atuais condições de luta de classes qualquer organização que pretenda ter arraigo popular necessitará romper com a esquerda liberal, comandada pelo petismo.
A direção do Sinsej recebeu do prefeito um destemido convite à luta; será o seu primeiro ato e, dado os limites do sindicato e da configuração parlamentar da cidade, a reforma tende a ser aprovada, ainda que o sindicato possa esgarçar a processualidade e ganhar força. Ela guarda íntima relação com programa liberal comandado por Lula/Haddad no executivo federal; é por esta razão que a crítica deve se estender ao regime político na sua totalidade. Não há como dissociar o ataque aos servidores públicos e às privatizações em Joinville ao que vem promovendo Lula no Brasil.
Parece claro que não cabe outro caminho aos trabalhadores senão apoiar a luta contra a reforma. Todavia, é indispensável a observação dos caminhos que têm tomado a esquerda liberal, especialmente o PT e a atuação da vereadora na Câmara, como também o Sinsej (mesmo na sua atual versão). Outrossim, é urgente que organizações sindicais e partidos políticos de esquerda criem um novo radicalismo político, enquanto forma de atuação, para que somado à iracundia e às experiências concretas das massas trabalhadoras sejam capazes, de forma independente, enfrentar as contradições da atualidade.
É uma rotunda ingenuidade supor que sem romper com a ordem liberal seja possível qualquer tipo de apoio consistente da classe trabalhadora. Ao proceder dessa forma despolitiza os trabalhadores e reforça a sua atuação enquanto linha acessória da ultra direita. As massas já tomaram consciência, de modo dialético, que a institucionalidade liberal é incapaz de criar condições que permitam o gozo da uma vida boa. O isolamento da classe trabalhadora ao sistema político deve encontrar na vanguarda política o seu instrumento de emancipação.
A reforma política se tornou um caminho possível de retomada da luta política do sindicato, mas para tal é preciso superar todos os erros do passado. Algo, aliás, distante da atual direção.
Revolução Brasileira – SC
Nossa, fazia tempo que não lia um texto tão ruim sobre a luta de classes em Joinville. Faz muitos anos que não se vê ninguém da RB em atuação nenhuma na militância em Joinville, mas eu achava que se ainda tivesse alguém ali pelo menos saberia fazer umas análises boas. Mas esse texto é a prova de que nem isso é capaz mais, e não tem a capacidade de apurar um mínimo de informações básicas antes de publicar. Chega a ser piada uma organização que ainda tá dentro do PSOL querer chamar os outros de esquerda liberal.