Por uma nova práxis no movimento estudantil: A UNE hoje e sua direção

Entre os dias 10 e 14 de Julho, a Juventude pela Revolução Brasileira participou, enviando sua delegação de estudantes, do 57º Congresso da União Nacional dos Estudantes. Sendo um congresso que agrega grande parte do movimento estudantil do país e que tem como finalidade direcionar sua atuação pelos próximos 2 anos, consideramos necessário fazer um balanço de nossa atuação e do atual estado do movimento estudantil como forma de propor uma nova práxis política necessária à construção da revolução que já está em curso no país. Para isto, publicizamos este documento, do qual esta é a segunda de 4 partes.

 

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Por uma nova práxis no movimento estudantil: A UNE hoje e sua direção (parte 2)

 

 Há de se ter clareza do sentido geral que a UNE tomou nas últimas duas décadas, atuando como verdadeiro órgão de Estado vinculado a partidos de esquerda que já tinham se adequado plenamente à ordem burguesa e se propunham a administrá-la (notadamente PT e PCdoB). Sua função foi a de formação de quadros para o sistema político, ao mesmo tempo que justificava a ordem, limitando as reivindicações políticas do movimento estudantil à miséria do possível sob a dependência e o subdesenvolvimento. Pautando políticas que nunca tocaram o essencial do sistema ao mesmo tempo em que ocultava o caráter de classe das mesmas. Sua política foi, portanto, administração da ordem e justificação dela no seio do próprio movimento estudantil. E o PCdoB através de sua juventude, UJS, o agente mais adequado para fazê-lo, tendo um discurso desenvolvimentista abstrato e nenhum pudor em jogar o corrupto jogo parlamentar, fazendo as alianças mais espúrias com os setores mais anti-povo da burguesia e os quadros políticos mais sujos do parlamento, este verdadeiro covil de ladrões.

 

   Nos anos dos governos petistas, serviu como órgão de governo, justificando a expansão através da financeirização como a única possível e os programas de transferência do fundo público para os monopólios de educação, como o FIES e o PROUNI, como a forma de garantir acesso aos pobres nessa modalidade de expansão. Ao mesmo tempo em que apresentava a reduzida expansão do ensino superior, possibilitada pela brevíssima alta das comoditties, como benevolência de um governo progressista e parte de um projeto “desenvolvimentista”, que teria alçado o Brasil à “categoria” de país de classe média, um “global player”. E que pela mera expansão da educação, poderia trilhar as vias do desenvolvimento sem enfrentar a classe dominante e as estruturas de manutenção da dependência do país. Puro engodo, que colocaria a educação brasileira sob controle de acionistas estrangeiros, ao mesmo tempo em que aprofundava mais ainda sua posição subordinada na divisão internacional do trabalho, e que cobraria a sua conta com a chegada da crise, levando os formados ao desemprego ou subemprego. Tem assim, a UNE, a UJS e demais organizações que compuseram a majoritária da entidade, responsabilidade direta sobre a situação atual da educação e da completa ausência de futuro da juventude.

 

   A majoritária atuou em favor destas políticas, como apêndice do parlamento. Uma vez que a entidade, seus cargos e seus espaços congressuais funcionavam como local de cooptação de quadros, que futuramente comporiam o quadro de candidatos do partido, ao mesmo tempo em que buscava dar ares de “combatividade” e legitimidade às figuras parlamentares ao dá-las espaço privilegiado nos sucessivos CONUNEs. Não apenas atuando lado a lado e com o mesmo horizonte político, mas reproduzindo as mesmas práticas corruptas do congresso. É neste sentido que hoje é de amplo reconhecimento no movimento estudantil o grau em que as fraudes eleitorais estão alastradas por todo o processo, sendo motivo de piada entre estudantes mais experimentados no movimento estudantil e até de páginas de meme na internet. Assim, as novas universidades privadas foram um verdadeiro filão na política de manutenção da hegemonia eleitoral da majoritária, uma vez que não tendo um movimento estudantil consolidado e sem grandes possibilidades de fiscalização, foram o epicentro nos processos de fraudes dos últimos anos.

 

   De fato, não há o menor pudor por parte da direção da entidade em reproduzir as práticas viciadas do sistema político apodrecido. Na tiragem de delegados, a difusão da prática, as dificuldades impostas na denúncia e apuração dos casos e a incômoda conivência das organizações, até mesmo as que fazem parte da oposição, levam a que haja um inevitável afastamento da massa dos estudantes de todo o processo eleitoral, o qual ela não apenas desconhece o funcionamento – que por operar através das fraudes, precisa necessariamente ser nebuloso – como também não vê a mínima importância, pelo fato de o processo tomar ares de uma gincana alheia ao estudante.

 

   O congresso acaba por apenas dar continuidade aos vícios do processo eleitoral, uma vez que deve garantir a hegemonia conquistada através das fraudes, cargos e acesso a recursos financeiros. Para isso, a disputa política propriamente é cada vez mais eliminada dos espaços – fato reconhecido de maneira quase unânime pelos presentes no congresso. E garante-se a ida, a permanência e os votos dos delegados da majoritária através de atrativos completamente alheios aos fins políticos do congresso, tornando-o uma verdadeira micareta. Aqui há que se ressaltar que não fazemos uma crítica moralista à existência das festas – embora a completa ausência de uma verdadeira política cultural pela UNE mereça ser alvo de críticas – mas sim à centralidade que elas assumem como forma de tornar o CONUNE cada vez mais alheio a uma verdadeira disputa política.

