Guerra de classes e as eleições municipais no Rio de Janeiro

Equívocos Políticos

  Boa parte da esquerda carioca deposita suas esperanças políticas na candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura da cidade. Figura de extensa e valorosa história militante, Freixo é um dos principais deputados com projeção nacional de nosso partido. Assim, servindo-se do consenso em torno de seu nome, Marcelo vem comandando uma grande articulação nacional e se colocando, desde a cidade do Rio de Janeiro, na linha de frente para a composição de um bloco de oposição, em aliança com os setores que caracteriza como “progressistas”, na tentativa de enfrentar o fulminante avanço da extrema-direita no país. Tal escalada, se vista a partir da cidade do Rio de Janeiro, já contempla todas as esferas do poder executivo (Crivella, Witzel e Bolsonaro) e reflete um processo de sucessivas derrotas, tanto de candidaturas do chamado centro quanto de importantes candidaturas do nosso próprio partido, as quais remontam à disputa pela prefeitura, em 2016, na qual o nosso candidato, com o programa “Se a cidade fosse nossa”, perde para o candidato da IURD, Marcelo Crivella.

 

  Contudo, apesar de encabeçar esta grande articulação enquanto figura de um partido que tem o socialismo em seu nome, Freixo se apresenta como um perfeito adepto da chamada “nova esquerda”. Neste sentido, em que pese a sua carreira de professor de História, nosso deputado federal parece desconhecer a natureza desta ciência e – como procura sempre deixar claro em suas declarações – comunga da narrativa burguesa que se seguiu à queda do muro de Berlim e colapso da URSS, aquela que proclamou o fim da História e a perenidade do capitalismo. Assim, em consonância com a ideia de que o socialismo estaria definitivamente inviabilizado para o horizonte da esquerda e da humanidade, resta-lhe apenas a opção de tentar apresentar propostas para administrar o capitalismo de modo progressista. No entanto, a despeito desta concepção, a História não terminou, pois as lutas de classes seguem cada dia mais vivas e terríveis, como dão notícia diariamente os meios de comunicação em nossa cidade. Hoje é notório, sim, que a História segue seu caminho soberana, demonstrando, contraditoriamente, que não foi o socialismo que caducou, mas sim a “nova esquerda”. Esta ficou velha, não devido à idade cronológica de seus militantes e lideranças, mas porque as concepções que a forjaram são produto de um mundo que não existe mais.

 

  Munido, portanto, do diagnóstico de que não vivemos um impasse entre capitalismo e socialismo mas sim entre o discurso do ódio e o da tolerância, Marcelo Freixo procura reunir o chamado “campo democrático progressista” que, segundo essa análise, seria a única alternativa ao “campo autoritário reacionário” encabeçado por Bolsonaro, Witzel, etc. Ignorando que vivemos um período de guerra de classes, no qual a própria classe dominante pôs fim à qualquer possibilidade de alternância entre liberalismo de esquerda e de direita (PT/PSDB) – fato determinante na ascensão do ultraliberalismo de Bolsonaro e Paulo Guedes – Freixo reúne e encabeça no Rio de Janeiro uma frente com o liberalismo de esquerda em frangalhos, pretendendo assim apresentar-se à população carioca nas próximas eleições municipais como uma saída para a conjuntura atual, esta mesma onde o próprio liberalismo de esquerda já expirou e foi derrotado a nível nacional.

 

  Como expressão eleitoral desse equívoco, vemos na “frente democrática” desde figuras desgastadas como Benedita da Silva, derrotadas eleitoral e politicamente como Fernando Haddad, até inexpressivas como Guilherme Boulos e todas as demais figuras de menor vulto que orbitam Freixo – aquelas cuja política apenas corrobora a ideia ingênua de que as mazelas patriarcais e racistas do Brasil podem ser resolvidas com mandatos parlamentares.

