O bolsonarismo e a identidade de sua base social

 Bolsonaro com sua política e sua base social surgem como que “do nada” e tomam conta da política nacional, desestruturando décadas do arranjo da Constituição de 1988 e da armação do jogo liberal no sistema “PTUCANO”.

 Analisando o quadro a partir da base social bolsonarista que segue firme no apoio e na sustentação do seu governo, compondo de 10 a 20% da população, observa-se que esta base social é composta majoritariamente pela classe trabalhadora mais elementos da classe do capital, no passado eles apoiaram e votaram tanto no PT quanto no PSDB, mas agora encontraram um representante mais sintonizado com suas aspirações, motivações e valores.

 Bolsonaro encarna para sua base uma desconfiança permanente do Estado que assume uma crítica ao sistema que se manifesta na rejeição de regras e leis comportamentais ou restrições de vida tais como:  limite de velocidade, cinto de segurança, obrigação de mandar filho para escola, controle de armas, obrigatoriedade de vacinação, restrição de abertura do comércio ou aos negócios, limitações ao direito de ir e vir, controle de manifestação políticas e inclusive qualquer bloqueio para “mentir e difamar”, proibição de atacar aqueles que se comportam diferente ou de manifestar abertamente racismo e segregacionismo.

 O bolsonarista tende a ser descrente da institucionalidade e do Estado de Direito, exigem que o STF e os tribunais se subordinem a sua força e a sua pauta e decidam conforme sua linha política. Defendem um “direito derivado” de sua força social. Não se pode desconsiderar que este sentimento tem origem na real situação de lentidão, insuficiência e orientação classista da justiça brasileira.

 Enfim, sua base social demanda que a solução dos problemas e conflitos sociais sejam resolvidos pela força de seu grupo social, é a lei da força, do linchamento, da força de quem está armado e, por fim, pela força dos poderosos ou seja dos proprietários do capital.

 O sentido geral é de que a capacidade de repressão saia da abrangência do “Estado Organizador” e seja assumido e exercido pelas forças disseminadas na sociedade: as milícias, grupos paramilitares, fazendeiros, o próprio cidadão armado daria conta da situação. É a força pura e bruta esmagando o que estaria errado ou fora de lugar.

 Outro aspecto que unifica sua base é ideia de dar poder à Polícia e aos Militares para o exercício direto da força, é o arbítrio sem a mediação do Estado de Direito. A execução extrajudicial pela polícia de qualquer um e a qualquer hora conforme o critério do policial é o método preferido e demandado para a ação policial. Isto deriva de uma situação material real da sociedade que sofre com o banditismo no seu dia-a-dia num país violento em que o Estado historicamente não provê segurança e a busca da solução violenta e rápida parece aceitável, sendo que o risco dos matadores se tornarem um novo poder sobre toda a sociedade não é ponderado ou lembrado.

 A visão de que o militar e o policial são pertencentes a instituições de Estado de moralidade e capacidade superiores pelo sentido de ordem e disciplina contradizem com a demanda de liberdade e redução do controle legal. Valoriza-se a força e as instituições de força física e desqualificam-se as demais instituições de mediação e organização, inclusive valorizando o policial e o militar como melhores que o cidadão comum.

 Observa-se que boa parte dessa base bolsonarista apresentam um discurso contra ações e benefícios providos pelo Estado tais como bolsa família, SUS, escolas e universidades públicas, subsídios nas tarifas de água e luz, salário desemprego, etc, sem se atentarem que utilizam direta ou indiretamente esses benefícios. A solução dada pelo bolsonarismo para maioria das queixas da população em relação a qualidade dos serviços públicos que são materialmente ruins ou insuficientes é o seu fim, e assim paga quem pode, é atitude individualista com o fim da solidariedade social, o sentido de nação.

 A corrupção estatal também compõe o quadro de rejeição do Estado e é utilizada pela base para reforçar a ideia de redução do Estado. Existe um sentimento disseminado de que o Estado e o Governo não resolvem, não solucionam ou são a causa dos problemas da população. O que faz sentido na medida em que o Estado brasileiro serve a classe do capital, seu sistema serve para garantir seus lucros, legais ou não e, para a qual a maior demanda é manter a força de trabalho submetida, custando pouco, obediente e ordeira. A corrupção seria uma coisa de índole individual e não um processo social, assim a solução seria um governante honesto, coisa que Bolsonaro e sua família não são, mas o ódio a corrupção são operados como mais um elemento de combate ideológico para ser colado nos seus inimigos e não algo material a ser resolvido.

