A classe trabalhadora brasileira anseia por um processo revolucionário. A política de conciliação de classes, gerenciada por petistas e tucanos, resultou no completo desamparo dos trabalhadores frente os ataques cada vez mais severos da classe dominante. A necessidade de acumular capital num país dependente, que constantemente tem que remeter parte de seus rendimentos para os países centrais, faz com que a burguesia brasileira, necessariamente, atue pelo aprofundamento da superexploração da força de trabalho e pelo contínuo processo de pauperização das condições de vida da classe trabalhadora.
A eleição de Jair Bolsonaro representou a falência do consórcio firmado entre petistas e tucanos. A classe trabalhadora brasileira, imersa na crise econômica e desarmada ideologicamente, aderiu massivamente ao discurso anti-sistêmico de Bolsonaro, vendo nele a única alternativa de ruptura radical com o sistema estabelecido e com a velha política, contra “tudo o que está aí”. A ruptura proposta por Bolsonaro, porém, nunca passou de um simulacro: uma ruptura apenas aparente cujo objetivo foi, desde sempre, a manutenção da ordem dominante e a intensificação da guerra de classes.
O governo Bolsonaro é de natureza ultraliberal. Sua função na guerra de classes brasileira é aprofundar e acelerar a aprovação das medidas exigidas pela classe dominante. Reforma da Previdência, Supressão das leis trabalhistas, Desvinculação das Receitas da União e cortes constantes nos gastos públicos são projetos presentes em todos os governos desde a redemocratização e que no governo Bolsonaro voltam com força total. Bolsonaro é a última cartada da sedenta burguesia brasileira em sua constante busca por lucros extraordinários às custas da classe trabalhadora.
No jogo do poder internacional, o governo Bolsonaro se apresenta como um completo submisso do poderio imperialista dos Estados Unidos. O discurso nacionalista, que tantos votos angariou nas eleições, não passa de fachada. O “nacionalismo” de Bolsonaro pede permissão para Donald Trump e faz reverência à bandeira norte americana. Essa completa falta de soberania nacional serve apenas à idiotizada burguesia brasileira, que espera ter parte no poderio da potência imperialista ao se mostrar amigável e solícita à quaisquer pautas propugnadas pelo poder dominante. O resultado concreto, porém, é o livre assalto aos nossos recursos naturais e bens estratégicos e a consolidação de uma posição inferior na divisão internacional do trabalho, nos relegando à função de meros provedores de recursos para as burguesias dos países centrais.
O resultado desse ultraliberalismo escrachado e dessa subserviência no âmbito do poder global é a pauperização completa de nossa classe trabalhadora.
A universidade não está alheia a esse cenário de guerra de classes. Nossas tradicionais instituições de ensino superior sempre desempenharam um papel ativo na reprodução do poderio da classe dominante. Os currículos, a estrutura, as decisões sobre financiamentos, a contratação de professores e as eleições internas são, desde sempre, moldadas com o objetivo de impedir o ingresso das amplas camadas populares, enquanto criam as condições para manutenção da estrutura vigente de poder, eliminando qualquer possibilidade de questionamento radical em favor da classe trabalhadora. A função essencial da universidade é formar mão-de-obra para o mercado de trabalho enquanto produz ideologia para legitimar as relações de exploração entre capital e trabalho.
Em um país como o Brasil, subdesenvolvido e dependente, esse caráter conservador da universidade é ainda mais potente. Nossas instituições são, majoritariamente, colonizadas e alheias à realidade nacional. Importa-se acriticamente, sob a ideologia de estar sempre em consonância com as tendências internacionais da produção de conhecimento, estudos e teorias que, por terem sido produzidas em países com realidades completamente distintas das nossas, muito pouco se aplicam à resolução de nossos problemas mais relevantes. Enquanto isso, os grandes autores nacionais, que se debruçaram sobre os problemas patentes da realidade nacional, são marginalizados do debate acadêmico e estigmatizados como ultrapassados por não se aterem ao método do último pensador europeu ou por não concordarem com os resultados das teorias defendidas pelo último cientista norte americano.