 

  Além do erro político e eleitoral, tal “frente democrática progressista” representa também enorme desgaste e perda da relevância social de nosso partido. Apesar do discurso público aferrado na defesa da democracia, internamente Freixo atua como dirigente não-oficial do Psol praticando seu vôo solo por sobre nosso partido, e nos conduzindo para a vala comum junto com o PT, um partido fracassado historicamente e de cujo fracasso o próprio PSOL é produto. Tal fato já deveria servir como alerta constante no sentido de um distanciamento e independência cada vez e maior e não o oposto.

 

  Na atual guerra de classes, onde a direita  colhe fortalecimento político e vitórias eleitorais ao atender às necessidades da classe dominante, radicalizando seu reacionarismo e fazendo ascender na sociedade brasileira o ultraliberalismo, a esquerda socialista permanece moderada, se apresentando ao povo e às frações burguesas como uma administradora benevolente da ordem, procurando atender à uma classe dominante imaginária a qual interessasse, tal qual no longínquo passado dos governos petistas, um tipo de liberalismo social.

 

  Na contramão de sua própria história militante e legado político, e sobretudo, na contramão daquilo que espera a militância aguerrida de nosso partido, nosso deputado federal vem estabelecendo uma inadmissível aproximação com a Rede Globo, na crença de que esta poderia ser uma aliada em sua oposição ao atual prefeito Crivela. Ao ser convidado sucessivas vezes à entrevistas na emissora, a cordialidade mútua entre entrevistado e entrevistadores é sempre o mote para a defesa da tolerância, do diálogo e da democracia por parte de nosso deputado, na mesma medida em que é alarmante seu silêncio em relação à reforma da Previdência e ao conjunto de ataques que o ultraliberalismo vem desferindo contra nosso povo, estes que Freixo acompanha de perto o desenrolar em seu mandato no Congresso Nacional. Ou seja, em suas entrevistas na Rede Globo, Marcelo aparece assumindo frente à população a pauta da “defesa democrática” e do “progressismo nos costumes” – estas ideologias de classe que são interessantes à Rede Globo em sua luta intra-burguesa contra a Rede Record/PSL – e calando sobre os ataques concretos do ultraliberalismo contra nosso povo, estes aos quais a emissora é grande apoiadora. Em suma, na atual guerra de classes, onde não há espaço para conciliação, a estratégia da “governabilidade” dentro da ordem obriga Freixo a pôr-se a disposição nas disputas entre frações burguesas na busca por apoio, o que só o distancia cada vez mais das pautas decisivas ao povo carioca.

 

 

Paraty prenuncia o fracasso

  Um exemplo prático desta sucessão de equívocos já existe e, embora em escala reduzida, revela muito bem a urgência de uma drástica mudança de rumo nos caminhos da oposição de esquerda ao ultraliberalismo no contexto da atual guerra de classes. No estado do Rio de Janeiro, o fracasso eleitoral de nosso partido em Paraty expressa não somente o fato em si, mas um fracasso que é sobretudo político.

 

  Devido a circunstâncias particulares, o Psol Paraty não pôde lançar candidato próprio às eleições suplementares de 2019, decidindo por apresentar o que chamou de “apoio crítico” aos candidatos do PT. De acordo com os dados oficiais da justiça eleitoral, do total de 21.368 votos apurados no município, a aliança PT/PSOL angariou 768 votos, ou seja, meros 3,74% de eleitores. Apesar da alegação de nossos correligionários de que o PT possuía grande penetração entre as classes populares no município – e que por esse motivo entre outros a aliança era justificada – a votação pífia revelou, no mínimo, um profundo engano e erro político. Outro motivo para a aliança é declarado em nota do Psol Paraty, onde nossos correligionários afirmam que “(…) a chapa formada pelos companheiros (…) do Partido dos Trabalhadores é a que se aproxima dos princípios e ideais que norteiam a atuação do Partido Socialismo e Liberdade (…)”. Vê-se claramente que, assim como a nível nacional, o Psol Paraty não possui diagnóstico claro da crise brasileira que se reflete na realidade de Paraty. No contexto da guerra de classes na qual emerge o ultraliberalismo e onde a exploração desenfreada da natureza do município para fins turísticos é uma expressão local, nosso partido se opõe apresentando um projeto político abstrato de “sociedade mais humana, solidária e sustentável”. Ou seja, apresenta uma versão menos consistente da velha proposta petista de “inclusão e justiça social”, ou em outros termos, de administração benevolente da ordem. O erro tático do Psol Paraty na aliança com o PT local é, portanto, resultado do erro estratégico que por sua vez nasce da incapacidade de ambos partidos em produzir um diagnóstico preciso da crise brasileira, diagnóstico que deveria anunciar a necessidade da perda das ilusões com o liberalismo de esquerda e constituição de um novo radicalismo político que paute a ruptura com a ordem capitalista. Ao final, o Psol Paraty erra pois é incapaz de romper em definitivo com as ilusões petistas. Neste caso, erro político e fracasso eleitoral coincidem.

