“Se a universalização da legislação fabril tornou-se inevitável como meio de proteção física e espiritual da classe trabalhadora, tal universalização, por outro lado, e como já indicamos anteriormente, universaliza e acelera a transformação de processos laborais dispersos, realizados em escala diminuta, em processos de trabalho combinados, realizados em larga escala, em escala social; ela acelera, portanto, a concentração do capital e o império exclusivo do regime de fábrica. Ela destrói todas as formas antiquadas e transitórias, embaixo das quais o domínio do capital ainda se esconde em parte, e as substitui por seu domínio direto, indisfarçado. Com isso, ela também generaliza a luta direta contra esse domínio”.
Karl Marx, O capital, Tomo I
A determinação de uma luta dentro da ordem burguesa, contra a ordem burguesa sempre dirigiu o horizonte da Revolução Brasileira.
No momento em que a luta política nacional foi progressivamente reduzida à sua expressão eleitoral e confinada ao seu limite parlamentar, tal determinação deixou de ser um mero detalhe e tornou-se um imperativo necessário à compreensão e superação das nossas contradições.
Hoje, na justa ocasião em que tal regressão atinge seu cume mais nocivo, eis que uma proposta de Emenda à Constituição aparece com força potencial para iluminar os fundamentos do nosso calvário e organizar as formas de luta necessárias ao tensionamento e radicalização das nossas batalhas futuras.
I
Na realidade brasileira, fortemente atravessada por uma profunda regressão organizativa, política, intelectual e teórica das forças populares – veio inequívoco de pavimentação para musculatura de ideologias reacionárias a penetrar no seio da classe trabalhadora – a proposição de uma reforma constitucional centralizada na redução da jornada de trabalho não é fato desprezível.
Ao contrário!
O subdesenvolvimento e a dependência que governam nossa nação se afirmam, em larga medida, numa lei de bronze: a superexploração da força de trabalho.
Esta, em apertada síntese, irá expressar-se como resposta necessária à outra determinação estrutural das economias periféricas: a transferência de valor operada das nossas economias em direção às economias centrais.
Significa dizer, em outras palavras, que parte do valor produzido na nossa economia é apropriado e realizado, por distintos mecanismos, em favor da dinâmica de acumulação daqueles países centrais e em prejuízo da nossa dinâmica interna.
Essa especificidade que caracteriza a condição dependente de nossas nações é sentida organicamente na vida do povo trabalhador que, mesmo submetido a um regime exaustivo de exploração da sua força de trabalho, não consegue receber em contrapartida um salário necessário à sua reprodução, com atendimento básico de suas necessidades vitais.
A prova incontestável dessa verdade pode ser verificada no abismo entre o salário mínimo necessário para reprodução dos direitos prescritos na Constituição Federal e o salário mínimo nominal pago no país.
Enquanto o salário mínimo nominal figura no valor de R$ 1.412,00, o salário mínimo necessário para reprodução daqueles direitos constitucionais é calculado em R$ 6.769,87. Na prática, entretanto, o que se verifica na realidade brasileira é que a imensa maioria do povo trabalhador (90% dos brasileiros) recebe menos de R$ 3.500, ou seja, quase metade do valor calculado para reproduzir-se de forma digna.
Esta lógica de superexploração da força de trabalho na nossa economia conduz, invariavelmente, a outra tendência facilmente verificável na nossa realidade: a divisão clara entre uma esfera de precária e pouco dinâmica de consumo de bens necessários, derivada desse regime de superexploração, e, por outro lado, um mercado de bens suntuários altamente aquecido.
O próprio cânone da inflação brasileira, neste sentido, é desmentido por esta verdade: enquanto a hegemonia dominante tenta indicar num suposto aumento da demanda a causa do imposto inflacionário, pavimentando caminho para manipular a taxa de juros e cevar o ganho parasitário do rentismo, o que se nota, na prática, é que o consumo médio do povo trabalhador brasileiro, em razão da superexploração da força de trabalho que remunera abaixo do valor o imenso esforço da massa trabalhadora, é altamente prejudicado e deficitário.