 De qualquer forma é legítimo que a classe trabalhadora tenha a inconformidade e revolta contra a corrupção. Bolsonaro conseguiu de forma malandra associar-se a pauta anticorrupção, inclusive trazendo Sergio Moro para o seu governo. A Lava-jato foi um exemplo da índole do bolsonarismo dentro do judiciário que deixa de lado a lei, a Constituição, as provas e regramentos e usa a força e o arbítrio para condenar e liquidar os inimigos políticos.

 Na outra ponta da base bolsonarista a classe empresarial também incorpora a ideologia do liberalismo anti-estado, demandando menos Estado para que o poder de arbitrar a situações e disputas sociais saia do Estado para passe para o poder empresarial, poder privado em benefício do privado, de poucos para poucos.

 É um tipo de ‘darwinismo social‘, onde vale, não a lei do mais apto, mas a lei do mais forte e o Estado seria o empecilho ou dificultador de sua realização social plena, rápida e dura. É a antítese da solidariedade entre os cidadãos da nação ou à solidariedade cristã, ainda que os valores cristãos e o nacionalismo são verbalizados e assumidos pela base bolsonarista.

 Bolsonaro representa e capitaliza a ira real da população contra o Estado, as instituições e a República. Observe-se que se trata de uma mescla política tipo “libertarismo”, o qual aponta para o contrário de um autoritarismo estatal. A forma que se apresenta não é de uma ditadura onde o ditador ou o Estado ditam o que a sociedade deve fazer. Bolsonaro não dita e parece que não tem capacidade para ditar rumos ou ações, seu movimento político aponta mais para desagregar a República e suas instituições de fiscalização e controle, valorizando a solução individual com arma na mão, ou pelas forças de organizações privadas ou mesmo pela polícia resolvendo tudo extrajudicialmente com se privada fosse.

 A crítica bolsonarista também alcança outros elementos como a mídia empresarial, as universidades e as escolas que, além de insuficientes para as necessidades da nação, são também instrumentos de hegemonia cultural da classe dominante e é legítimo que a classe do trabalho veja estas instituições com desconfiança, Bolsonaro consegue atacar estas instituições e agregar sua base em torno de si e desta ideia.

 Do lado dos costumes e comportamentos a pauta bolsonarista não é nem liberal nem libertária mas sim conservadora e reativa aos comportamentos liberais vistos como desregrados, combinando contraditoriamente a ideia contra o regramento Estatal com reforço do regramento comportamental social. Esta pauta conservadora tem base material na moral popular de longa duração onde a família tem uma importância central, sendo o grupo de apoio essencial às pessoas e seu último recurso de segurança e suporte, é o centro de sua vida social. A família é para a maioria da classe trabalhadora o fundamento de sua vida, seu sustento afetivo e material e dá significado a suas vidas. Qualquer coisa que fragilize a família é vista como uma ameaça, assim, os comportamentos livres e autônomos ou “imorais”, ateístas, de liberação das drogas, homossexualismo e o feminismo e qualquer coisa que aparentemente desvie do comportamento moral tradicional cria o enredo de um discurso poderoso de destruição da família e do cidadão de bem. Para os bolsonaristas é melhor que o Estado e as instituições não atrapalhem com regras, leis, impostos e ameaças a família com liberação de drogas, do aborto ou do enfrentamento do banditismo “dentro da lei”.

 Na sociedade a religião e suas igrejas propiciam o desenvolvimento de relações sociais, constroem grupos de apoio e constroem um significado de vida. Assim qualquer ataque a religião, às igrejas é visto com um ataque direto a vida, a moral e a relação social de grande parte da classe trabalhadora, Bolsonaro consegue capitalizar este sentimento colando na esquerda o ateísmo militante. Outro aspecto presente nas religiões neopentencostais que é bem aproveitado pelo bolsonarismo é a ideologia da negação, confronto ou luta contra qualquer coisa que entre em contradição com as regras de sua religião, seja contra o pecado ou o desvios e tentações, é uma religião de combate contra o mal, Bolsonaro e o bolsonarismo se colocam de forma ladina em defesa destes valores e apontam o combate contra seus inimigos políticos.