 

   A política se torna verdadeiramente ausente quando não existe qualquer tipo de espaço de debate amplo e direcionado das teses levadas ao congresso. Estes são substituídos por mesas temáticas de palestras que, embora possam ter sua importância, não podem substituir o debate essencial para os estudantes, que trate de onde estamos e o que fazer. Os textos que de fato vão à votação na plenária final – as resoluções, as teses unificadas e as moções “consensuais” – não são disponibilizadas, não circulam entre os estudantes presentes no congresso, quanto menos são debatidas. São apenas apresentadas de forma breve durante a plenária. E todas as regras, da inscrição dos delegados às normas de submissão de teses e resoluções, são ou obscuras ou indisponíveis, tornando a articulação informal e de cúpula com membros da direção, uma necessidade para se obter as informações mais básicas para participar do congresso, algo que nunca chega nas bases, sistematicamente alheadas do processo. As regras, assim, acabam sendo moldadas para barrar a entrada de qualquer força contrária à atual direção e burladas sistematicamente, mesmo nas questões mais simples, como o tempo de fala, em favor da majoritária.

 

   O resultado da despolitização completa do congresso é, portanto, a mera manutenção do resultado eleitoral prévio, sem qualquer tipo de elevação do debate, e a redução da política do congresso aos acordos de cúpula alheios às bases e com fundamentação apenas na divisão de cargos na direção. Prática esta difundida pela maioria das organizações de todo espectro político presentes no congresso. A tragédia da UNE é que, ao tornar-se apêndice do sistema político apodrecido, acaba por emular de maneira eficaz o próprio funcionamento deste, tendo no CONUNE o palco principal desta tragédia.

 

   Neste sentido, não se trata aqui de acusar a ausência de debate ou as fraudes como se fossem estas a chaga que, se extirpada, faria com que a política que propomos – revolucionária fosse automaticamente a vencedora na entidade. Tampouco se trata de acreditar ingenuamente que o debate amplo e aberto com as bases por si mesmo fosse capaz de levar a UNE à política correta para o momento histórico. Se trata, na verdade, de tornar evidentes os mecanismos que fazem com que a UNE, ainda hoje,seja um instrumento de reprodução do sistema político apodrecido e das instituições burguesas, justamente quando o que deveria caber à instituição que representa os estudantes é a denúncia e a insurgência contra este mesmo sistema.

 

   Foi sob este mesmo panorama que chegamos ao congresso, com as mesmas práticas, mesmo sentido histórico e mesma hegemonia da direção que novamente se renovou, obtendo 70% dos votos para a direção, ao mesmo tempo em que aprovou todas as suas resoluções. A grande diferença na direção da entidade foi a mudança de um sentido governista, que predominou até o impeachment da então presidente Dilma, para um sentido de oposição parlamentar dentro da ordem. Conservando os vínculos e práticas com a ordem, ao mesmo tempo que atuando pela sobrevivência eleitoral dos partidos liberais de esquerda.

 

   É neste sentido que o programa apresentado pela majoritária e que saiu vencedor do congresso não apenas tratou de continuar atando o destino dos estudantes às possibilidades do capitalismo dependente e afastando o caráter de classe das políticas apresentadas, como se manteve em defesa do processo de financeirização da educação, tratando-o como inevitável. Assim, continuou defendendo uma educação “autônoma” contra interesses políticos e econômicos capaz de, por si só, mudar o país, quando isto é mero engodo: o que de fato ocorre é a luta entre as diferentes classes pela educação, seu acesso e seu direcionamento. E também pautou uma política inócua de defesa das instituições contra o “autoritarismo” e o “conservadorismo”. Política que na prática busca defender as instituições já abandonadas pela burguesia e deslegitimadas perante o povo. E que serve apenas aos interesses da oposição parlamentar, os quais são alheios a ampla maioria do povo, reduzindo sua possibilidade política à paralisação da “resistência”.

 

   Por fim, tratou de defender o próprio processo de financeirização da educação e o modelo de ensino superior público que hoje naufraga. Para este apenas melhorias laterais, como uma mera “democratização do acesso” ou algum aumento de verbas, sem tratar do essencial, que é: transformar o ensino superior público de um que reproduz a dependência para um que atue para superá-la. Para o privado, a manutenção dos monopólios como horizonte do possível e a crítica restrita aos “lucros excessivos”, tendo como solução a regulamentação e o perdão de dívidas estudantis, mas deixando o ensino superior sob os humores do mercado. Não à toa, continua apoiando as Empresas Juniores dentro das universidades, entidades difusoras da ideologia do empreendedorismo e da ideologia que coloca as universidades como entes passivos que devem se adequar ao mercado e não como entes transformadores da realidade social. E também que trouxe como “importante vitória” a aprovação de emenda à LDO de 2019 que garante às universidades captação própria de recursos no mercado. Mesma proposta de “autonomia financeira” presente no projeto “Future-se” apresentado pelo governo Bolsonaro como forma de submeter todas as atividades das universidades à possibilidade de captação de recursos no mercado dando como contrapartida a remuneração de acionistas através de atuação centrada no lucro e a alienação de patrimônio das universidades.

 

   Em suma, o panorama da UNE após o congresso é de manutenção de seu caráter de defesa do sistema político, alheia à guerra de classes em curso no país, que é o que dá a tônica da vida dos estudantes hoje.

 

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