Um projeto de universidade que fracassou
O projeto de universidade gestado nos governos do sistema petucano não se preocupou em resolver nenhuma destas questões estruturais da universidade brasileira. Pelo contrário, atuou no aprofundamento desenfreado de um modelo educacional alienante e não debruçado sobre os problemas prementes da sociedade brasileira. Sob o discurso da “democratização”, assistimos a explosão das vagas em instituições privadas de ensino superior. Em 1996 o ensino superior público tinha por volta de 740 mil matriculados, enquanto o ensino superior privado possuía 1,1 milhões de estudantes. Ao final de 2016, as matrículas nas instituições públicas somavam 1,9 milhões de estudantes, enquanto as instituições privadas já superavam a marca de 6 milhões de estudantes regularmente matriculados. Em consonância com esse processo de privatização, verificou-se uma enorme ampliação das vagas nos cursos de Educação à Distância. Na educação pública, entre 2003 e 2017, registrou-se um aumento de 130 mil novos matriculados na
modalidade de EaD (aumento de 347%), enquanto na educação privada, no mesmo período, verificou-se o descomunal aumento de 1,6 milhões de matriculados (aumento de 9120%).
Em paralelo a esse processo de concentração da educação superior no âmbito privado, consolidou-se a centralização do capital nos grandes monopólios educacionais. Sob a lógica da empresa privada, que constantemente busca novos mercados para acumulação de capital, e impulsionados por programas do governo federal como o PROUNI e o FIES, esses grandes trustes da educação realizaram enorme expansão para as regiões interioranas do país, propagando um modelo educacional de baixa qualidade e ainda mais alienante. Em 2016, o alcance desses monopólios era tão vasto que apenas a soma de seus cinco maiores componentes (Kroton, Estácio de Sá, UNIP, Laureate e Ser Educacional) já superava o número de todas as matrículas no ensino superior público brasileiro.
Para legitimar essa tendência à privatização do ensino superior público, os governos da conciliação de classes venderam a ideologia da ascensão individual. Cursar o ensino superior seria requisito necessário para alcançar uma vida digna nos marcos do capitalismo dependente brasileiro. A narrativa da “nova classe média” era, então, o carro chefe na tentativa de fazer a sociedade brasileira acreditar numa permanente elevação das condições de vida, sem que fosse necessário questionar a ordem dominante. Na mesma toada, surge a ideologia do “empreendedorismo”, buscando justificar a exploração crescente da juventude e a falta de perspectivas no mercado de trabalho.
Ao final de todo esse processo fica evidente a completa falência do projeto de universidade gestado por petistas e tucanos. A expansão desenfreada do ensino privado resultou na queda vertiginosa da qualidade da educação no ensino superior brasileiro. As salas de aula completamente lotadas, as estruturas defasadas, os professores mal-preparados e mal-pagos são, então, a norma na maioria das instituições de ensino superior do país. O Ensino à Distância atua no mesmo sentido, prescindindo do necessário ambiente da sala de aula e do professor presencial, e servindo, na maioria das vezes, como uma simples alternativa facilitadora para a aquisição do diploma universitário e elevação dos lucros dos monopólios privados da educação. Dessa forma, a universidade nos últimos vinte anos adotou como fim único a produção desenfreada de mão de obra para o mercado de trabalho, consolidando sua função como instituição alienante e alienada ao povo brasileiro.
Além disso, a consequência prática desse modelo privatista-expansionista foi uma juventude completamente endividada, refém dos grandes monopólios educacionais e sem perspectiva de futuro frente a um mercado de trabalho saturado de mão de obra qualificada e não qualificada. Ao sair da universidade, na maioria das vezes com uma formação extremamente superficial, a juventude se deparou com a realidade do mercado de trabalho do país da periferia do capitalismo. A massa dos recém-formados nas universidades acabou por atuar exercendo pressão no mercado de trabalho, possibilitando o rebaixamento de salários e incentivando uma maior rotatividade de mão de obra. O cenário atual é completamente aterrorizante: a juventude não tem emprego, nem condições de sustentar-se por si só. Jogada à própria sorte, tem que se submeter à superexploração elevadíssima do subemprego, adentrando no mercado de trabalho informal através de eventuais “bicos” ou então pelos modernos aplicativos que vendem uma ilusão de emprego empoderado, como o Uber, por exemplo.