Como exemplo, relembremos outro fator que caracteriza nossa condição dependente e nossa inserção subordinada no mercado mundial: a oferta abundante de alimentos e matérias-primas aos países centrais. No ápice do governo Bolsonaro, em 2022, quando o mundo rural brasileiro festejava recordes de exportação, a CONAB indicava que o consumo de carne no Brasil atingia o menor índice da série histórica iniciada em 1996.
Ora, como afinal se pode materializar uma demanda excessiva num país governado pela monstruosidade da dependência e da superexploração do trabalho?
A falsificação dessa verdade só pode encontrar eco no seio duma mídia patronal, de acadêmicos e políticos vulgares a soldo dos interesses das classes dominantes.
II
O que o povo brasileiro vive, na sua luta diária e no seu instinto lúcido, é a miséria e as penosas consequências dessa ordem diabólica que nos condena à superexploração, a indigência e o martírio que delas decorrem.
Por essa razão, toda proposta que concorra no sentido de atenuar o regime de superexploração da força de trabalho deve ser apropriada, trabalhada e radicalizada pela classe trabalhadora, uma vez que é ela a principal interessada na construção de uma nova forma de vida e conciliação com o trabalho, hoje inviabilizada por uma jornada anacrônica que, em pleno século XXI, preserva a lógica desumana do começo do século passado.
Tal anacronismo, é importante frisar, também decorre de outra constatação amplamente esmiuçada pelos principais teóricos da realidade latino-americana, especialmente pela lucidez de Theotônio dos Santos: a incompatibilidade entre a revolução científico-tecnológica e a própria dinâmica do capitalismo.
Enquanto os alquimistas dessa ordem diabólica defendiam que a fronteira tecnológica e o avanço das novas conquistas atenuaria o sofrimento humano, o que se verifica, na prática, é o oposto: que a soma desses fatores, numa ordem governada pelo lucro, concorre para ampliação das formas de exploração do homem.
Tendo tal compreensão em vista, importa pontuar a posição da Revolução Brasileira em relação à luta pela redução da jornada de trabalho no Brasil:
1 – A luta pela redução da jornada de trabalho, com manutenção do salário aos trabalhadores, é justa e decisiva para melhoria das condições de vida e trabalho do povo trabalhador. Por isso, deve ser apropriada e tensionada pelo conjunto da classe trabalhadora;
2 – O Congresso Nacional, não por deformação, mas por natureza, é o espaço de hegemonia dos interesses das classes dominantes. Logo, não se pode esperar dele a resolução dos problemas que afetam o povo brasileiro. Qualquer conquista em favor do nosso povo e da nossa nação somente será conquistada a partir de processos de luta que transcendem e, inclusive, emparedam aquele delimitado e espúrio espaço. Deste modo, renova-se a premissa da luta dentro da ordem burguesa, contra ordem burguesa para melhoria, qualificação e aprovação dessa pauta e outras que concorram no sentido de elevar as condições de vida nosso povo;
3 – A mal-escrita proposta de emenda à Constituição tem, talvez sem pretender, o potencial de tensionar e radicalizar as lutas políticas no Brasil num momento amplamente marcado pelo recuo e desorganização da classe trabalhadora pela hegemonia liberal de forças conservadoras que comandam o campo progressista. Nesta pauta, central à luta do povo trabalhador, pode-se superar erros hoje muito nocivos à elevação da consciência política nacional:
a) A aposta na luta partidária e eleitoral como único veio de solução dos problemas nacionais;
b) crença, desmobilizadora e reacionária, das identidades como centro e norte da luta política;
c) compreensão, cínica e despolitizante, do lulismo como redentor do destino nacional, quando, na prática, revela-se como mais um instrumento conservador de manutenção da ordem vigente.
Por isso, a Revolução Brasileira apoia a luta do povo trabalhador pela redução da jornada de trabalho, reiterando que essa luta pertence à classe trabalhadora e só será efetiva se conduzida por processos de luta e conscientização da nossa classe.
Construir uma vanguarda revolucionária dedicada a conduzir os processos de luta do nosso povo para superar as agruras da dependência é, antes de tudo, uma exigência do nosso tempo. Tenhamos dimensão do nosso dever!
Revolução Brasileira
Redação: Pedro de Araújo