 

  Assim como nosso deputado Freixo, nossos correligionários do Psol Paraty também acreditam que o grande impasse atual não é entre o capitalismo e o socialismo, mas sim entre a democracia e o autoritarismo. Na mesma nota em que anunciam o apoio ao PT expressam também a orientação política baseada na ideia da “radicalização da democracia”, esta concepção que abstrai a ideia de democracia das relações entre as classes, das relações econômicas e políticas numa sociedade que vive em guerra de classes. Nessa concepção a classe dominante é transformada numa ideia, a ideia abstrata do autoritarismo. Deste procedimento metafísico deduz-se então que basta à esquerda encontrar meios de radicalizar a democracia com instrumentos de participação popular x ou y para que a vontade das massas seja finalmente exercida e o chamado “socialismo democrático” seja alcançado sem romper-se com o capitalismo. Nessa concepção, as relações econômicas e a tomada do poder político são meros detalhes.

 

  E o que é a apresentação deste projeto inconsistente ao povo de Paraty senão uma irresponsabilidade política? E que consequência tem essa irresponsabilidade senão o fortalecimento da direita? Em suma,  Paraty dá mostra de qual política deve ser evitada no Rio de Janeiro.

 

 

Nacionalizar a discussão municipal

  Na esteira da ausência de diagnóstico preciso da crise brasileira, outro dado que, apesar de decisivo para o futuro do município do Rio de Janeiro, segue sendo ignorado pela “frente democrática progressista” é que, nas condições do atual capitalismo rentístico brasileiro a política municipal está atrelada à política nacional de forma indissolúvel.

 

  Tendo como marco o pacto federativo de 1988, a situação de profundo endividamento ao qual passavam os estados e municípios brasileiros no início dos anos 1990 faz com que a União atue comprando estas mesmas dívidas, porém, exigindo como contrapartida os processos de privatização e reestruturação produtiva do mesmo período. Com tal operação, a União faz nada mais que impôr aos estados e municípios a adequação ao novo modelo de acumulação capitalista, o novo modelo rentístico, vinculado à criação do Plano Real em 1994.

 

  No final dos anos 1990, essa dívida é consequentemente reproduzida e então renegociada, fazendo com que se inicie um novo processo de arrocho nos estados e municípios durante os anos 2000. Com a Lei de Responsabilidade Fiscal o orçamento público é permanentemente constrangido piorando a situação, já que as instâncias estaduais e municipais são, ao final, as executoras da política social: saúde, educação, assistência, etc. Como consequência, estados e municípios entram na profunda e permanente crise que conhecemos.

 

  Dessa forma, torna-se irrealizável qualquer programa meramente progressista para a cidade do Rio de Janeiro. Marcelo Freixo ou qualquer outro membro de nosso partido que se lance como candidato à prefeitura não poderá se apresentar simplesmente como um administrador da cidade, preso unicamente à realidade carioca, tampouco como um mero administrador da ordem melhor que os administradores da própria direita. O fato da crise estadual e municipal estar atrelada de forma indissolúvel à totalidade de crise brasileira coloca o futuro candidato do Psol à prefeitura, ao fim, na seguinte situação: prometer ao povo carioca melhor saúde, educação, segurança ou cultura no atual contexto de aprofundamento do capitalismo rentístico é simplesmente uma falácia! Qualquer pauta para a cidade do Rio de Janeiro desarticulada de uma pauta de ruptura, de combate feroz ao rentismo brasileiro, aproximará qualquer candidato do Psol dos demagogos e vendedores de ilusões da direita carioca!