Assim, o saldo deste projeto de Universidade não é apenas insuficiente, mas absolutamente catastrófico. Não apenas manteve e reproduziu a dependência e o subdesenvolvimento, como deixou de legado para a juventude a ausência da perspectiva de emprego, salários e uma vida digna, ou seja, a absoluta ausência de futuro.
Qual o papel dos estudantes nesse cenário?
Aos estudantes fica reservada a função essencial de contestar esse atual estado de coisas, colocando-se como sujeitos ativos no processo de transformação da universidade e da sociedade na qual ela está inserida. Apenas nós, como futuros trabalhadores, podemos atuar na construção de uma nova universidade. Participar deste processo é lutar por uma universidade que comporte a totalidade dos jovens brasileiros que desejem adentrar no ensino superior. É preciso ter clareza sobre a função de classe que cumpre o processo de vestibular para poder questionar sua existência e atuar na elaboração de um modelo de acesso universal ao ensino superior. Precisamos, também, atuar ativamente na defesa do ensino superior 100% público, posicionando-se duramente contra a lógica privatista dos grandes monopólios de ensino superior e seus governos liberais.
Da mesma forma, cabe a nós, tecer uma crítica radical à atual estrutura alienante do ensino superior universitário. É nossa tarefa principal lutar diariamente por um ensino associado à resolução das questões prementes da classe trabalhadora brasileira, pautando radicalmente a necessidade de reformulação dos currículos e dos processos organizacionais que alienam a universidade à realidade do povo brasileiro. Somente com essa reformulação, que resulta na inversão da atual estrutura de poder da universidade, convertendo-a de órgão alienador à órgão aliado ao desenvolvimento nacional e à nossa classe trabalhadora, poderemos ter uma universidade de fato comprometida com seus objetivos de educação, cultura e elevação da consciência popular, tornando-a, assim, um agente ativo na transformação radical da ordem social na qual estamos inseridos.
Para além dessas medidas imediatas, é necessário ter consciência das limitações da luta restrita ao âmbito interno da universidade. A universidade, no modo de produção capitalista, assume uma função específica e historicamente constituída. A mudança radical na estrutura da universidade passa necessariamente por uma mudança radical na estrutura da sociedade. Por isso, os estudantes devem enfileirar-se lado a lado à classe trabalhadora brasileira, atuando em conjunto contra todas as investidas do capital e colocando em perspectiva a necessária superação da ordem capitalista dominante, e tendo consciência de que apenas uma mudança sistêmica radical pode emancipar a classe trabalhadora e, consequentemente, os estudantes de hoje e de amanhã. É preciso ter clareza de que apenas o avanço na direção da constituição dessa nova sociedade pode acabar com a atual estrutura de exploração das grandes massas e recolocar o Brasil como um país soberano e independente, que rompa definitivamente com as amarras históricas que travam seu desenvolvimento. Aos estudantes, portanto, não há outra escolha: A luta pela educação emancipadora é ao mesmo tempo a luta pela Revolução Brasileira.
Qual o papel da União Nacional dos Estudantes?
A classe trabalhadora, em sua luta constante com o capital, consolida instrumentos políticos para produzir teoria e direcionar suas necessidades políticas. Esses instrumentos, contudo, não são criados sem um solo histórico determinado. O conteúdo estrutural da luta de classes se expressa de formas específicas em cada nação do mundo capitalista, colocando a necessidade, sempre presente, de apego à realidade nacional como condicionante necessário de uma prática que vise transformar a condição de exploração que assola grande parte da população.