 O bolsonarismo agrega-se sob o signo de um conjunto de atitudes e valores, forma uma identidade de cunho emotivo comportamental radical em que a razão ou o argumento não tem efeito, ou seja, o bolsonarismo é um movimento identitarista similar em forma aos demais  identitarismos, apenas que com outro conteúdo.

 Enfim o regime de forças e disputas é bem entendido e operado por Bolsonaro. Este é o jogo da política concreta, em oposição ao regime da democracia liberal onde os procedimentos e a tentativa de coerção moral do poder do Estado capitalista é assumida pela esquerda liberal levando a um derrotismo sem saída.

 Bolsonaro capta demandas sociais históricas, concretas e legítimas de parte da sociedade, demandas da classe trabalhadora tradicionalista e descontente com a vida e com o sistema de poder, ao mesmo tempo responde e açula seus seguidores com discurso e ações objetivas, capitalizando assim o respaldo de sua base social liberal/conservadora. Bolsonaro opera eficientemente para sua base, reforçando sua sustentação e seu poder.

 O bolsonarismo não é algo artificial ou inesperado, ele brota de seguimentos objetivos da sociedade brasileira que encontraram um caminho de expressão, não é majoritário e só galgou maioria eleitoral por conta de uma dita facada providencial.

 De outra parte Bolsonaro realiza seu governo atendendo todas as demandas da classe do capital, desde reformas legais liberais até a privatização criminosa. Os lucros de todas as frações do grande capital se ampliaram ao mesmo tempo que o desemprego chega a 20% da classe trabalhadora e a inflação transfere renda dos trabalhadores/consumidores para a classe empresarial que opera a elevação dos preços de venda de seus produtos.

 A base social onde opera o bolsonarismo é consistente, suas demandas são reais e também simbólicas, seja na classe trabalhadora ou na classe do capital. Os valores e ações do governo Bolsonaro refletem com muito mais força e consistência as demandas do capital, inclusive a real falta de empatia social para com milhares de mortos na pandemia ou na emergência da fome disseminada pela política econômica. Bolsonaro encarna o perfil de uma pessoa má, egoísta e insensível, valores que são assumidos pela classe dominante individualista, mas são rejeitados pela população da base, o trabalhador que tem na religiosidade e na solidariedade da família e de seu grupo social o alicerce de sua vida.

 As forças e fragilidades do Bolsonaro e sua linha política devem ser tomadas em relação a sua base social e ao jogo de forças sob dominância do capital que tem se servido de sua eficiente comunicação e sua efetividade em conquistar parte da classe trabalhadora com uma retórica radical para realizar um governo que atende ao capitalismo dependente financeirizado sem crescimento econômico, mas com altos lucros empresariais.

 A ação política transformadora da classe trabalhadora deve tomar em conta as demandas de uma base social que desconfia do Estado burguês corrupto e elitista e percebe que só derrubando ou dobrando as instituições pela força que demandas populares serão atendidas. Está base não tem fé no Estado de Direto liberal da classe dominante e vê que tomar a resolução dos problemas pelas suas forças é um caminho possível, ademais têm seu alicerce nas suas relações sociais próximas de sua família e comunidade e está tentando defende-la de transformações comportamentais ou ameaças físicas de banditismo. Esta base tem esperanças e tem demonstrado capacidade de mobilização para ir à luta pela sua vida.

 Devemos tomar em conta a oportunidade que a radicalidade na política e o desvelar do jogo de forças nas disputas sociais, ademais do engajamento de massas dispostas a enfrentamentos e rupturas institucionais oferecem, pois, os inconformados que demandam transformações podem seguir tanto na direção do favorecimento ao capital empresarial com Bolsonaro como serem conquistados para lutar em benefício da classe do trabalho e da Revolução Brasileira.

 

Walter Azevedo

Militante pela Revolução Brasileira

 

 

 

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