 

  O futuro candidato à prefeito do Psol precisará, antes de tudo, alocar o Rio de Janeiro na totalidade da discussão nacional.

 

 

O papel de uma candidatura à prefeitura

  Defendemos que o candidato do Psol à prefeitura do Rio de Janeiro terá, em primeiro lugar, a tarefa de anunciar ao povo carioca que vivemos uma guerra de classes. Explicar aos cariocas o porque e o como desta guerra. Não poderá, portanto, vender a ilusão de que esta mesma guerra será vencida com votos, por mais bem intencionado e qualificado que nosso candidato porventura seja. Em segundo lugar, precisará ser o candidato da ruptura, não uma ruptura qualquer, abstrata, mas a ruptura com as atuais condições que produzem a crise brasileira, as condições do capitalismo brasileiro, periférico e dependente em sua fase rentística, estas cujas consequências recaem localmente sobre o povo carioca de forma cada dia mais terrível. Em terceiro lugar, nosso candidato precisará dar a linha correta da contra ofensiva popular, esta que já se gesta entre as inúmeras organizações e movimentos populares da cidade, mas que não encontra uma referência crítica, um norte claro e consistente. O candidato do Psol à prefeitura do Rio de Janeiro necessitará ser um candidato pela Revolução Brasileira.

 

  Diferente do que pensam alguns dirigentes de nosso partido, o cumprimento deste papel político, que nos tempos de pacto de classes geraria isolamento e escassos resultados eleitorais, no contexto da atual guerra de classes é a condição primordial tanto para o fortalecimento político quanto para o crescimento eleitoral do Psol.

 

  Freixo vem se delineando, cada dia de forma mais bem acabada, o candidato do liberalismo de esquerda carioca, esta forma de liberalismo em frangalhos que a própria ascensão do ultraliberalismo já fez caducar. Diferente de grande parte da esquerda, o povo carioca já percebe a muito tempo a guerra de classes e por isso buscará, sem dúvida, nada menos que uma saída radical nas próximas eleições municipais. O posicionamento atrasado de nosso possível candidato, portanto, não prenuncia somente o sério risco de uma futura derrota política para o Psol e para o conjunto da esquerda socialista, mas sobretudo, o risco da entrega da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro à uma direita cada dia mais radicalizada. Em suma, insistindo nesta política falida, perdida no tempo e em profundo descompasso com os anseios e urgências das massas cariocas, o Psol corre sério risco de tornar-se cúmplice de um possível aprofundamento da crise brasileira na cidade do Rio de Janeiro.

 

Texto* Álvaro Carriello
Militante pela Revolução Brasileira no Rio de Janeiro
*Os textos e artigos publicados pelos Militantes pela Revolução Brasileira não exprimem necessariamente opinião da Coordenação Nacional da Organização.

 

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Comentários

  1. Considerar a totalidade como um amontoado de fatores, abstrair e dissociar as questões econômicas do embate politico, atribuindo à política papel preponderante sobre estas e com poder de mudar os rumos da economia, invertendo a ordem dos fatores conforme K. Marx, é o que chamamos de politicismo. Foi exatamente por aí que o PT, chegou ao liberalismo de esquerda. Inobstante o inquestionável fracasso, o liberalismo de esquerda está vivíssimo e ainda é a referência para a massa de pauperizados e a classe média tida por progressista por todo o Brasil.

  2. Parabéns, Carriello, pelo excelente artigo. Estamos cansados de assistir a candidatos tentando enganar o povo com promessas impossíveis de serem cumpridas. Há muitos anos que proponho uma campanha diferente, que denuncie a farsa eleitoral, e tal qual você afirma, que esclareça à população qual a nossa posição nessa luta de classes. Dizer sempre a verdade, mesmo que isso resulte em perda da voto. Uma vitória eleitoral pode resultar numa grande derrota política, por mais paradoxal que seja.

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