Os estudantes não estão deslocados da classe trabalhadora. Compartilhando a posição de não-proprietários, numa sociedade em que a propriedade determina a posição como explorador ou explorado, estudantes e trabalhadores são colocados, necessariamente, do mesmo lado da trincheira. Da mesma forma, como futuros trabalhadores, a realidade do mercado de trabalho brasileiro, com seus 13 milhões de desempregados e sua característica imanente de superexploração da força de trabalho, não nos deixa outra escolha senão nos apropriarmos das pautas da classe. A nossa condição, portanto, não pode ser discutida fora da condição nacional da classe trabalhadora brasileira, e a condição da classe não pode ser discutida fora do próprio modelo de acumulação do capitalismo brasileiro. A totalidade se põe como necessidade.
Sendo assim, os instrumentos forjados pela luta dos estudantes não podem ser descolados daqueles forjados pelos trabalhadores, pois tratam, em última instância, das mesmas questões. A UNE se originou num cenário de larga modernização capitalista, urbanização crescente, e proletarização massiva da população. Imbuída das contradições próprias do nosso país, foi vanguarda nos anos 60 na discussão e na luta política para recolocar os termos da disputa política em um patamar revolucionário, seja teorizando sobre a função da universidade em um país subdesenvolvido, seja lutando pela entrada do povo na universidade – se colocando contra os vestibulares – seja educando as massas através da cultura com os CPC’s, ou, ainda, estando na luta pelas amplas reformas da sociedade brasileira, dentre elas, a reforma universitária.
Esse passado, no entanto, não mais representa o atual direcionamento da entidade. Nos marcos dos governos petistas a UNE foi transformada em mero braço estatal, delineando suas políticas aos limites dos programas governamentais, rebaixando suas reivindicações históricas à razão de estado petista, e, assim, abandonando completamente qualquer perspectiva de ruptura radical. A discussão sobre o fim do vestibular se transformou em ações afirmativas, a discussão sobre os problemas estruturais da realidade brasileira se transformou em políticas públicas, a discussão de classe na individualização identitária. A atual direção majoritária da UNE é hoje expressão máxima desse movimento burocrático e despolitizante. A UNE de hoje é uma entidade descolada da massa dos estudantes, apresentando-se como mera porta-voz das políticas petistas e como cabide de cargos para organizações políticas com fins puramente eleitoreiros.
O atual estado da UNE, portanto, diverge profundamente do horizonte necessariamente revolucionário da luta estudantil e da necessidade histórica de um instrumento que direcione suas lutas teórica e politicamente, numa conjuntura de guerra de classes que não nos deixa outra escolha senão o caminho da ruptura com a ordem vigente.
Assim, à UNE caberia a desvinculação às presentes formas de aparelhamento, ser ponta de lança nas reivindicações pelo fim do vestibular, pela estatização dos monopólios de educação gestados nos governos petistas, pelo retorno de uma política cultural para a classe trabalhadora e por uma educação 100% pública. Além disso, é urgente a luta por uma reforma universitária que direcione o conhecimento da realidade nacional e a produção de ciência e tecnologia a fim de buscar a soberania nacional e o desenvolvimento humano em todos os níveis, tendo como horizonte a construção de um novo modelo universitário e a transformação radical da sociedade.
Somente uma UNE que colocasse essas questões na ordem do dia, que tivesse esse sentido histórico e se estruturasse a partir dele poderia realmente representar os estudantes no nosso atual momento de ruptura com o passado. É neste sentido que viemos conclamar os estudantes a construírem, da maneira que for necessária, uma entidade que possa realmente dar sentido histórico às necessidades estudantis: Uma entidade revolucionária. Uma entidade pela Revolução Brasileira!
É por ter um texto desses, sem correlação direta e prática com a realidade que vocês vem tendo cada vez menos militantes orgânicos. Continuem na sua “luta contra o capital”, no seu “solo histórico”, apresentem soluções meramente teóricas para problemas práticos, com suas propostas de “classe trabalhadora” para resolver os problemas dos estudantes, ou pior, dos nem-nem, que vocês irão tomar na cabeça eleição após eleição.
Vitor, você comentou besteira, um movimento revolucionário deve estar aberto a todos, sem contar que a grande maioria dos estudantes também são trabalhadores.